O mágico que teria ajudado a derrotar nazistas com truques de
ilusionismo
Nos anos 1930, Jasper Maskelyne (1902-1973) era um
superastro da magia que se apresentava para plateias lotadas nos teatros de
variedades de todo o Reino Unido.
Um pôster de 1931, anunciando sua apresentação
no teatro London
Palladium, chamava o mágico de "o maior ilusionista da Inglaterra".
Verdade seja dita, ele era um tanto excêntrico —
tinha um certo toque de Errol Flynn (1909-1959), o ator de cinema,
com seu bigode fino e olhar penetrante. E também era muito ligeiro, como
demonstra um filme de 1937 dos irmãos Pathé, na França. Nas imagens, Maskelyne
parece estar engolindo uma dúzia de lâminas de barbear.
Mas a maior ilusão de Maskelyne foi realizada em um
teatro muito diferente: o deserto próximo à cidade do Cairo, no Egito, durante
a Segunda
Guerra Mundial.
Lá, ele afirmava ter liderado uma equipe
responsável pela produção em massa de "truques, fraudes e aparelhos
destinados a confundir e enganar os comandantes do Eixo e seus cabelos
curtos" — segundo descrito por ele próprio em suas memórias de 1949, Magic:
Top Secret ("Magia: altamente secreto", em tradução livre).
Os métodos ilusionistas empregados por Maskelyne e
seus colegas na "Operação Bertram" — este era o nome do plano de
ilusões para a segunda batalha de El Alamein, no Egito, em 1942 — são estudados
pelos militares até hoje.
E está para ser produzido um filme contando a
história de Maskelyne, estrelado por Benedict Cumberbatch no papel-título.
Maskelyne é também o tema da exposição intitulada Spies,
Lies and Deception ("Espiões, mentiras e trapaças", em
tradução livre), no Museu Imperial da Guerra, em Londres.
Ela aborda o papel desempenhado pela ficção,
desorientação e farsas durante os conflitos bélicos, da Primeira Guerra Mundial
até os dias de hoje.
A exposição inclui cerca de 150 objetos, como
aparelhos, documentos oficiais, filmes e fotografias. Eles contam diversas
histórias, algumas bem conhecidas e outras, nem tanto — como a da princesa
indiana Noor Inayat Khan (1914-1944), a primeira mulher radiotelegrafista
enviada para a França ocupada pelos nazistas. Ela ficou conhecida como a
"Princesa Espiã".
"Quisemos mostrar que as guerras nem sempre
são combatidas e vencidas nos campos de batalha ou nas salas de reuniões",
segundo uma das curadoras da exposição, Michelle Kirby. "Muita coisa
acontece nas sombras."
Desde que Maskelyne publicou suas memórias,
críticos indicam repetidamente que ele teria exagerado suas contribuições
individuais. Mas as afirmações, tanto dos críticos quanto de Maskelyne, são de
difícil comprovação.
"Uma das realidades fascinantes, mas
complexas, que precisamos enfrentar com cuidado é que, muitas vezes, é difícil
confirmar o verdadeiro envolvimento específico dos responsáveis pelas farsas
militares", diz Kirby.
·
A mudança de carreira
Maskelyne tinha quase 37 anos quando a guerra foi
declarada.
Ele era herdeiro de uma linhagem aristocrática de
mágicos. Seu avô inventou o truque de levitação e ficou famoso ao expor fraudes
de ocultismo.
Durante a guerra, Maskelyne se apresentou como
voluntário para os Engenheiros Reais britânicos. Ele afirmava que as técnicas
de magia popular poderiam ser usadas para camuflagem.
E comprovou suas afirmações para funcionários
descrentes, conjurando um navio de guerra alemão no rio Tâmisa, em Londres, com
um modelo de papelão e espelhos.
Pouco tempo depois, o brigadeiro Dudley Clark
perguntou a Maskelyne se ele poderia entrar para a MI9, como parte da
"Força" — um setor especial de inteligência cuja missão principal
seria enganar o inimigo.
Como Clarke descreveu em suas memórias não
publicadas, seu objetivo era "conservar em vez de destruir".
A parte fundamental para o sucesso era que, em vez
de simplesmente enganar o inimigo, eles o levassem a auxiliar os planos dos
aliados.
