Valor de joias da Arábia supera o usual e aumenta suspeitas no caso
Entre
os diversos aspectos nebulosos do caso das joias presenteadas pela Arábia
Saudita que iriam para Jair e Michelle Bolsonaro está o valor dos produtos
apreendidos pela Receita Federal em 2021, que o Planalto e outros órgãos
tentaram reaver sem sucesso.
O
valor alegado do conjunto de joias e uma estatueta ornamental de cavalo, de US$
1 milhão (R$ 5,15 milhões) no auto de apreensão inicial e
3 milhões (R$ 16,5 milhões) numa avaliação
posterior, é enorme mesmo para o padrão perdulário da Casa de Saud, que fundou
o reino petrolífero em 1932.
Os
valores fizeram saltar os olhos de diplomatas com experiência em protocolo, e
não só pelo fato de que usualmente presentes são simbólicos no Ocidente, para
evitar a pecha da vulgaridade da ostentação. Uma comparação possível dada a
transparência americana é avaliar o quanto os sauditas destinaram em mimos para
autoridades dos Estados Unidos, seu maior aliado político e militar.
Em
2015, o Escritório do Chefe do Protocolo do Departamento do Estado fez um
balanço dos dez presentes mais caros dados a presidentes, primeiras-damas e
outras autoridades desde 2002. Nove eram sauditas.
Ao
todo, Riad deu US$ 5,2 milhões, em valores não deflacionados, ou 75% do total
de presentes que chegaram à Casa Branca e adjacências. Corrigido só esse total,
o que é impreciso porque os agrados foram distribuídos ao longo dos anos,
chega-se a US$ 6,56 milhões hoje —ou R$ 33 milhões, pouco mais que o dobro do
teto de valor atribuído ao pacote apreendido pela Receita.
Em
2003, o reino deu seu presente mais caro registrado: um quadro retratando
caçada de búfalos do americano C.M. Russell avaliado em US$ 1 milhão (US$ 1,63
milhão hoje, ou R$ 8,4 milhões) para George W. Bush, então esbanjando poder
após a invasão do Iraque —que não foi apoiada pelos aliados sauditas, contudo.
Em
segundo lugar começam a brilhar o ouro, os diamantes, esmeraldas e rubis. Ele é
ocupado pelos US$ 780 mil (US$ 985 mil corrigidos, ou R$ 5 milhões) em
diamantes e afins dados em 2014 a Teresa, a mulher de John Kerry, então
responsável pela diplomacia de Barack Obama e hoje enviado de Joe Biden para
questões climáticas.
Outra
Michelle, a Obama, caiu nas graças diplomáticas de Riad. Só em 2014, ela
recebeu US$ 1,3 milhão (US$ 1,64 milhão deflacionados, ou R$ 8,4 milhões) em
dois conjuntos separados de joias, de toda forma aproximadamente um terço do
total que teria sido enviado para a sua colega brasileira na mochila de um
assessor do então ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia).
Esse
período de maior gastança coincide com o final do reinado de Abdullah bin
Abdulaziz al Saud, que assumiu em 2005 mas afastou-se por motivos de saúde do
governo a partir de 2010, até sua morte aos 90 anos em 2015.
De
lá para cá, as coisas ficaram bem mais modestas, relativamente. O ídolo de
Bolsonaro Donald Trump, por exemplo, teve como destaque na sua coleção de
presentes sauditas um painel com colunas ornadas de caligrafia árabe doado em
2017 de US$ 14,4 mil (US$ 17,6 mil hoje, ou R$ 90 mil).
O
próprio brasileiro, hoje residente na Flórida, está na lista dos que quiseram
agradar Trump, no caso com um banco de madeira esculpida em forma de
onça-pintada, avaliado em US$ 1.175 em 2019 (US$ 1.370 hoje, ou R$ 7.060).
Com
tudo isso e a opacidade das versões em torno do que realmente ocorreu, até
porque negativas de Bolsonaro acerca de conhecimento pelo caso foram
confrontadas com oito tentativas de seu governo de reaver o conjunto
apreendido, diplomatas questionam a natureza do presente saudita.
A
Folha entrou em contato com a embaixada do reino em Brasília, mas ainda não
obteve resposta. Como o jornal mostrou, seja qual fora a origem do agrado, o
Planalto considerava que ele iria ou para o acervo pessoal de Bolsonaro ou para
o da Presidência.
Nos
EUA, todo presente com valor superior a US$ 415 (R$ 2.136) dado a funcionário
público tem de ser entregue aos superiores e catalogado. Uma vez por ano a
lista de presentes é atualizada pelo Escritório do Chefe do Protocolo e
publicada online, geralmente também com itens de outros períodos. Ninguém fica
com nada, sendo o destino de tudo os Arquivos Nacionais, por vezes alimentando
as biblio tecas presidenciais.
A
exceção é para quem está disposto a pagar pelo valor de mercado do presente,
como a então secretária de Estado Hillary Clinton fez com um colar de quase US$
1.000 que ganhou em 2012 (hoje valendo US$ 1.300, ou R$ 6.700) da líder
birmanesa Aung San Suu Kyi. Mas ela desistiu de repetir a dose com os US$ 400
mil (US$ 550 mil, ou R$ 2,8 milhões hoje) que a Arábia Saudita lhe deu em joias
em 2010.
Do
governo de Joe Biden só há disponível o relatório sobre 2021, primeiro ano de
seu mandato. O presidente ou sua família nada ganharam dos sauditas. Seu
secretário de Estado, Antony Blinken, levou um pacote de tâmaras, um vaso e mel,
no valor de US$ 630 (R$ 3.200).
Curiosamente,
o presente mais caro que Biden ganhou na sua estreia no cargo foi do
arquirrival Vladimir Putin. Quando se encontraram em junho para concordar em
discordar sobre vários temas, mas a Guerra da Ucrânia não estava no horizonte,
o russo o presenteou com jogo de canetas em estojo de laca de US$ 12 mil (R$ 62
mil). Já do aliado Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia, ganhou uma
bandeira americana de US$ 700 (R$ 3.600).
O
afegão Ashraf Ghani, figura constante na lista de galanteadores diplomáticos,
deu um tapete de seda de US$ 9.600 (R$ 50 mil) poucas semanas antes de ver
Biden evacuar suas forças do seu país, o que o fez fugir e deixar o caminho
aberto para a volta dos fundamentalistas do Talibã ao poder.
• Michelle diz que foi a última a saber de
joias da Arábia
A
ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro afirma que, como "mulher traída",
foi a "última a saber" que joias teriam sido enviadas a ela de
presente pelo governo da Arábia Saudita em 2021.
Ela
não teria também a menor ideia de que os objetos preciosos tinham sido
apreendidos pela Receita Federal há mais de um ano, e que o governo de Jair
Bolsonaro se mobilizara para tentar reavê-los.
Nem
mesmo seu marido, Jair Bolsonaro, teria passado informações a ela depois de
tomar conhecimento do episódio.
Os
fiscais retiveram na alfândega um par de brincos, um anel, um colar e um
relógio, confeccionados com pedras preciosas, bem como um enfeite em forma de
cavalo com adornos dourados.
O
conjunto valeria R$ 16 milhões e, segundo o ex-ministro das Minas e Energia,
Bento Albuquerque, que trouxe os presentes em sua comitiva, seriam destinados à
então primeira-dama.
O
desabafo de Michelle foi feito a interlocutores depois que o caso virou
escândalo, na semana passada.
A
ex-primeira-dama diz que tomou conhecimento dos fatos na sexta (3), quando uma
reportagem do jornal O Estado de S. Paulo sobre o assunto foi enviada a ela por
Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo e próximo do
ex-presidente Jair Bolsonaro.
Nos
diálogos, a ex-primeira-dama chegou mostrar desconfiança, em um primeiro
momento, de que alguma pessoa envolvida no transporte das joias teria tentado
se apoderar dos bens.
Afinal,
se o presente era destinado a ela, como nada ainda lhe teria sido informado,
mais de um ano depois do envio dos objetos preciosos?
Num
segundo momento, Michelle levou em consideração o fato de as joias estarem em
uma caixa selada, o que em tese impediria qualquer um de saber o que havia
dentro dela. A hipótese de desvio os bens foi descartada.
Demonstrando
irritação por ter seu nome envolvido no escândalo, Michelle informou aos
interlocutores que Jair Bolsonaro só teria sido informado sobre o presente e a
retenção das joias no fim do ano passado, quando o governo se mobilizava para
retirá-las da Receita Federal.
