sábado, 6 de julho de 2024

A 3 meses das eleições municipais, drogas e aborto voltam a pautar debate político: o que esperar?

Com as eleições municipais se aproximando, o cenário político brasileiro se aquece com a retomada de debates sobre questões como a descriminalização da maconha e o aborto.

Tais temas, que dividem opiniões até mesmo dentro de espectros políticos, são vistas como potenciais influências no debate eleitoral por especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, estabelecendo novos critérios para diferenciar usuários de traficantes.

Por outro lado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Drogas, já aprovada no Senado, propõe a criminalização do porte de qualquer tipo de droga. A PEC agora aguarda votação na Câmara dos Deputados, o que tem gerado atrito entre os poderes Legislativo e Judiciário.

Simultaneamente, a discussão sobre o aborto ganhou força no Congresso Nacional, após a apresentação de um projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio.

O cientista político e professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA) Guilherme Carvalhido destaca que "esse debate está encaixado no cenário da polarização política brasileira a partir de 2013, onde houve a clivagem entre os grupos progressistas e os conservadores".

Segundo ele, a descriminalização da maconha está inserida nesse contexto de polarização, "intensificando um debate que já ocorria".

Carvalhido afirma que a complexidade do tema da descriminalização da maconha divide até mesmo os grupos conservadores. "Não há consenso sobre o tema, e, portanto, não deverá ser encaixado no debate polarizado entre os grupos. Ficará mais coligado aos candidatos que fortalecerem esse discurso para obter votos para suas candidaturas específicas."

Sobre o aborto, ele acredita que esse discurso será utilizado por candidatos que adotam estratégias radicais para obter votos.

"Como a história eleitoral brasileira demonstra, pode ter sucesso junto dos eleitores mais conservadores. Provavelmente pode ser uma das estratégias importantes desta eleição, pois é um dos temas debatidos nas redes sociais que arregimentam os grupos sociais mais ligados aos grupos cristãos."

No entanto, Carvalhido pondera que, apesar do destaque atual desses temas, eles podem não ser os principais pontos de discussão nas eleições municipais, com "os assuntos urbanos e cotidianos" sendo mais relevantes.

"Eles ganham relevância em decorrência do debate que ocorre nas proximidades das eleições. Logo, ficará tendo maior ou menor peso conforme os embates ocorram nas redes sociais e no Congresso Nacional, puxados ou não pelo Executivo Federal."

·        O que mudou com a descriminalização?

O professor de ciências sociais da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rogério Baptistini ressalta que "o STF não descriminalizou a maconha". Ele afirma que os ministros do Supremo estabeleceram critérios para diferenciar o usuário do traficante, ressaltando que o porte para consumo já não é punido com prisão desde 2006, com a Lei das Drogas.

A PEC das Drogas, por sua vez, é uma reação a essa decisão do STF.

"O seu objetivo é tornar crime a posse e o porte de drogas, equiparando, hipoteticamente, o usuário ao traficante", comenta Baptistini, adicionando que a proposta, se aprovada, será inscrita no artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias individuais.

A reação do Senado à decisão do STF é um reflexo de duas crises interligadas, para Baptistini. A crise da democracia representativa e a crise da cultura pública. "Objetivamente, o debate deveria estar centrado em temas municipais, caros aos moradores das cidades", mas a realidade é diferente, explica.

O especialista aponta que a cultura pública está "capturada pelo fanatismo moral e religioso", fragmentada por narrativas polarizadas que transformam a política em uma batalha do bem contra o mal.

Além disso, o projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio é, segundo o professor, também um exemplo da crise que afeta a democracia representativa e a cultura pública no Brasil. "Com o Congresso capturado por grupos de direita e de extrema direita, resta impossível esperar que daquelas Casas surja a sinalização para a recuperação da cultura pública."

·        Como os debates morais pautam os políticos?

Para Baptistini, os candidatos enfrentam desafios ao tentar equilibrar suas posições sobre esses temas polêmicos. "Toda a posição assumida por um político implica em risco."

Ele adverte que a subordinação da política a orientações morais ou religiosas subverte a lógica do Estado. Quanto à pauta dos costumes, lamenta que ela continuará a dominar o debate por algum tempo.

"Pouco tem sido feito para sanear o ambiente e recuperar a cultura pública".

Em São Paulo, por exemplo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) aposta em um projeto de escola cívico-militar, que o pesquisador vê como uma expressão de uma "máquina ideológica".

A longo prazo, ele vê duas possibilidades para a política brasileira: ou o país resgata o espírito da democracia de 1988 ou enfrenta uma distopia onde a esperança é destruída e prevalece o "salve-se quem puder".

 

¨      Racismo policial: Filhos de diplomatas, jovens negros acusam PMs do RJ de conduta racista

Policiais militares do Rio de Janeiro são acusados de racismo após uma abordagem a adolescentes negros e filhos de diplomatas, com idades entre 13 e 14 anos, em Ipanema, na zona sul.

A ação policial foi registrada por uma câmera de segurança, que mostra os agentes saindo da viatura armados e abordando os jovens, que não são brasileiros, de forma truculenta.

Uma câmera do edifício gravou a chegada dos PMs em uma viatura. Dois agentes param o carro e descem já apontando as armas para os jovens. Os policiais mandam o grupo encostar na parede e revistam cada um.

Eles só foram liberados após um adolescente branco dizer que eles são estrangeiros, moram em Brasília e que estavam no Rio a turismo.

