Operários da fé: o padre na sociedade brasileira
"Discernir
os sinais dos tempos... Trazendo um estudo sério da realidade do clero na
Igreja do Brasil esta obra nos oferece a possibilidade para refletir sobre o
ministério presbiteral de modo especial em sua dimensão existencial com suas
dificuldades e desafios. Antes de tudo, não podemos ficar com a impressão de
que a vida presbiteral é só conflito e questionamento, sendo necessário
reconhecer a vida exemplar e evangélica de milhares e milhares de padres",
escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres
vicentinos), Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
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Eis o artigo.
Traçar
um perfil do padre na sociedade brasileira é a finalidade de Operários da fé: o
padre na sociedade brasileira (Matrix, 2023, 240 páginas), livro de José Carlos
Pereira. O referido autor é padre, professor, tem pós-doutorado em Antropologia
Social, doutorado em Sociologia, mestrado em Ciências da Religião e faz parte
do Núcleo de Estudos de Religião e Sociedade do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais da PUC-SP.
Este
livro que é fruto de uma pesquisa feita entre os anos de 2019 a 2021 e, segundo
o autor, não traz apenas os resultados de uma ampla pesquisa sobre o padre na
sociedade brasileira, mas também uma análise do seu perfil a partir das
Ciências Sociais.
Quanto
à pesquisa: foram feitas aproximadamente 200 entrevistas pessoais e 1.658
virtuais, com padres diocesanos e padres religiosos, perfazendo um total de
1.858 entrevistas, mediante questionário com 100 perguntas. Desse modo, essa
pesquisa buscou conhecer o real perfil do padre no Brasil e levantar dados até
então inexistentes sobre essa categoria, que nas últimas décadas vem sendo alvo
de escândalos de toda a natureza, sobretudo éticos e morais, mas que também
tem, em sua maioria, desenvolvido trabalhos muito relevantes não apenas para a
Igreja, mas para toda a sociedade como um todo, e que não são visibilizados.
Diante
disso, Pereira salienta que conhecer os padres ajuda a entender questões
complexas principalmente no âmbito social e, por essas razões, conhecer os
padres, sob a batina, saber de onde vêm, o que pensam e o que fazem, qual e o
seu grau de comprometimento, suas agruras e sofrimentos, entre outros aspectos
da vida clerical é de suma importância para entender a sociologia da religião e
uma sociedade predominantemente católica, uma vez que, nesta obra a religião católica
é tratada como um “fato social” e os padres como “gerenciadores do sagrado”.
A
obra está estruturada em oito capítulos, a saber:
1)
Qual é o perfil do clero brasileiro (p. 19-33);
2)
A origem social do padre brasileiro (p. 35-67);
3)
Formação e produção intelectual do padre brasileiro (p. 69-81);
4)
Pastorais e ministérios dos padres no Brasil (p. 83-133);
5)
A espiritualidade do padre brasileiro (p. 135-151);
6)
A saúde física e mental do padre brasileiro (p. 153-192);
7)
A vida cultural do padre brasileiro (p. 193-209);
8)
Os padres e a sua relação com a política (p. 211-223).
Com
base nas respostas dadas pelos próprios padres, este é o perfil do clero
brasileiro.
Transcrevemos
o que o autor expõe nas considerações finais (p. 225-226):
Majoritariamente
branco e nascido no Brasil, relativamente jovem, oriundo da baixa classe média
rural, com baixa escolaridade e acentuada religiosidade católica. Nos
seminários, estuda em cursos internos, sem reconhecimento oficial do MEC, sem
prosseguir com os estudos depois de ordenado, além da pouca leitura. Os
próprios documentos da Igreja, inclusive, não são lidos por ele como deveriam.
Porém, é conectado à internet e adepto de redes sociais, usadas mais para
postagens de conteúdo pessoal.
O
padre brasileiro se mostra satisfeito com o pontificado do papa Francisco, e
seu ministério está mais focado nas celebrações sacramentais, com missas
dominicais em número acima do recomendado, o que mostra uma Igreja mais voltada
para os sacramentos do que para as pastorais e as ações missionárias.
Revela-se
satisfeito com a remuneração que recebe e demonstra entusiasmo com a vida
sacerdotal, embora os relacionamentos fraternos sejam mais convencionais, no
estilo “cada um consigo e Deus com todos”.