O
marido, no entanto, não teria contado nada a ela, que só soube da confusão na
semana passada.
A
primeira-dama afirmou ainda que consultaria advogados sobre o que fazer.
Ela
quer saber se ainda há uma forma de retirar os objetos da Receita Federal para
devolvê-los à Arábia Saudita.
O
caso está sendo investigado pela Polícia Federal.
Em
outubro de 2021, um militar que assessorava o então ministro Bento Albuquerque
(Minas e Energia) tentou desembarcar no Brasil com uma série de artigos de luxo
–entre eles, as preciosidades destinadas a Michelle. Como os bens não foram
declarados, eles terminaram apreendidos pela Receita Federal.
Pelas
regras em vigor, bens adquiridos no exterior que tenham valor superior a US$
1.000 (pouco mais de R$ 5.000) precisam ser declarados à Receita na entrada no
Brasil. Quando ultrapassam esse valor, eles estão sujeitos à cobrança do
Imposto de Importação, que é de 50% sobre o excedente.
Como
não houve declaração, o órgão apreendeu os bens e exigiu o pagamento do devido
Imposto de Importação, oferecendo a opção de o Ministério de Minas e Energia
pleitear formalmente o reconhecimento da condição dos bens como propriedade da
União —o que destravaria os itens sem a necessidade do pagamento.
O
governo de Jair Bolsonaro fez várias tentativas de reaver as joias, sem
sucesso.
Quando
o caso veio à tona, Michelle postou em uma rede social: "Quer dizer que
'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo
hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa [sic] vexatória".
• Governo Lula ironiza caso das joias em
rede social e cita quem traz 'umas coisinhas' do exterior
O
perfil oficial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República,
órgão responsável por divulgar ações de governo e iniciativas do Planalto,
ironizou em uma publicação feita nesta segunda-feira (6) o caso das joias
sauditas para o ex-presidente Jair Bolsonaro, explicando as regras de
declaração de itens trazidos do exterior.
"Fez
uma viagem internacional e trouxe umas coisinhas? Siga as regras e não tenha
problemas com a @ReceitaFederal", diz a publicação.
A
postagem informa a obrigatoriedade de informe dos itens com valor acima de US$
1.000, e o valor dos tributos cobrados pelo produto --caso a declaração tenha
sido feita, a taxa é de 50% do valor para além da cota de isenção.
Afirma
ainda que a entrada no país com um presente destinado ao Estado brasileiro
exige a comprovação de interesse público, sendo possível solicitar a
regularização mediante comprovação da propriedade pública do bem, sujeita à
perda e o possível leilão, e orienta a consulta à página da Receita Federal na
internet para mais detalhes.
Por
fim, o texto ainda informa que todos os cidadãos estão sujeitos às regras.
"Todo e qualquer cidadão se sujeita às mesmas leis e normas aduaneiras,
independentemente de ocupar cargo ou função pública."
As
afirmações em perfil oficial do governo vêm na esteira de manifestações de
auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o assunto, em tom
de ironia ou crítica.
O
ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), tachou como
contrabando a tentativa de reaver as joias por parte do governo Bolsonaro.
"O
fiscal da Receita que impediu esse crime tem que ser profundamente reconhecido.
Se fosse pra dar uma joia, não no valor de R$ 16 milhões, tinha que dar uma
joia para esse fiscal. Não só ele, mas todos os fiscais que impediram esse
contrabando ilegal", disse no sábado (4).
A
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, lembrou reportagem da Folha afirmando que a
então primeira-dama Marisa Letícia renunciou a joias que recebeu de presente da
realeza dos Emirados Árabes Unidos em dezembro de 2003.
"Dona
Marisa também foi presenteada com joias, mas o desfecho foi muito diferente da
Michelle. Ninguém tentou esconder e elas foram doadas ao programa Fome Zero. O
nível é outro", escreveu a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, no
sábado.
Nota
oficial da Receita Federal no sábado disse saudar "os agentes da aduana
que cumpriram seus deveres legais com altivez, cortesia, profissionalismo e
impessoalidade, honrando a instituição a que pertencem".
