Câncer de mama em homens: como falta de informação e tabu prejudicam
detecção precoce
O músico paulistano Rodrigo Fassina, de 41 anos,
sempre levou uma vida saudável e
tinha bons hábitos alimentares. Ele inclusive praticou por anos kung fu, além
de não beber e não fumar.
Mas em 2021, ainda durante a pandemia, percebeu um
pequeno caroço no mamilo direito. Sua esposa também notou que essa região
estava retraída.
Diante dos sinais, ele não pensou duas vezes e
poucos dias depois resolveu ir ao médico para investigar o que poderia ser.
"O médico disse que podia ser um pelo
encravado que inflamou e se no terceiro dia não melhorasse para eu procurá-lo
novamente", lembra.
No terceiro dia, o caroço não diminuiu e ao
retornar ao especialista foi informado que aquilo poderia ser um nódulo.
"Ele me aconselhou a procurar um mastologista,
um cirurgião. Passei no médico, ele pediu exames, mamografia e ressonância",
diz.
O músico também precisou fazer uma biópsia, já que
os médicos suspeitavam de um tumor maligno.
·
Doença rara em homens
Depois de receber o resultado, Rodrigo ficou
surpreso, pois foi diagnosticado com um tumor HER2 positivo, considerado um dos
mais agressivos de câncer de
mama. Ele recebeu a notícia com certa estranheza, pois sempre ouviu
que a condição era mais comum em mulheres e não no gênero masculino.
Porém, segundo o INCA (Instituto Nacional de
Câncer), homens também desenvolvem o problema e estima-se que a incidência
nesse grupo representa cerca de 1% de todos os casos da doença.
Ao procurar um mastologista, que não era
especialista em câncer, foi informado que deveria fazer cirurgia, mas preferiu
ir em busca de uma segunda opinião.
"Fui para uma cirurgiã oncológica e a médica
falou que o câncer já tinha nome e sobrenome", diz.
Ele começou o tratamento com quimioterapia e após
seis sessões, os médicos iriam avaliar se seria preciso optar pela cirurgia.
O especialista ainda informou e ele que não havia
muita literatura sobre câncer de mama em homens e que iam tratar como um câncer
em mulheres.
"Eram dois tumores que somavam seis
centímetros. Comecei a fazer as sessões de quimioterapia e foi diminuindo dois
centímetros. Quando terminei a sexta sessão de quimio, meu tumor estava menor
que 0,5 centímetro", diz o músico.
Ele ainda precisou passar por uma mastectomia,
para retirar o tumor e agir de forma preventiva.
·
Pai também ficou doente
Durante o tratamento, relata, ele tentava manter o
pensamento positivo e acreditava que iria se curar.
No entanto, um fato inesperado chamou atenção dele
e de sua família.
Durante a terceira sessão de quimioterapia, o pai
de Rodrigo começou a passar muito mal.
"Ele estava com uma úlcera e precisou fazer
uma cirurgia de urgência. Quando foram operar, viram que meu pai já estava com
metástase no fígado", afirma.
Segundo Rodrigo, o pai dele provavelmente já tinha
um câncer na
próstata, que evoluiu para outras regiões, mas que foi quase
assintomático.
"Ou ele não sentia ou não falava nada. Ele
ficou internado, não conseguiu se recuperar e nem deu tempo de estudar esse
câncer. Os médicos acreditavam que podia ter sido originado na próstata e
pâncreas", conta.
Justamente pelo problema do pai ter sido silencioso
e por ele se mostrar relutante em ir ao médico, o músico agradece e sabe a
importância de ter ido atrás de um diagnóstico precoce.
Pouco tempo depois, sua mãe também apresentou
sintomas estranhos e foi diagnosticada com trombose hiperplásica. O tumor
evoluiu para câncer no
colo do intestino e hoje ela segue fazendo tratamento.
Por causa disso, ele precisou fazer exames genéticos para
investigar as causas do problema e tentar mitigar o surgimento
de novos cânceres no futuro.
Mesmo com essas intercorrências dos pais, Rodrigo
seguiu com os cuidados necessários e conseguiu se curar. Após quase sete meses,
ele recebeu alta e fez um show interpretando
Freddie Mercury para comemorar no hospital.
Até hoje, ele celebra o sucesso no tratamento e faz
o alerta para que cada vez mais homens procurem os médicos e cuidem da saúde.
"A sensação de finitude faz você querer não
perder tempo. O tempo está a seu favor ou contra. O câncer não é uma sentença
de morte", destaca.
·
Causa e tratamento
Esse tipo de câncer ocorre por causa de uma
proliferação celular desordenada.
As células podem atingir o ducto mamário (bico do
mamilo) ou lóbulos mamários (região mais acima do bico).
Assim como ocorre nas mulheres, o câncer de mama em
homens pode ser multifatorial, provocado por sedentarismo, obesidade, excesso
de álcool, tabagismo e condição genética hereditária.
Pode ocorrer ainda por uso de anabolizantes ou
outras substâncias hormonais em excesso.