As
paróquias nas quais o padre brasileiro atua estão organizadas em um estilo
suficiente para a manutenção, sem maiores ousadias pastorais.
A
maioria administra a paróquia com a ajuda de conselhos paroquiais, porém sem o
rigor de uma gestão participativa. São conselhos consultivos, e não
deliberativos, e muitos fazem questão de assim permanecer para não diminuir o
seu poder. Tais paróquias, embora em sua maioria urbanas, mantêm
características rurais.
A
relação com o bispo, com outros padres e com os diáconos permanentes também não
vai além do convencional.
O
padre brasileiro se diz firme na sua vocação, sem crises vocacionais, e lida
muito bem com o celibato.
É
pouco ecumênico, evitando o convívio com outras denominações religiosas ou
mesmo com outros padres.
Não
se envolve muito com o fomento de vocações nem com os quais já estão em
processo formativo, visitando pouco os seminários.
Quanto
à identificação pastoral, predomina a pastoral paroquial de manutenção.
Cultiva
a espiritualidade por meio de pouca oração pessoal, mais com celebrações e
participação em retiros, mas sem uma linha de espiritualidade específica.
Demonstra
ser saudável fisicamente, mesmo levando uma vida sedentária. Alimenta-se bem e
tem boa assistência médica.
No
que se refere a problemas psicológicos, o índice mostrou-se elevado, acenando
para a preocupação com questões como depressão e suicídio. Quando o tema é
sociabilidade, o assunto fica pulverizado. As amizades nas paróquias se mostram
boas, mas entre o clero o cenário se revelou de certa desunião.
Sobre
a identidade afetivo-sexual, o cenário que se descortinou foi de forte
tendência homoafetiva, porém com demonstração evidente de que o padre lida bem
com questões de natureza sexual, sejam elas quais forem.
Quanto
à vida cultural, o padre brasileiro, além de ler pouco, vai pouco ao cinema e
quase nunca ao teatro. Ele não dedica muito tempo ao lazer e viaja sempre que
pode, a trabalho ou em férias.
No
âmbito político, o padre não e envolve, ou se envolve muito pouco. Não apoia
candidatos nem padres que se candidatam. Apesar de e envolver pouco com a
política, o padre brasileiro se declara insatisfeito com o governo federal. Não
é muito adepto de pastorais sociais e não se envolve com questões relacionadas
a políticas públicas.
Prefaciando
esta obra Fábio Geraldo de Costa, psicólogo clínico, ressalta que o este livro
resultado de vasta pesquisa de José Carlos Pereira lança luzes sobre vazios
institucionais e pessoais e aponta desdobramentos que são verdadeiras pistas
para pesquisadores de diversas áreas que se interessam pelo campo religioso.
Serve
também de alerta não apena padres, mas para a Igreja em geral e, sobretudo,
para os bispos e superiores provinciais, de modo que deem maior atenção ao seu
clero e saibam ler os sinais que indicam que o padre esta precisando de ajuda.
Serve, ainda, para as pessoas em geral, para eu compreendam que por trás das
batinas há também seres humano com fragilidades, que precisam ser vistos e
tratados como tal (p. 9-13).
***
Discernir
os sinais dos tempos... Trazendo um estudo sério da realidade do clero na
Igreja do Brasil esta obra nos oferece a possibilidade para refletir sobre o
ministério presbiteral de modo especial em sua dimensão existencial com suas
dificuldades e desafios. Antes de tudo, não podemos ficar com a impressão de
que a vida presbiteral é só conflito e questionamento, sendo necessário
reconhecer a vida exemplar e evangélica de milhares e milhares de padres.
No
entanto, se o Papa Francisco fala da necessidade de se evitar as variadas
formas de ocultamento da realidade com os purismos evangélicos, os
totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais
formais do que reais, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem
bondade, os intelectualismos sem sabedoria – não podemos negar as evidências e
deixar de ver a realidade dos padres tal como ela é, realidade esta apresentada
por José Carlos Pereira. A realidade por mais dolorosa que seja precisa ser
assumida, uma vez que o que não é assumido não é redimido.
Temos
nesta obra um diagnóstico preocupante que nos levam a pensar os rumo da Igreja
e outras questões relacionadas à vida do padre no Brasil.
Em
face deste perfil, vale a pena reproduzir uma interpelação feita por um lúcido
teólogo que nos chama a atenção para o seguinte:
Não
basta exigir dos sacerdotes ordem, disciplina, obediência, fidelidade e
piedade. É necessário algo mais. Deve-se escutar um clamor às vezes surdo, às
vezes estridente, que surge de muitas vidas de sacerdotes que desejariam um
estilo presbiteral diferente numa Igreja diferente.
Através
deste clamor podemos perceber um autêntico sinal dos tempos, a voz do Espírito
que se manifesta em meio a ambiguidades e talvez erros, mas que deve ser
discernida e não pode ser extinguida nem apagada. Dito de outro modo, a vida
dos presbíteros constitui um verdadeiro lugar teológico que sub contrario
interpela a Igreja e que deve ser levado em conta.
O
que os presbíteros de hoje, através de sua diminuição numérica, de seus
escândalos, de sua prepotência clerical, de sua insatisfação existencial, de
sua perplexidade diante da diminuição de vocações, de seus problemas econômicos
e afetivos não resolvidos... estão dizendo à Igreja de hoje?
Pesquisa revela mudança no perfil de
padre brasileiro
A
Igreja Católica no Brasil mudou nos últimos 40 anos.
Deixou
de ser formada em sua maioria pelo tradicional religioso das ordens e
congregações, que é obrigado a fazer o voto de pobreza, para dar lugar ao
chamado padre de paróquia, que tem pensão, benefícios, costumes e estilo de
vida menos restritivos.
Censo
do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais da Igreja Católica
revela que o número dos chamados "padres paroquiais" teve um aumento
de 180% desde 1970, enquanto o de "padres religiosos" não se alterou.
Com
isso, a proporção se inverteu. Os "religiosos", que representavam
61,50% da base da igreja, formam agora 36% do clero. Os paroquiais, 64% de um
total de 22 mil.
Os
números mostram também que a igreja tem revertido a tendência de encolhimento,
ampliando a proporção de padre por habitante.
VOTOS
A
principal diferença entre os dois tipos de padre está no voto de pobreza dos
membros das congregações.
"O
religioso tem que provar para o seu superior que tem a necessidade de possuir
um bem. Não pode adquirir por si mesmo", explica Valeriano dos Santos
Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e padre paroquial.
Segundo
ele, as restrições podem afastar os candidatos, pois muitos já chegam com
ensino superior concluído. "Estamos em mundo muito mais liberal. É preciso
ter estrutura para viver desse modo", afirma.
Ele
lembra, entretanto, que as ordens em regra possuem considerável patrimônio.
A
instituição que Valeriano dirige é responsável por uma das etapas de formação
dos sacerdotes.
De
acordo com ele, a média de idade das turmas é de 28 anos, mas existem alunos
com mais de 40 anos.
O
envelhecimento dos candidatos ao sacerdócio é um dos fatores que, entre outros,
são apontados para explicar a mudança no perfil.
Valeriano
cita, por exemplo, que não existem mais os seminários exclusivos para
adolescentes.
Nome
mais conhecido da igreja no Brasil, o "paroquial" Marcelo Rossi virou
padre aos 27 anos.
Padre
da Ordem do Carmo em São Paulo, frei Petrônio Miranda, 44, reconhece que a vida
no convento tem mais exigências. "Temos uma formação mais longa."
O
convento onde vive já abrigou 60 frades, mas hoje conta com três padres e
quatro alunos.
O
professor da USP Flávio Pierucci, especialista em religião, diz que o
crescimento dos padres de paróquia pode fortalecer a cúpula da Igreja Católica,
pois os "religiosos" não estão vinculados ao poder dos bispos.
Para
o padre José Carlos Pereira, doutor em sociologia pela PUC-SP, é comum ainda
que candidatos a padre busquem a igreja como oportunidade de carreira e status
social. "Padre nunca fica 'desempregado'", diz.
Ao
ser responsável por uma paróquia, o sacerdote tem direito a moradia, carro,
alimentação, plano de saúde, empregada doméstica e pensão (cerca de R$ 1.866,
mas o valor pode variar).
"Os
padres que abandonam o sacerdócio alegam mais problemas afetivos que
financeiros", diz Pereira.
Fonte:
IHU OnLine/FolhaPress
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