As plataformas de emprego para mães que priorizam família sem abandonar
carreira
Na maior parte da sua vida profissional, Becky
White não teria pensado em trocar seu cargo como executiva de marketing por um
emprego em meio período. Ela adorava o seu trabalho e tinha orgulho da carreira
que construiu.
Mas, dois anos atrás, quando teve seu segundo filho
(um menino, que ela sabia que seria o último), mudou de opinião.
White mora nos Estados Unidos com o marido e seus
quatro filhos. Ela começou a buscar formas de reduzir sua jornada de trabalho e
passar mais tempo em casa.
"Hesitei em fazer essa pausa", relembra
ela. "Sofri muita angústia e hesitação para sair voluntariamente do
mercado de trabalho. Queria manter minha identidade e minha trajetória
profissional."
Pesquisando na internet, ela encontrou a plataforma
The Mom Project, que apresenta oportunidades de trabalho flexível em período
integral e em meio período para mulheres. White percebeu que talvez houvesse
uma forma de passar mais tempo com seu bebê e continuar trabalhando.
Ela conseguiu rapidamente um emprego em meio
período no setor de marketing digital de uma marca de cosméticos para a pele.
Posteriormente, assumiu outros trabalhos como freelancer com diferentes
empresas, todos encontrados pela plataforma.
Os horários eram flexíveis e ninguém se preocupava
em saber quando ou onde ela
White tem pouco mais de 40 anos. Recentemente,
decidiu que estava na hora de voltar a trabalhar em tempo integral. Agora,
trabalha em casa como diretora de marketing de uma empresa de tecnologia de
Pittsburgh, nos Estados Unidos.
Ela afirma que seus empregos em meio período
tiveram importância fundamental para ajudá-la a retornar sem perder o pique.
"Tive o benefício dessas experiências que me
permitiram migrar de volta com mais facilidade", conta.
À medida que cada vez mais mulheres e cuidadores
procuram equilibrar suas prioridades profissionais e familiares, trabalhadores
americanos vêm procurando plataformas para talentos digitais, como The Mom
Project e The Second Shift, em busca de oportunidades de trabalho flexíveis.
Algumas dessas plataformas já estão disponíveis
online há alguns anos, mas estão crescendo mais rápido que nunca e apresentam
boas oportunidades para os cuidadores, que representam cerca de três
quartos dos profissionais dos Estados Unidos. E plataformas
similares existem em todo o mundo, em países como Reino Unido, Austrália e até
mesmo Brasil.
Essa tendência faz parte de uma mudança mais ampla
ocorrida após a pandemia, que está levando os profissionais a assumir o
controle do equilíbrio entre a sua vida pessoal e o trabalho, moldando
carreiras que atendam às necessidades, objetivos e fases da vida de cada um.
"As mulheres cuidam das suas carreiras de
forma holística", segundo Tami Forman, fundadora da organização sem fins
lucrativos Path Forward, que promove estágios em meio de carreira para
profissionais que deixaram o trabalho para cuidar de responsabilidades
pessoais.
Para Forman, "elas compreendem que, em
diferentes fases da vida, podem precisar ou querer se afastar e, depois,
retomar as atividades. Infelizmente, não existe muito suporte cultural para
ajudar as mulheres neste processo."
"Por isso, qualquer organização que consiga
manter as mulheres no mercado de trabalho de alguma forma e facilitar o seu
retorno como se nunca tivessem saído é muito importante."
Pesquisas indicam que as mulheres que saem do
mercado de trabalho para cuidar dos filhos não apenas enfrentam dificuldades
para retomar o trabalho remunerado, mas também pagam um alto preço em termos
salariais ao longo da vida.
Essas plataformas para talentos cresceram desde a
pandemia e, agora, oferecem um possível caminho para desafiar os padrões e
remover as barreiras para o retorno ao trabalho, permitindo que mulheres e
cuidadores exerçam suas profissões sem sacrificar suas responsabilidades familiares.
Ainda assim, especialistas afirmam que a
popularidade das plataformas reafirma uma realidade preocupante: quando o
assunto é criar ambientes de trabalho verdadeiramente flexíveis, muitas
empresas ficam aquém das expectativas.
Será que as plataformas online oferecem soluções
sustentáveis ou servem apenas de remendo para um problema mais profundo?
·
Contracheque e identidade social
A pandemia impôs sérias dificuldades para as mães
que trabalham.
Elas deixaram o mercado de trabalho em números
recorde, levadas principalmente pelo aumento das responsabilidades de
assistência, um problema particularmente acentuado nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, setores tradicionalmente dominados
pelas mulheres, como enfermagem, educação e hospedagem, sofreram enormes perdas
de postos de trabalho durante os lockdowns e as medidas de distanciamento
social.
Mas, atualmente, o quadro
parece um pouco melhor. O número de mulheres no mercado de trabalho é
recorde, e o aumento mais significativo ocorreu entre as mães de crianças
pequenas.
Um relatório do Projeto Hamilton do centro de
estudos americano Brookings Institution indica que mais de 70%
das mulheres com filhos com menos de cinco anos estão no mercado de trabalho, contra
68,9% antes da pandemia.
O crescimento do trabalho remoto age como força
motriz dessa mudança, em grande parte para os trabalhadores do conhecimento —
aqueles que usam principalmente seus conhecimentos, informações e inteligência
para desenvolver o seu trabalho.
Mas muitas mães e cuidadores buscam um nível de
flexibilidade que vá além de simplesmente trabalhar em casa. Eles podem
precisar pegar os filhos na escola no meio do dia ou comparecer a outros
compromissos familiares. E podem também querer trabalhar em jornadas
não lineares, em vez do cronograma fixo das 9h às 17h.
Essa percepção cada vez maior alimentou o
crescimento das plataformas de talentos voltadas aos cuidadores.
Somente neste ano, The Mom Project, por exemplo,
recebeu 400 mil novos membros. A companhia afirma que sua base de usuários tem
mais de 1,5 milhão de pessoas.
E a comunidade de usuários The Second Shift também
aumentou exponencialmente nos últimos três anos, segundo a empresa.
Durante a pandemia, a The Second Shift começou a
promover webinários gratuitos para seus membros, abordando os prejuízos à saúde
mental e emocional, além do trabalho invisível das mulheres e dos pais e mães
que trabalham.
Desde então, a empresa formou uma plataforma de
conteúdo, que inclui redes sociais, canal no YouTube e um podcast.
As mães e os cuidadores atraídos por essas
plataformas buscam acomodar o trabalho não apenas por necessidades financeiras,
mas também devido às suas ambições profissionais de permanecer no mercado de
trabalho, segundo a professora de administração Laura M. Little, da Escola de
Negócios Terry da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.
Little afirma que "elas precisam trazer
dinheiro para casa e querem manter uma identidade social, além da sua
identidade como mães".
Tanto as mães quanto seus empregadores continuam se
beneficiando desse desenvolvimento, especialmente no curto prazo, segundo a
professora.
Os empregadores ganham acesso a profissionais
altamente qualificados, que podem ter sido ignorados anteriormente, para
diversificar seu banco de talentos. Já as mulheres conseguem manter suas
habilidades em dia.
"Elas passam a ter controle sobre o que estão
fazendo e quando estão fazendo, sem precisar trabalhar em tempo integral quando
não querem ou quando não podem", assinala Little.
Julie Teninbaum, designer gráfica da geração X que
mora perto de Boston, nos Estados Unidos, encontrou sua primeira oportunidade
como freelancer na plataforma The Second Shift, em 2016. Na época, seus filhos
tinham quatro e dois anos de idade.
O projeto envolvia a criação de infográficos para
uma importante empresa de tecnologia. Ela recebeu US$ 20 mil (cerca de R$ 97
mil) pelo serviço.
Ela conta que conseguir aquele trabalho fez toda a
diferença para sua carreira como freelancer: "aquilo me fez sentir que
poderia continuar, mesmo com minha vida caótica, enquanto encaixava meu
trabalho entre trocas de fraldas e cochilos".
Agora, os filhos de Teninbaum estão mais velhos e
suas horas de trabalho acompanham os horários da escola.