"Qualquer homem que tenha e faça uso de
hormônio, também aumenta o risco. Sempre o hormônio tem interferência na
glândula mamária para estímulo de célula tumoral", explica Fabiana
Makdissi, mastologista e cirurgiã oncológica do hospital AC Camargo.
Embora não sejam todos os cânceres que tenham
origem genética hereditária, no de mama é preciso levar em consideração o risco
aumentado no público masculino.
"Para o câncer de mama somente 10% dos casos
estão relacionados com origem genética hereditária, porém, em homens, esse
número pode atingir até 40%", afirma Rodrigo Castanho de Campos Leite,
mastologista do Hospital de Amor, antigo Hospital de Câncer de Barretos.
A condição é mais frequente em homens de 50 a 60
anos, mas pode atingir os mais jovens, assim como ocorreu com Rodrigo que, na
época, tinha 39 anos.
Por isso, é importante ficar atento aos sintomas e
ir ao médico rapidamente.
Segundo os especialistas, com um diagnóstico
precoce, a chance de cura é de 95%.
Os sinais que servem de alerta e merecem atenção
são caroços atrás da aréola, retração do mamilo, secreção e pele em formato de
casca de laranja.
Quando o paciente é diagnosticado com esse tipo de
câncer, o médico fará uma avaliação e indicará qual o melhor tratamento a ser
feito. Ele levará em conta o grau do tumor, evolução da doença e questões
hormonais.
A linha terapêutica pode ser um procedimento
cirúrgico inicial, retirada da mama e investigação dos linfonodos, que são
pequenas estruturas do tamanho de um grão de feijão que ajudam na defesa do
organismo.
Além da cirurgia, pode-se recomendar quimioterapia
e radioterapia.
"No caso da doença que já se espalhou para
outra região, a cirurgia não tem papel principal, mas sim o remédio. Aí já é
um tratamento
paliativo. A cirurgia tem caráter de higiene", reforça Leite.
·
Homens não cuidam da saúde
A atitude de Rodrigo de procurar um médico ao
sofrer com um incômodo é exceção na rotina dos homens, segundo os especialistas
ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil. Cuidar da saúde masculina ainda é
um problema e, muitas vezes, visto como um tabu por muitos deles.
Isso foi constatado inclusive em uma pesquisa feita
em novembro deste ano pela Sociedade Brasileira de Urologia que mostrou que 46%
dos homens acima de 40 anos só vão ao médico quando sentem algo.
Esse número aumenta para 58% se eles utilizam
apenas o SUS (Sistema Único de Saúde).
Outra pesquisa do Instituto Lado a Lado pela Vida,
intitulado A Saúde do Brasileiro, realizado em parceria com o
QualiBest, mostrou ainda que 51% dos entrevistados consideram a rotina
estressante como principal empecilho para cuidar melhor da saúde. Enquanto 32%
disseram que o acesso à saúde é o maior problema para seguir com os cuidados
médicos.
"Em relação ao câncer de mama em homens nós
não temos tabela de rastreio como existe na mulher. Se alguma alteração aparece
na mama ou no mamilo, a indicação é de que ele busque ajuda, até do próprio
urologista", destaca a especialista do AC Camargo.
Roni Fernandes, vice-presidente da Sociedade
Brasileira de Urologia (SBU), afirma que os homens só procuram um especialista
quando sentem algo grave e que eles não vão ao médico buscando doenças
assintomáticas.
O médico ainda reforça que assim como o
ginecologista é o médico da mulher, os homens deveriam ter o urologista como o
seu médico principal, realizando consultas periódicas e exames anuais.
Ele ainda faz um alerta, já que o problema vai
muito além do câncer de mama.
Segundo ele, muitos não sabem sequer lavar o pênis
de forma adequada e, por causa disso, precisam amputar o órgão
genital.
"É algo social. É preciso investir em
conscientização e políticas públicas. Cerca de 400 a 500 homens perdem o pênis
anualmente porque não cuidaram", conclui o urologista da SBU.
Ainda de acordo com os especialistas, a falta do
cuidado com a saúde tem a ver com questões sociais, com machismo e até com
vergonha.
"O que a gente observa no caso de homens é que
geralmente eles já vêm com alteração de pele e linfonodos palpáveis. Tem esse
atraso na procura do médico, talvez por um pouco de preconceito de ter uma
doença na mama. Mas isso acaba prejudicando as chances de cura", reforça
Leite.
·
Quando começar a ir ao médico?
O cuidado com a saúde masculina deve começar quando
os homens são ainda crianças, seguindo na adolescência.
Quando tem início a fase da puberdade, é ideal que
os responsáveis encaminhem o jovem para o urologista ou para um médico
hebiatra, especialista no cuidado de adolescentes. Dessa forma, ele pode
receber orientações de sexualidade, cuidados com a saúde, higiene e fazer
exames de rotina.
O cuidado ainda deve seguir na vida adulta, ao
iniciar relações sexuais, e também ao ficar mais velho.
A partir dos 50 anos, recomenda-se sempre examinar a
próstata para diminuir os riscos de um câncer agressivo, muito
comum nesta faixa etária.
Fonte: BBC News Brasil
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