Veja o vídeo:

·        Filhos de diplomatas

Em relato nas redes sociais, na tarde dessa quinta-feira (4/7), Rhaiana Rondon, mãe do adolescente branco, disse que seu filho estava com três amigos, todos negros, na Rua Prudente de Morais, por volta das 20h de quarta-feira (3/7), quando o grupo foi abordado pelos policiais. O grupo foi ao local deixar um outro adolescente em seu prédio.

“Uma viagem de férias, planejada há meses por quatro amigos. Com destino ao Rio, quatro adolescentes de 13 e 14 anos, acompanhados dos avós de um deles, experienciaram a pior forma de violência”, lembra a mulher.

Segundo Rhaiana, eles estavam voltando para casa em Ipanema e deixaram um amigo na porta de casa, “quando foram abruptamente abordados por policiais militares armados e, sem perguntar nada, encostaram os meninos no muro do condomínio”.

“Três, dos quatro adolescentes, são negros. Com arma na cabeça e sem entender nada, foram violentados e obrigados a tirar os casacos”, disse Rhaiana.

Ao serem questionados, os adolescentes negros não entenderam as perguntas pelo fato de serem estrangeiros, filhos de diplomatas. Rhaiana ainda disse que os PMs disseram para que os jovens tomassem cuidado quando andassem na rua, pois seriam abordados novamente.

De acordo com ela, a atitude dos agentes evidencia o racismo.

“Após ‘perceberem’ o erro, liberaram os meninos, mas antes alertaram as crianças que não andassem na rua, pois seriam abordadas novamente. As imagens, os testemunhos e o relato são claros. Não há dúvida: a abordagem foi racial e criminosa”, define.

·        “Quadradinho privilegiado de Ipanema”

Segundo ela, há anos a família frequenta o Rio e nunca tinha presenciado nada parecido no que chama de “quadradinho privilegiado de Ipanema”.

” É um lugar aparentemente seguro. Depende pra quem! Antes da viagem, fiz inúmeras recomendações, alertas e conselhos de mãe preocupada: ‘Não ande com o celular na mão, cuidado com a mochila, não fiquem de bobeira sozinhos’. Pensei em diversas situações, mas jamais que a polícia seria a maior das ameaças”, escreveu.

Rhaiana ressaltou que todos estão assustados com o ocorrido e que o incidente envolveu quatro países (França, Canadá, Gabão e Burkina Faso). O Itamaraty e os respectivos consulados já estão cientes sobre o ocorrido.

“É traumático, triste, é doloroso. Sabemos que isso acontece todos os dias e muitas vezes acaba em tragédia. Mas não podemos deixar de agir. Essa luta é nossa”, finalizou.

O Itamaraty informou que acompanha o caso e “busca averiguar as circunstâncias do ocorrido para eventual tomada de providências”.

De acordo com a Polícia Militar, os agentes envolvidos na ação usavam câmeras corporais e as imagens serão analisadas para constatar se houve algum excesso.

Segundo a corporação, ela insere nas grades curriculares de todos os cursos de formação, como prioridade, disciplinas como direitos humanos, ética, direito constitucional e leis especiais. O órgão ainda reforçou que a Ouvidoria está à disposição dos cidadãos que se sentirem ofendidos para a formalização de denúncias por meio do telefone (21) 2334-6045 ou e-mail ouvidoria_controladoria@pmerj.rj.gov.br.

A Corregedoria Geral da PM também pode ser contatada através do telefone (21) 2725-9098 ou ainda pelo site cintpm.rj.gov.br. O anonimato é garantido.

·        Comissão à disposição das famílias

A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a deputada Dani Monteiro (PSol), repudia a ação dos policiais e colocou a comissão à disposição das famílias das vítimas.

Ela diz que é “inadmissível” ainda se deparar com cenas de “tamanha violência e racismo institucional e estrutural”.

“Esta é mais uma reprodução cotidiana sofrida por jovens negros fluminenses. A abordagem da Polícia Militar é marcada pela truculência com a população preta, de quem age primeiro com a força, mesmo quando a abordagem é com meninos filhos de diplomatas”, aponta.

Dani Monteiro acredita que o fato “demonstra o preconceito que permeia nossa sociedade, especialmente em ações policiais”.

“Não podemos tolerar que jovens negros sejam tratados como suspeitos em potencial apenas pela cor de sua pele, seja em áreas periféricas ou num dos bairros mais ricos do país, como Ipanema. Essa prática nefasta precisa ser combatida com firmeza e urgência”, conclui.

¨      Itamaraty chama embaixadores e se desculpa por episódio racista no Rio

O Itamaraty chamou os embaixadores do Gabão e de Burkina Faso para pedir desculpas oficiais em nome do governo brasileiro por uma abordagem de cunho racista da Polícia Militar do Rio de Janeiro a filhos dos diplomatas.

Os embaixadores dos dois países africanos foram recebidos na sede do Ministério das Relações Exteriores, na manhã desta sexta-feira (5/7), pelo chefe do cerimonial do Itamaraty, embaixador Mauro Furlan, que transmitiu o pedido de desculpas.

Os diplomatas denunciaram que os PMs do Rio teriam feito uma abordagem racista a um grupo de adolescentes negros — entre eles, os filhos dos embaixadores do Gabão e de Burkina Faso — na quinta-feira (4/7), no bairro de Ipanema.

A ação policial foi registrada por uma câmera de segurança de um edifício. As imagens mostram os agentes saindo da viatura apontando a arma para os jovens e os abordando de forma truculenta.

Os policiais mandaram o grupo encostar na parede e revistaram cada um. Eles só foram liberados após um adolescente branco dizer que eles são estrangeiros, moram em Brasília e que estavam no Rio a turismo.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Metrópoles

 

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