O
perfil da Secom é o mesmo que, no governo Bolsonaro, publicava diariamente
durante a pandemia da Covid-19 um "placar da vida" para relativizar a
quantidade de mortes que ocorria pelo país na comparação com o número de
infectados que se recuperavam da doença.
Militar que enviou ofício para reaver
joias na Receita ganhou da gestão Bolsonaro cargos em estatais
O
ex-chefe de gabinete de Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia do
governo Jair Bolsonaro, foi indicado para cargos em empresas estatais no fim do
mandato do agora ex-presidente. José Roberto Bueno Junior havia sido, em 2021,
um dos primeiros servidores a empenhar esforços para tentar reaver as joias de
R$ 16,5 milhões trazidas do Oriente Médio e que seriam um presente da família
real saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Contra-almirante
da Marinha e formado em Ciências Navais, Bueno Junior foi nomeado para a
diretoria executiva da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia
Nuclear e Binacional). O militar assumiu o cargo de diretor de Gestão
Corporativa e Sustentabilidade em 11 de novembro, dias após o segundo turno da
eleição presidencial. Seu mandato na estatal criada pelo governo Bolsonaro vai
até 3 de janeiro de 2024.
A
ENBPar é acionista controladora da Eletronuclear e indicou Bueno Junior para
presidir seu Conselho de Administração. A indicação foi aprovada em assembleia
geral realizada em 9 de dezembro de 2022.
A
remuneração mensal autorizada pela Secretaria de Coordenação e Governança das
Empresas Estatais para os diretores da ENBPar é de R$ 37.802,04 — os ocupantes
do cargo têm direito ainda a 13°, 14° e 15° salário. Por sua participação no
Conselho de Administração da Eletronuclear, Bueno Junior também tem direito a
receber por mês cerca de R$ 3.780 (um décimo da remuneração dos diretores da
empresa).
No
passado, Bueno Junior integrou o Conselho Fiscal da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA),
entre maio de 2021 e setembro de 2022. A participação em conselhos de estatais
rende aos servidores gratificações pagas pelo governo (jetons). Na PPSA, o
então chefe de gabinete de Bento Albuquerque ganhou cerca de R$ 7.000 por mês.
Bela
Megale: Os apelos que Valdemar tem recebido sobre o caso das joias para
Michelle e Bolsonaro
Bueno
Junior foi um dos primeiros a agir nas tentativas frustradas para recuperar as
joias apreendidas no Aeroporto de Guarulhos. Ele enviou ofício à Receita
Federal em 3 de novembro de 2021, dias depois da apreensão do conjunto de
diamantes, dizendo que Bento Albuquerque esteve em Riad para o lançamento da
Iniciativa Oriente Médio Verde e que, na ocasião, “foram oferecidos, por
autoridades estrangeiras, alguns presentes à representação brasileira”. O então
chefe de gabinete disse que, uma vez que o ministro não poderia recusar ou
devolver os presentes, “se faz necessário e imprescindível que seja dado ao
acervo o destino legal adequado”.
O
ofício foi enviado acompanhado de algumas fotos dos eventos em que Bento
Albuquerque participou. Em uma das imagens, o ministro posa com o membro da
família real saudita e então ministro da Energia do país, Abdulaziz bin Salman
Al Saud. Os dois seguram a miniatura de cavalo que depois seria apreendida
junto às joias em Guarulhos — no momento da apreensão, a miniatura foi
encontrada com três patas quebradas.
Em
nota, a Receita Federal informou que a incorporação dos itens ao patrimônio
oficial "exige pedido de autoridade competente, com justificativa da
necessidade e adequação da medida". "Isso não aconteceu neste caso.
Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja,
apenas em caso de efetivo interesse público", diz o texto.
A
Polícia Federal abriu inquérito para apurar se houve irregularidades nas
tentativas do governo de recuperar as joias apreendidas. O Ministério Público
Federal (MPF) pediu nesta segunda-feira mais informações à Receita Federal
sobre o caso.
O
ex-ministro Bento Albuquerque, que deixou o Ministério de Minas e Energia em
maio de 2022, portanto antes da indicação de Bueno Junior para a ENBPar, não
quis comentar o assunto. O GLOBO não conseguiu contato com José Roberto Bueno
Junior.
Fonte:
FolhaPress
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