Amazônia Azul: mapa do Brasil passa a incluir área equivalente à Europa
Ocidental
Colinas extensas com novos tipos de recifes,
abundante vida marinha e espécies raras de peixes. Apesar de ser responsável
por 20% do PIB brasileiro, o território oceânico ainda tem muito para ser
descoberto e também fiscalizado. Neste ano, o país deu um novo passo para
alcançar totalmente esse objetivo: a inclusão da Amazônia Azul no mapa do país.
Batizada de Amazônia Azul em referência à rica
biodiversidade e recursos naturais, a área de 5,7 milhões de quilômetros
quadrados que se estende ao longo dos 10 mil quilômetros da costa brasileira
equivalente ao tamanho de toda a Europa Ocidental — só não é maior que países
como Rússia, Canadá, China, Estados Unidos, Austrália e o próprio Brasil
continental.
Para além de abrigar bacias que tornaram o Brasil
nono maior produtor de petróleo do mundo e o maior da América Latina, a frente
inclusive da Venezuela, detentora das maiores reservas mundiais, a região
possui uma infinidade de minerais, cordilheiras submarinas pouco conhecidas e
recifes peculiares.
O professor do Instituto de Oceanografia da
Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cátedra UNESCO para a
Sustentabilidade do Oceano, Alexander Turra, reforçou à Sputnik Brasil sobre os
potenciais da região.
"Tem implicações muito claras na questão da
segurança energética, especialmente quando falamos de petróleo e gás, e também
na oferta de minerais que são importantes para a indústria de alta tecnologia.
Estamos falando das crostas cobaltíferas [possuem alta concentração de
importantes metais como níquel, cobalto e cobre], além de todo um contingente
de organismos marítimos. Podemos ter exploração na biotecnologia, produzindo
materiais para a indústria farmacêutica, alimentícia e cosmética", pontua.
Para ampliar a soberania e a segurança nacional
sobre a área, que vai além do limite máximo de 370 km definido pela Organização
das Nações Unidas (ONU) como Zona Exclusiva de Exploração (ZEE) do país, neste
ano a Amazônia Azul passou a ser incluída no mapa brasileiro estampado em
livros didáticos e materiais oficiais. "É um componente adicional que faz
com que o país consiga ter uma garantia de acesso mais resguardada para
recursos que estão nas águas, no solo e no subsolo marítimo, que agora estão
sob jurisdição nacional", acrescenta o pesquisador.
O tenente-coronel Edwardo Coelho de Oliveira, que é
mestre em ciências militares e atua no 7º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC)
de Olinda, em Pernambuco, acrescenta à Sputnik Brasil que a região é chamada
plataforma continental, que ainda não foi totalmente reconhecida pela ONU,
apesar de estampar os mapas — é o prolongamento do território para o mar até as
profundidades abissais.
Até agora, somente 20% da área, que vai entre Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, foi liberada. "Isso quer dizer que a maior
parte do nosso pleito ainda está em estudo e não foi ratificado, mas há uma boa
chance de se concretizar [são as margens Equatorial, do Amapá ao Ceará, e
Oriental, do Rio Grande do Norte ao Paraná]", diz.
Caso o pleito seja atendido, vai proporcionar maior
acesso aos recursos naturais, a exemplo dos hidratos de gás que podem ser
encontrados na região, e exploração comercial. "É uma forma sólida do gás
natural e uma grama produz muitos metros cúbicos. Também posso citar as rotas
marítimas internacionais e comércio de cabotagem", destaca. Outro ponto de
interesse que fica na plataforma é o arquipélago de São Pedro e São Paulo, a
mais de mil quilômetros da costa e considerado "um trampolim do Brasil
para a África".
·
Quais mudanças ocorreram no mapa do Brasil?
Desde a Independência do Brasil em 1822, o mapa do
país passou por inúmeras transformações, como a divisão da então província do
Grão-Pará nos atuais estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e parte do Mato
Grosso, além da incorporação do Acre há 120 anos após acordo diplomático com a
Bolívia. Agora, no século XXI, os atlas e livros didáticos ganham a Amazônia
Azul, onde já é gerado pelo menos 20% do PIB brasileiro. E diante de um
território tão extenso, os desafios para fiscalizar tudo isso são enormes.
Conforme o especialista, está em desenvolvimento um
sistema de vigilância da região pela Marinha a partir da Baía de Guanabara.
"São diferentes tipos de sensores e equipamentos como satélites, boias,
radares e drones para fazer o monitoramento desse espaço e garantir o uso dos
recursos naturais de forma sustentável e beneficiando a população, sem serem
desviados para outros países", enfatiza. Um dos exemplos clássicos é a
pesca ilegal na costa do país: na região amazônica, associações de pescadores
denunciam há anos a atividade realizada por barcos chineses que capturam
indiscriminadamente espécies ameaçadas de extinção.
