O que pode mudar na Argentina com novo pacote de reformas de Milei
O governo do presidente argentino Javier Milei enviou
para o Congresso nesta quarta-feira (27), com apenas 17
dias no poder, um pacote de leis que é a terceira e última parte de
um plano de reforma
liberal com a qual o mandatário diz pretender dar "uma reviravolta na
história" do país.
O porta-voz do governo, Manuel Adorni, afirmou que
o projeto de "Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos
Argentinos" será discutido no Congresso em
sessões extraordinárias até o fim de janeiro.
O próprio Milei destacou
que este projeto é o mais profundo das iniciativas, pois contém "dois
terços" de todas as suas propostas de
reforma.
Anteriormente, quando o presidente estava no cargo
havia apenas 48 horas, seu ministro da Economia, Luis Caputo, anunciou dez
"medidas de emergência" para lidar com a crise econômica argentina,
incluindo uma desvalorização brutal do peso, que perdeu metade do seu valor
face ao dólar americano em um único dia.
Em sua segunda semana no poder, em rede nacional, o
próprio Milei anunciou os detalhes do polêmico Decreto de Necessidade e
Urgência (DNU), com o qual o Poder Executivo pretende modificar ou revogar 366
leis que regulam diversos setores da economia.
Trata-se de um "decretaço" que já gerou
questionamentos nos tribunais e que, pouco após ser anunciado,
desencadeou cacerolazos (panelaços) e manifestações.
·
'Emergência pública'
A mais contundente — e preocupante, segundo
opositores — parte do pacote anunciado na quarta é aquela que propõe a
declaração de "emergência pública em matéria econômica, financeira,
fiscal, previdenciária, de segurança, defesa, tarifária, energética, sanitária,
administrativa e social até 31 de dezembro de 2025."
Esse prazo poderia "ser prorrogado pelo Poder
Executivo nacional pelo prazo máximo de DOIS (2) anos".
Na prática, se esta norma for aprovada, Milei teria
durante os seus quatro anos de governo o poder de decidir sobre todas essas
questões, sobre as quais hoje só o Parlamento pode legislar.
Ou seja, Milei teria em suas mãos o poder do
Executivo e do Legislativo, uma proposta polêmica que, na prática, tem poucas
chances de ser aprovada pelos parlamentares do partido governista A Liberdade
Avança, que são minoria no Congresso.
·
Privatização
Os mais de 600 artigos do pacote proposto modificam
cerca de vinte leis.
Há um capítulo dedicado à reforma do Estado que
propõe declarar todas as empresas do setor público "sujeitas à
privatização".
Estariam sujeitas a isso 40 empresas estatais,
incluindo a petrolífera YPF, a Aerolíneas Argentinas, o Banco Nación, a Casa de
Moneda, a agência de notícias Télam, a empresa de águas AYSA e os Ferrocarriles
Argentinos.
O capítulo sobre a reforma eleitoral acaba com as
eleições primárias (conhecidas pela sigla PASO: Primárias, Abertas, Simultâneas
e Obrigatórias), que têm sido fonte de polêmica desde a sua criação, em 2009.
Também se propõe mudar a composição da Câmara dos
Deputados, passando do sistema atual, que distribui o número de representantes
de forma proporcional à população local, a um sistema que dividiria o país em
254 zonas, as quais teriam um deputado cada.
O pacote também traz novos limites às
manifestações, aumentando as penas para até quatro anos de prisão para quem
usar armas para interromper o serviço de transporte público ou até cinco anos
para quem "dirigir, organizar ou coordenar uma reunião ou manifestação que
impeça ou dificulte a circulação ou o transporte público ou privado".
A pena seria ainda maior se for demonstrado que
pessoas foram extorquidas para participar de um protesto através da ameaça de
retirada de assistência social.
Entretanto, a proposta do governo elimina penas
para quem utiliza armas "no cumprimento de um dever ou no exercício
legítimo do seu direito, autoridade ou cargo".
Atualmente, o Código Penal argentino só permite o
uso de armas por forças de segurança quando "sua vida ou a vida de outras
pessoas estiverem em risco".
·
Viabilidade
Embora algumas das propostas — particularmente a
reforma eleitoral — tenham o apoio de diferentes forças políticas, é provável
que muitos dos 664 artigos do pacote acabem não sendo aprovados.
"Milei enviou sua ideia de uma Argentina
perfeita, mas não levou muito em conta a viabilidade política disso",
afirmou Pablo Fernández Blanco, analista do canal LN+.
Embora Milei tenha vencido o segundo turno com
quase 56% dos votos, no primeiro turno — aquele válido para obter cadeiras no
Congresso —, obteve apenas 30% e ficou em segundo lugar, 7 pontos atrás do
kirchnerismo-peronismo, que tem maioria em ambas as Casas.
Com estes resultados, o A Liberdade Avança tem hoje
cerca de 40 cadeiras na Câmara e apenas 7 no Senado — o que representa 15% de
todo o Congresso.
O Congresso da Argentina, onde partido de Javier
Milei tem minoria
O partido governista deverá ter apoio total da
coligação de centro-direita Juntos pela Mudança, que chegou à beira da ruptura
devido a discordâncias sobre a aliança com Milei.
Enquanto o Congresso debate o novo pacote em
sessões extraordinárias convocadas por Milei até 31 de janeiro, teremos que
esperar pelas sessões ordinárias, a partir de março, para saber como ficará o
"decretaço", caso ele não seja barrado antes pela Justiça.
Ao contrário do pacote legislativo, que será votado
trecho a trecho, o DNU precisa ser aprovado ou rejeitado na sua totalidade
pelas duas casas legislativas — e apenas com a aprovação dos parlamentares ele
permanecerá em vigor.
Fonte: BBC News Mundo
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