Ela conta que sua renda é mais ou menos parecida ao
que estaria ganhando se trabalhasse em uma empresa em tempo integral.
Nos últimos anos, Tenimbaum formou uma rede de
clientes, incluindo alguns que conheceu através dos recrutadores da The Second
Shift.
"Eles ofereceram apoio, me senti como se eles
estivessem procurando e me ajudando a conseguir trabalho", conta.
·
O papel dos empregadores
As plataformas online podem ter mudado a vida de
muitas mulheres que procuravam equilibrar sua vida profissional com as
responsabilidades de cuidadoras, mas especialistas se preocupam com seus
possíveis efeitos de longo prazo.
Esse temor se baseia, em grande parte, nos
preconceitos inerentes à estrutura de trabalho atual. Mulheres que decidem
assumir cargos flexíveis ou em meio período podem encontrar perspectivas de
crescimento limitadas e salários mais baixos, em comparação com os
profissionais que trabalham em tempo integral.
Os profissionais costumam pagar o preço da
flexibilidade, segundo a professora de administração Ellen Ernst Kossek, da
Escola de Negócios Mitchell E. Daniels da Universidade Purdue, nos Estados
Unidos.
Kossek explica que as pesquisas indicam a
existência de estigmatização real ou indireta da flexibilidade.
Alguns gerentes mantêm preconceitos contra
funcionários que trabalham de forma flexível e os consideram menos
comprometidos e menos produtivos, em comparação com seus colegas que trabalham
em horários tradicionais.
Essas soluções ajudam a satisfazer a necessidade
imediata de trabalho flexível entre os cuidadores, mas também destacam a falta
de esforço por parte da maioria dos empregadores para tornar os empregos mais
administráveis e os ambientes de trabalho mais familiares.
"Eles não estão enfrentando as limitações da
oferta e o alto custo da assistência infantil e ainda consideram que as mães
irão atender à maior parte das necessidades", afirma Kossek.
"Prefiro que essas plataformas continuem
existindo — elas oferecem às mulheres a flexibilidade de que elas precisam —
mas os empregadores estão se safando com facilidade. No longo prazo, elas não
são a solução."
Mas as plataformas podem ser parte de uma solução
mais ampla.
Antes da pandemia, a empresa americana de serviços
financeiros Synchrony, cujos funcionários são principalmente mulheres, era
muito tradicional, segundo conta o diretor de recursos humanos da empresa, D.
J. Castro: "a grande maioria trabalhava no escritório e passávamos tempo
demais discutindo se um cargo poderia ser exercido em casa".
Em 2020, a empresa investiu US$ 1,5 milhão (cerca
de R$ 7,3 milhões) no The Mom Project e contratou diversas funcionárias através
da plataforma.
Castro conta que a parceria com a plataforma
durante a pandemia abriu os olhos da empresa.
Desde então, a Synchrony introduziu uma série de
opções de trabalho flexível, permitindo que os funcionários decidissem como e
onde trabalhar. A empresa consulta seus funcionários com frequência, para
garantir que sejam oferecidos benefícios mais relevantes.
"Nós aprendemos que, se você quiser se
diferenciar, atrair e reter talentos diversificados, especialmente mulheres e
cuidadores, é preciso repensar radicalmente a velha escola sobre como as
pessoas estão fazendo seu trabalho", afirma ele.
Mas, a menos que haja uma mudança em massa no
sentimento dos empregadores, a necessidade de plataformas e organizações que
apoiem os cuidadores nas várias etapas da carreira continuará a existir,
segundo Tami Forman, da Path Forward.
Para ela, ajudar as pessoas a encontrar formas
criativas de equilibrar a carreira e o cuidado com os filhos é fundamental.
"Em condições normais, o impacto financeiro de
sair do mercado de trabalho é imenso."
Becky White destaca que é muito grata ao The Mom
Project, pela oportunidade de tempo essencial que conseguiu para ela e seu bebê
e, paralelamente, manter-se ativa no mercado de trabalho.
"Para mim, foi a manutenção do
equilíbrio", conta. "Queria continuar trabalhando e manter minha
identidade, mas também queria ser uma mãe mais interativa."
E White conseguiu.
Fonte: BBC Worklife
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