·
Brasil no Atlântico Sul e a ampliação da liderança
A inclusão da Amazônia Azul no mapa nacional também
traz implicações geopolíticas, aponta o professor Alexander Turra: a expansão
da influência brasileira em todo o Atlântico Sul. "O Brasil já tem uma
posição de liderança regional e nesse sentido tem a possibilidade de exercitar
esse papel de uma forma um pouco mais efetiva, dar o tom do que vai acontecer
na região no âmbito da Zona de Cooperação e Paz do Atlântico Sul, além de atuar
na criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul", argumenta o especialista.
Mas a mudança também traz grandes responsabilidades
ao país, como desenvolver políticas ambientais que garantam uma exploração
sustentável e conservação de todo o bioma marinho através de padrões
estabelecidos nacionalmente. "O referencial para a agenda ambiental deixa
de ser o que é colocado internacionalmente por órgãos associados à ONU
[Autoridade dos Fundos Marinhos e o tratado de Biodiversidade Além das
Jurisdições Nacionais]. Podemos ter coisas muito boas ou muito trágicas, vai
depender de como essas políticas serão implementadas", diz.
·
Onde o Brasil exerce sua soberania?
Espaço aéreo, solo, sub e o mar territorial. A
Constituição Federal prevê que o Brasil exerça a sua soberania nessas
localidades, que com relação à Amazônia Azul amplia o que está previsto na
legislação. Ainda está em estudo acrescentar uma outra região ao mapa
brasileiro: um milhão de quilômetros quadrados que pode ser anexado ao país,
explica o professor da USP. Isso, segundo ele, pode trazer questionamentos
geopolíticos internacionais. A região era uma ilha tropical conhecida como
Elevação do Rio Grande.
"Essas solicitações de áreas normalmente
desencadeiam reações contrárias, especialmente se há países limítrofes. No caso
do Brasil, não existe nenhum tipo de sobreposição que poderia ser solicitada
por outras nações, então a chance de ocorrer um questionamento é baixa. A única
é a Elevação do Rio Grande, que é a última área que está sendo proposta [para a
Amazônia Azul] a ser anexada, que é uma região com evidências cada vez maiores
que foi um pedaço do continente que afundou e no passado havia uma conexão que
se desprendeu", afirma.
Já o tenente-coronel Edwardo Coelho lembra que a
pujança brasileira em termos territoriais incomoda de forma regional e até
internacional. Conforme o mestre em ciências militares, há relatos de que
países como Uruguai e Argentina não são favoráveis à extensão da plataforma
continental brasileira, além da China. "O governo chinês já pediu à ONU
para explorar a cordilheira mesoatlântica, que é a espinha dorsal no meio do
Atlântico. Não faz parte da Amazônia Azul, mas é uma área de interesse para o
Brasil. Isso também ocorreu com a região do Rio Grande", contou.
·
Amazônia Azul: área de 'cobiça' internacional
Estudo recente liberado por pesquisadores da USP é
uma pequena amostra dos potenciais econômicos da região: com distância de 1,2
mil quilômetros da costa, a elevação era uma grande ilha vulcânica há 50
milhões de anos e conta com reservas de minerais raros, considerados essenciais
para a produção de baterias, painéis solares e produtos da energia verde.
"O que se vê para o futuro é que, com a
necessidade das nações ampararem seu desenvolvimento, como alimentar uma grande
população, buscar matéria-prima e fornecimento de energia, a Amazônia Azul é
uma área de cobiça que deve ser
Em abril deste ano, um navio alemão chegou a ser
expulso da área pela Marinha do Brasil por realizar pesquisas sem autorização
em águas do país. "Isso mostra a importância de termos um sistema de
vigilância denso que seja capaz de detectar não só essa como outras
embarcações. Ameaça é tudo que atenta contra os interesses do estado
brasileiro", disse o almirante Marcos Sampaio Olsen à época, durante uma
comissão da Câmara dos Deputados.
O Brasil já se posicionou de forma contrária à
mineração em águas profundas por conta dos riscos à biodiversidade e, por isso,
proteger a Amazônia Azul é crucial para garantir a sustentabilidade em toda a
região. "Que acontece é que a gente precisa então organizar o uso desse
espaço para poder desenvolver não uma economia azul, e sim uma economia
sustentável do oceano que tenha como pilares a proteção efetiva, sustentável e
o compartilhamento equitativo de recursos. Esse é o grande ponto, como que a
gente faz isso conciliando os diferentes interesses que estão aí colocados na
mesa", concluiu.
Fonte: Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário