Lula em ritmo
frenético: Tudo ao mesmo tempo, agora
Perdão,
caro leitor. O nome do filme vencedor do Oscar 2023 é “Tudo em todo lugar – ao
mesmo tempo”, mas o título não caberia no espaço da coluna. O que usei parece
sintetizar o turbilhão de coisas (da política, da economia, do crime e da
conjuntura internacional) acontecidas esta semana, que culminou com o sensato
adiamento da viagem do presidente Lula à China, para tratar de uma pneumonia.
Antes, na vida real, umas palavras sobre o Oscar 2023. O filme trata da
disruptiva dos tempos atuais. E a edição 2023 marcou a disruptiva da festa com
o cinema, tradição desde a criação da premiação, em 1927 (a 1ª festa para
comemorar a vitória de “Wings”, como o melhor filme, foi em maio de 1929). O
ano de 1927 marca também o 1º filme falado, “O Cantor de Jazz”, com Al Johnson
“maquiado” de negro. A cerimônia, sem cobertura de rádio (ou da televisão que
nem existia) era uma celebração dos grandes estúdios e de suas grandes estrelas
(ideia de Louis B. Mayer, poderoso chefão da MGM). A Academia de Artes
Cinematográficas era presidida por Douglas Fairbanks Jr. Para render homenagem
a expoentes do cinema mudo, Charlie Chaplin e Warner Brothers foram agraciados
com prêmios honorários.
Encurtando
a história. Neste ano não se viu rugido de leão nem um grande estúdio ou um
grande astro ou estrela premiada (alguns disputaram, mas não levaram). Estavam
lá Pixair, Estúdios Disney, Spielberg (daqui a pouco será lembrado pela
refilmagem de Jurassic Park, com numeração tipo “Sexta-Feira 23º”). Sem
importância como fonte de renda (há merchandising, facilidades de locação nesta
ou aquela cidade), a exibição nas “mágicas” salas perdeu o glamour, o ritual do
“escurinho do cinema”, como dizia Rita Lee, (excitante em início de namoro),
antecedido ou esticado por um bom jantar com vinho. Agora, as obras são vistas
em casa, em “streamings”. Há telas gigantes de TV. Mas o ambiente, claro, com
os assistentes escarrapachados no sofá ou deitados, com pausa nos controles
para responder um zap, um pulo no banheiro, uma cerveja ou taça de vinho, tirou
a magia. “Hollywood” deixou de ser uma fábrica de propaganda do “way of life”
americano. Mas poucos criticam suas mazelas. Os estúdios abusam da
familiaridade dos jovens aos ambientes de videogames violentos, como o
“Fortnite”, que meus netos já abandonaram, para animar histórias em quadrinhos
de “heróis” ficcionais e atrair a nova geração. Isso é disruptiva do cinema e
não tem mais nada a ver com a “festa do Oscar”. Virou uma cerimônia caída, com
raras atrações musicais, como Rihanna. Desconhecidos desfilam modelitos
estravagantes, sob entusiasmo de narradores/as que parecem “colegas de
auditório” de Sílvio Santos.
• Da ficção à realidade brasileira
Tudo
aconteceu na semana. Na economia, a crise do Silicon Valley Bank se alastrou
para o Signature e para o First Republic Bank, levando o Federal Reserve Bank a
intervir com bilionárias linhas de acesso às centenas de bancos pequenos e
médios do país. Na crise de confiança, o dinheiro parou de circular. A
contração do crédito desacelera a economia americana e contrai a demanda de
forma mais rápida e eficaz que uma alta de juros. A crise atravessou o
Atlântico e atingiu o Crédit Suisse, com as autoridades da Suíça forçando o UBS
a assumir o CS em troca de ações. E ameaça o Deutsch Bank. No Brasil, o patamar
da Selic em 13,75% ao ano sobe o piso dos juros reais (descontando a inflação,
que ronda os 5,6%) a 8% ao ano. Difícil com o ambiente conturbado pelo tombo
levado pelos grandes bancos e grandes fornecedores na recuperação judicial das
Americanas. A companhia apresentou, 2ª feira, último dia da RJ, proposta mais
viável de capitalização e desconto de juros pelo trio de acionistas de
referência (os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sucupira e Marcel
Telles, com 30% das ações com direito a voto). As partes têm 90 dias para
evitar piora na crise de crédito.
Nos
Estados Unidos, o Fed percebeu que a contração dos empréstimos pode ajudar seu
esforço de conter a demanda. A ameaça de elevar as taxas básicas em 0,50 ponto
percentual foi trocada pela manutenção do nível de 0,25 p.p., que colocou o
piso na faixa de 4,75%-5%. E o Fed terá 45 dias para decidir se para por aí (se
a retração do crédito esfriar a demanda). Lá, o Fed tem o mandato de proteger a
estabilidade da moeda e garantir o pleno emprego. Aqui, as coisas não são muito
diferentes. Ao conquistar o “status” de independente perante o Poder Executivo,
com a Lei 179, de fevereiro de 2021, o Banco Central do Brasil ganhou como
missão, aprovada pelo Congresso (Câmara e Senado) “Garantir a estabilidade do
poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e
competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. As duas primeiras
missões eram inerentes ao BC. A obrigação de “fomentar o bem-estar econômico da
sociedade” foi fixada pelo Congresso como contrapeso à sua independência.
O
presidente Lula considera o Banco Central um corpo estranho à sua política
econômica voltada às camadas de menor renda da sociedade, que o elegeram. O
Banco Central opera com metas de inflação pré-estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional com dois/três anos de antecedência. A meta de 2023 (3,25% de
inflação + 1,50 p.p. de tolerância, com teto máximo de 4,75%) foi estabelecida
em junho de 2020, pelo CMN, então presidido pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes. Roberto Campos Neto, presidente do BC, integrava o Conselho, junto com
o secretário do Tesouro Nacional. O BC não cumpriu a meta de 2021 (3,75% de
inflação +1,50%= 5,25%, deu 10,06%), nem a de 2021. Teve de escrever cartas aos
presidentes do CMN em 2021, que era Paulo Guedes, e para o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, em janeiro de 2023, se desculpando pela falha de 2022: o teto
era de 5,0% e deu 5,79%. Quase fica em 2ª época, mas o “mérito” da queda da
inflação que estava em dois dígitos quando o BC elevou a Selic a 13,75% não foi
do Banco Central. E sim do pragmatismo eleitoreiro de Paulo Guedes. Percebendo
que o BC não teria êxito em derrubar a inflação – antes derrubaria a economia,
como está ocorrendo e tornaria inviável a reeleição de Jair Bolsonaro – o
ministro interferiu diretamente nos preços dos produtos de maior peso na
inflação, como combustíveis, em especial a gasolina, e energia elétrica,
mediante a renúncia de impostos federais e estaduais (o ICMS, que parte vai
para os municípios).
As
medidas eleitoreiras valiam de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022. A volta
destes impostos (que desfalcaram os tesouros federal e estaduais) está agora
pressionando a inflação (não como os números de 2022, que subiram muito no 1º
semestre pelos impactos da guerra da Rússia na Ucrânia). A grande safra
agrícola de 2022/23 está derrubando os preços dos alimentos, o que não
aconteceu nos últimos três anos. Como a indústria, o comércio e o setor de
serviços (que depende muito da renda e das atividades dos demais setores) estão
patinando rumo à recessão, cabe à agropecuária evitar uma recessão técnica
(queda de dois trimestres seguidos, pois já houve queda de 0,2% no PIB do 4º
trimestre). A situação incomoda Lula. O BC insinua que mesmo com o teto da meta
de 2023 furado, assim como a de 2024 (4,50%), precisa manter o freio de mão
puxado (as lonas soltam fumaça e as pastilhas rangem) porque o governo não
apresentou plano fiscal consistente.
O
Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reuniu 4ª feira,
com três horas para pensar melhor após a decisão do Fed, usou essa desculpa
para fazer ouvidos de mercador aos apelos crescentes para a redução dos juros.
Fora o desconhecimento do arcabouço fiscal e sua sustentabilidade, um argumento
falacioso foi o risco de repique da inflação no 2º semestre (com o corte dos
impostos houve deflação acumulada de 1,32% nos meses de julho, agosto e
setembro de 2022). O Copom manteve a retórica de que “não hesitará em elevar os
juros se a conjuntura o recomendar – [toda autoridade monetária repisa isso]. O
presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficaram furiosos com
o Copom. Lula fustigou novamente Roberto Campos Neto, acusando-o de “estar
descumprindo parte da missão do Banco Central – de “fomentar o bem-estar da
sociedade”. A verdade é que o governo só ia amarrar o arcabouço fiscal após a
volta de Lula da China e Emirados Árabes Unidos. Com o adiamento de uma semana,
para garantir o combate da pneumonia, há chance de o arcabouço sair antes da
viagem.
Muita
gente criticou Lula, acusando o presidente de criar um “mal-estar” com o Banco
Central. Estou com Lula, prefiro o “bem-estar da sociedade”. Os dados do
IPCA-15, que o IBGE divulgou na 6ª feira, confirmaram que o Banco Central está
vendo fantasmas. A prévia do IPCA cheio de março, a ser conhecido dia 11 de
abril, apontou queda expressiva tanto no índice geral, que declinou dos 0,76%
de fevereiro para 0,69%. O destaque foi a desaceleração dos preços de alimentos
e bebidas (itens de maior peso no IPCA, que mede as despesas das famílias que
ganham até 40 salários-mínimos e do INPC, onde atem peso ainda maior para quem
ganha até cinco salários-mínimos). Depois de subir 0,55% em janeiro, os
alimentos subiram 0,39% em fevereiro e apenas 0,20% em março. No 1º trimestre,
enquanto o IPCA-15 acumulava alta de 2,01%, a alta acumulada de alimentos e
bebidas ficou quase 50% menor: 1,14%. Eu não esperava baixa dos juros agora.
Mas alguma sinalização positiva para 3 de maio e sobretudo, para 21 de junho,
quando o Fed já terá definido melhor sua ação, que o Copom leva em conta por
influir na cotação do dólar. Sempre uma pressão na inflação. Na minha visão, o
excesso de conservadorismo do Banco Central (que abaixou demais a Selic na
pandemia, a 2% - devia ter mantido em 5% - e demorou a subir os juros, sempre
atrás da inflação em 2021 e 2022) está parecendo a história dos bombeiros que
demoram tanto e só chegam para fazer o rescaldo. Quando o BC ceder, será tarde
para a economia.
• Se o gato sai, o rato toma conta
Foi
bom adiar a viagem à China, articulada pelo assessor especial e ex-chanceler
Celso Amorim para relançar o Brasil a outro patamar de negociação (virando a
página do país “pária” na triste gestão de Ernesto Araújo). Lula é intimorato,
mas o ritmo frenético de sua atuação, cortando o Brasil ou fazendo escalas
internacionais, está um pouco puxado para quem tem 77 anos. Seus médicos foram
responsáveis ao vetar os riscos da longa viagem de avião.
Como
parte das negociações já foi resolvida pela missão exploratória de ministros e
empresários que estão em Pequim e Xangai há mais de uma semana, sobretudo o
pessoal do agronegócio que está ampliando o leque de exportação de carne
(bovina, suína e de aves) à China, adiar uma semana para as tratativas de chefe
de Estado e a assinatura de acordos fará bem (ainda que, se as vendas crescerem
muito, pode atrapalhar a intenção da volta do churrasco com cerveja). Nos
tempos iniciais da Nova República, quando o presidente José Sarney viajava, o
então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) dizia que “a crise viajou
junto”. Com Lula fora, a crise poderia se elevar na temperatura política da
oposição. Os ânimos dos bolsonaristas e apoiadores do ex-juiz, senador Sérgio
Moro (União Brasil-PR) estão acalorados após Lula confessar em entrevista ao
portal Brasil 247 que sonhava, enquanto estava preso em Curitiba, “em foder
(sic) Moro”. A declaração imprudente ganhou mais combustível quando, no dia
seguinte, por determinação da juíza Gabriela Hardt (ela sucedeu a Moro na 13ª
Vara Federal de Curitiba, de quem era substituta, quando ele aceitou ser
ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, em fins de 2018), a
Polícia Federal iniciou prisões e fez busca e apreensões em residências de
meliantes do PCC, que teriam tramado a morte de Sérgio Moro em setembro de
2022. Juristas já disseram que o mesmo argumento que anulou as sentenças de
Moro contra Lula (a incompetência do foro) se aplicaria ao caso PCC, pois as
investigações eram centradas em São Paulo e lá deveriam ficar. É em cima deste
argumento que Lula viu maquinações e criticou a decisão da juíza de tirar o
sigilo do caso.
