O lugar dos insetos na biodiversidade
Baleias,
dinossauros, arraias-jamanta, leões, elefantes e capivaras. As pessoas, as
crianças inclusive, sabem bastante sobre a biodiversidade. Mas sabem sobre a
biodiversidade que elas veem, na natureza ou em documentários, livros etc.
Quanto isso representa em relação à diversidade total? Os vertebrados
representam 3,2% da biodiversidade já descrita. As plantas representam 16,3%.
Onde estão os outros 80,5%? Sim, a maior parte da diversidade é de organismos
pequeninos.
Uma
vez que são pequenos e mais difíceis de encontrar e estudar, há ainda muito
mais espécies não conhecidas de organismos pequenos do que de grandes! Os
insetos são mais da metade da biodiversidade já descrita. Mas se conseguíssemos
descrever toda a diversidade de insetos (talvez cinco ou dez milhões de
espécies), provavelmente corresponderiam a uma porcentagem ainda maior.
Cigarrinhas, mosquinhas, besouros, mariposas, libélulas, louva-a-deus,
baratinhas, gafanhotos, grilos, pulgas, mosquitinhos, bigatos, mindinhos,
efêmeras, colêmbolos, paquinhas, maria-fedida— a lista é enorme. Não há sequer
nomes populares para a maioria dos grupos. E cada nome desses, de fato, se
aplica não a uma espécie, mas a um grupo de espécies.
No
mundo, há 350.000 espécies conhecidas de besouros, 180.000 espécies de
mosquinhas, 120.000 espécies de vespas e abelhas, 175.000 espécies de mariposas
e borboletas, 90.000 espécies de percevejos e cigarras etc. Estamos mais
acostumados com as espécies chamadas de “sinantrópicas”, ou seja, associadas à
espécie humana e aos ambientes urbanizados (barata doméstica, abelha europeia,
mosca doméstica, pernilongos etc.).
Quase
todos os insetos são completamente inofensivos para nós, isto é, não trazem
qualquer tipo de problema para a espécie humana. Ao contrário, muitos dos
insetos são responsáveis por atividades que nos beneficiam. Muitas espécies de
mosquitinhos da família Ceratopogonidae são responsáveis pela
polinização… do cacau! Obrigado, ceratopogonídeos! Especialmente as mosquinhas
da família Syrphidae, mas também mosquinhas da famíia Tachinidae,
são responsáveis por quase 30% de toda a polinização no mundo. Sim, as abelhas
e borboletas também polinizam nossos jardins e nossos pomares. Quando essas
espécies começam a faltar, pelo uso irracional de agrotóxicos, além de poluição
nos rios, começa a não haver polinização em lavouras.
Não
vemos a maior parte dos insetos porque eles são pequenos e são mais abundantes
em ambientes naturais — florestas, cerrados, manguezais, caatingas, Pantanal,
Pampas, antes que eles sejam impactados pela ação humana —, onde costumamos ir
muito raramente. Quando adultos não especialistas e crianças vão a ambientes
com mais vegetação acompanhados de entomólogos profissionais (cientistas que
estudam diversidade de insetos), começam a se dar conta da enorme quantidade de
insetos que estão ali e da enorme diversidade de formas, cores e biologias desses
insetos. Ainda melhor quando é possível olhar insetos ao microscópio, quase
sempre se apaixonam! São realmente lindos.
Há
a questão do número de espécies de insetos, mas também há a questão da
diversidade de biologias dos insetos. Há insetos predadores de outros insetos;
há insetos parasitoides de outros insetos; há insetos cujas larvas comem
cogumelos; outros que polinizam flores; outros que fazem caminhos dentro de
folhas, comendo células vegetais; outros insetos vivem em riachos e comem
matéria vegetal em decomposição e outros ainda vivem em água acumulada em ocos
de árvore ou em bromélias; há insetos que comem cadáveres de vertebrados se
decompondo e mesmo fezes de animais; há insetos cujos adultos praticamente não
se alimentam e apenas se reproduzem, as fêmeas colocando ovos, resultando em
novas larvas ou ninfas; há mosquinhas cujas larvas se alimentam de tecido de
outros insetos capturados por aranhas; há mosquitinhos que se alimentam do
sangue de mariposas. A quantidade de biologias diferentes entre os insetos é
muito impressionante.
Assim,
quando passa o correntão em uma área de floresta ou quando ela é queimada,
quantas espécies de insetos são afetadas? Essa é uma pergunta ainda sem
resposta clara. Há um projeto em andamento que deve responder a essa pergunta
nos próximos anos. Por enquanto, estima-se que 100.000 espécies diferentes de
insetos em uma localidade qualquer na Amazônia podem ser afetadas quando uma
área de floresta é removida. Esse é um número impressionante, para uma
destruição que leva algumas horas. A perda dos ambientes naturais traz um
impacto econômico de diferentes pontos de vista — incluindo fármacos, perda de
água, destruição do solo, disseminação de transmissores de doenças etc. Além
das questões ética e estética que devemos considerar com intensidade.
Os
insetos surgiram há cerca de 450 milhões de anos, no Ordoviciano, provavelmente
logo depois que as plantas começaram a ocupar os ambientes terrestres. Os
fósseis de insetos mais antigos conhecidos são do Devoniano, com 400 milhões de
anos, já com algumas especializações. De lá para cá, o planeta mudou muito.
Continentes se juntaram e se separaram, formando e fechando novos oceanos. As
plantas — no começo, apenas pequenas, parecidas com os musgos atuais —
gradualmente cresceram. Surgiram as samambaias, que chegaram a ser tão altas
que formaram florestas, que até então não existiam. A quantidade de florestas
foi tão grande que capturou grandes quantidades de gás carbônico da atmosfera,
gerando o inverso do efeito estufa, resultando em uma glaciação gigantesca no
planeta no Carbonífero. Com muito oxigênio, alguns insetos (que não têm
diafragma para respirar, como nós) puderam crescer muito e chegar a quase 80
centímetros. Surgiram as cicas e as coníferas. Cadeias montanhosas se formaram.
Continentes
grandes formaram áreas desérticas. Mais “recentemente”, há menos de 250 milhões
de anos, no Jurássico, surgiram as plantas com flor, no começo também pequenas.
Ao longo do Cretáceo, espécies desse novo grupo de plantas foram ficando cada
vez maiores, começando a formar florestas de angiospermas. Muitas dessas
florestas sobreviveram ao impacto do meteoro, há 66 milhões de anos,
substituindo amplamente as florestas de pinheiros. Ao mesmo tempo que um
subgrupo de dinossauros com penas conseguiu sobreviver e se diversificou como
as aves atuais, nos últimos 60 milhões de anos se formaram florestas tropicais,
com copas fechadas, formando cadeias ecológicas altamente complexas.
Nesse
tempo, de quase meio bilhão de anos, as espécies de insetos foram se dividindo
em novas espécies e se modificando em direções diferentes. Os vários grupos
atuais de insetos — de colêmbolos e libélulas e abelhas e mosquinhas — foram
aparecendo e se diversificando nesse tempo. Mas… os insetos são pequenos e
pouco conhecidos. Mesmo em ambientes bastante impactados, como praças, terrenos
baldios ou parques em cidades, há uma enorme quantidade de espécies de
diferentes grupos, tamanhos e formas. Alguém com os olhos bem treinados pode
ensinar você a ver os insetos. E também ainda os grupos raros e especiais (como
as figurinhas raras de álbuns), em ambientes naturais. Se puder, visite
florestas e cerrados, caatingas e mangues, procurando as espécies mais
diferentes e raras. Cuide das reservas biológicas, proteja os parques nacionais.
Fonte:
Por Dalton de Souza Amorim em Jornal da USP
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