Segundo Maskelyne, Clarke outorgou a ele o comando
da "Seção Experimental de Camuflagem", apelidada de "a Gangue
Mágica" (ou a "Gangue Maluca", segundo alguns).
A gangue supostamente incluía um eletricista, um
químico, um cenógrafo, um arquiteto, um restaurador de fotografias, um pintor e
um carpinteiro.
Juntos, eles eram extraordinários — e,
principalmente, segundo Maskelyne, conseguiram esconder toda a cidade de
Alexandria, no Egito, dos bombardeiros alemães.
Para isso, eles teriam imitado luzes noturnas,
construções falsas, um farol e baterias antiaéreas em uma baía a cerca de 5 km
de distância da cidade verdadeira.
E, quando chegou a Luftwaffe (a Força Aérea alemã),
algumas das construções falsas foram até bombardeadas para os pilotos
acreditarem que haviam atingido seus alvos com sucesso.
"Ilusões como estas são tão velhas quanto a
própria guerra", conta Kirby.
"Existem fotografias da Guerra Civil Americana
(1861-1865) de toras moldadas para parecerem canhões armados e [na exibição]
temos um cabeça falsa de papel machê que atraía os franco-atiradores nas
trincheiras. Mas aquilo nunca havia sido feito antes em tão larga escala."
·
O maior momento
Segundo suas memórias, a maior contribuição de
Maskelyne para a Operação Bertram foi fazer com que o marechal-de-campo alemão
Erwin Rommel pensasse que o ataque aliado viria do sul, quando, na verdade, seu
oponente aliado Bernard Montgomery pretendia atacar do norte.
O mágico teria usado lonas e compensado para
disfarçar 1 mil tanques em caminhões ao norte e criado 2 mil tanques falsos,
mais uma ferrovia falsa, uma tubulação de água falsa, conversas falsas pelo
rádio e falsos sons de construção ao sul. Os tanques falsos tinham até a sua
própria pirotecnia.
Em suas memórias, Maskelyne conta que Montgomery
disse a ele: "toda a guerra irá mudar conforme o que acontecer aqui...
espero que você tenha trazido sua varinha mágica com você".
"Aquilo ajudou os aliados a conseguir total
surpresa tática", afirma Kirby.
De fato, quando as tropas retiraram os disfarces
dos seus tanques e entraram na batalha, os nazistas foram pegos totalmente
desprevenidos. E, com a batalha de El Alamein, os aliados inverteram os rumos
da campanha do norte da África.
Para o então primeiro-ministro britânico Winston
Churchill (1874-1965), "antes de Alamein, nunca tivemos uma vitória.
Depois, nunca tivemos uma derrota."
A Gangue Mágica supostamente se separou depois da
batalha, mas se acredita que as técnicas de Maskelyne também tenham estado
presentes na falsa sabotagem da fábrica de aviões De Havilland, em Hatfield, no
sul da Inglaterra, em 1943.
Para levar as equipes de reconhecimento alemãs a
acreditar que uma bomba havia sido detonada dentro da fábrica, ele supostamente
construiu réplicas de transformadores de madeira, falsas crateras de bombas e
destroços.
Eddie Chapman – o agente duplo britânico conhecido
como ZigZag (1914-1997) — foi usado para informar os alemães do seu sucesso. E
a Cruz de Ferro (a condecoração militar alemã) que ele recebeu em
reconhecimento também está exposta no Museu Imperial da Guerra, em Londres.
Maskelyne não recebeu nenhum reconhecimento oficial
pelos seus trabalhos durante a guerra. Conta-se que ele teria se ressentido com
a omissão, o que provavelmente o incentivou a publicar suas memórias.
Em Magic: Top Secret, Maskelyne
descreve as façanhas em detalhes e se vangloria delas sem cessar. Ele chega a
afirmar que esteve na lista pessoal de mais procurados de Adolf Hitler.
"Os relatos oficiais nem sempre confirmam os
seus", segundo Kirby, "mas a verdade do que acontece nas sombras
militares, até hoje, é difícil de confirmar. Provavelmente, nunca iremos
descobrir até onde sua versão da história é verdadeira."
Fonte: BBC Culture
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