Num
ambiente de arrufos entre as diversas bancadas do Congresso, a irritabilidade
contra o União Brasil de Sérgio Moro, que emplacou três representantes nas 37
pastas do Ministério, mesmo número do MDB, mas sem o mesmo comprometimento nas
votações. Ficando no Brasil mais uma semana, Lula poderá evitar o aumento da
temperatura política. O que pode facilitar a conquista de apoios à aprovação
das MPs que podem caducar após 120 dias, como a ampliação dos ministérios de 23
para 37. Lula tinha convidado o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira
(PP-AL), e o presidente do Senado e do Congresso, Senador Rodrigo Pacheco
(PDS-MG), visando pacificar a tramitação de projetos no Congresso. Lira
declinara do convite e Lula (antes da viagem ser adiada em uma semana) fez derradeira
reunião com Lira na 6ª feira buscando um armistício entre Câmara e Senado no
encaminhamento das votações. Pela Constituição, o Senado tem preferência. Na
pressa de aprovar as medidas na pandemia, a Câmara ficou com a liderança e Lira
“tratorou” à vontade, usando o voto à distância, por celular, para aprovar
medidas e aumentar seu cacife junto a Bolsonaro, com o reforço do Orçamento
Secreto. Após a eleição de Lula e a normalização democrática, o presidente do
Congresso quis voltar a cumprir o que diz a Constituição. Foi um “Deus nos
acuda”. Ficando no país, Lira prometia a Lula, na sua ausência, cativar votos
para aprovar emendas pendentes. Ficando no país, Lula irá negociar e não
precisará que o inimigo de ontem vire aliado fiel.
• O que fará Bolsonaro?
Imaginando
que está se zerando perante seus apoiadores com a devolução, à Política
Federal, da metralhadora e da pistola automática que recebeu, em 2019, como
presidente da República, em visita aos Emirados Árabes Unidos, e guardou para
si, assim como o conjunto de joias masculinas avaliadas em R$ 500 mil, das
quais foi portador o ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque,
na viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro
pensou aproveitar que Lula não estaria aí para lhe dar trocos verbais e assim
explorar a celebração do golpe militar de 31 de março, entre os militares da
reserva e os seus aliados da ativa. Por orientação do governo Lula, as Forças
Armadas não farão menção ao ato nas “Ordens do Dia”. Mas, mesmo em meio
expediente, Lula estará atento para responder à altura.
Bolsonaro
imaginava que a devolução dos regalos das Arábias (seu conjunto fazia par com
as mais valiosas joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões, destinadas à
primeira-dama, apreendidas pela Alfândega de Guarulhos em 26 de outubro de
2021, quando um assessor do almirante tentava ludibriar a Alfândega (ainda
ocorreram várias tentativas de liberação na Alfândega até os últimos dias de
governo) apagará a imagem de que tentou levar para si coisas pertencentes ao
Estado brasileiro. Seria a extensão do conceito de Bolsonaro de liberdade?
Retardando
a visita à China em uma semana para cuidar da saúde, Lula não deixará de ocupar
as manchetes, que Bolsonaro, de retorno dos Estados Unidos ao Brasil, dia 30,
5ª feira, vindo de Orlando (onde está desde 30 de dezembro) imaginava
conquistar. O objetivo de Bolsonaro é mesmo fustigar Lula nos primeiros 100
dias de governo, tentando estabelecer comparações. Mas não há universo paralelo
na vida real e na política. Só em filme.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário