Garimpo,
hidrelétricas e agropecuária: documento lista ameaças aos povos tradicionais da
bacia do Tapajós
Uma
área superior à do estado de Santa Catarina foi desmatada ao longo dos últimos
30 anos na bacia do Tapajós, localizada entre os estados de Mato Grosso,
Amazonas e Pará e que figura hoje entre as mais ameaçadas da Amazônia
brasileira.
No
período, 10 milhões de hectares de florestas nativas deram lugar a cidades,
pastagens, garimpos, plantios de grãos como a soja e grandes obras de
infraestrutura, em um avanço muitas vezes violento sobre áreas ocupadas por
povos indígenas e populações tradicionais.
Este
cenário de diversidade e conflitos é o foco do Mapeamento Sociocultural,
Econômico e Ambiental do Tapajós, relatório inédito que foi lançado dia 14 de
março durante um evento com transmissão pelo Youtube.
O
documento é resultado do projeto Amazônia Indígena: Direitos e Recursos (AIRR)
busca melhorar a participação dos povos indígenas no desenvolvimento econômico
da Amazônia, fortalecendo a conservação da Natureza e reduzindo a perda de
florestas. No Brasil é implementado por COIAB, FEPIPA, FEPOIMT, ICV, OPAN,
WWF-Brasil e NESsT, com o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional (USAID).
Segundo
as entidades, o objetivo do trabalho é contribuir com o conhecimento sobre a
região e, com isso, promover o protagonismo dos povos tradicionais na tomada de
decisões que envolvem o seu futuro.
“O
apoio ao fortalecimento institucional das organizações indígenas é importante
para a sobrevivência delas. E é também essencial para a autonomia e o
protagonismo dos povos indígenas, que têm o direito de debater e decidir sobre
o uso de seus territórios”, diz trecho do documento.
Para
Alice Thuault, diretora executiva do ICV, é preciso “falar sempre mais do
Tapajós, bem como é preciso ouvir sempre mais os seus povos”. “Eles são parte
da solução do grande desafio da nossa geração: a mitigação das mudanças
climáticas”, afirma.
Importante
ressaltar que as informações dispostas no mapeamento destacam dados das regiões
do médio e alto rio Tapajós, locais principais de atuação do projeto Amazônia
Indígena: Direitos e Recursos (AIRR).
• Fronteira agrícola
Além
da redução da floresta, o documento aponta a expansão da fronteira
agropecuária, representada pelo aumento de 6,5 milhões de hectares de pastagem
e outros 4,4 milhões de hectares destinados à agricultura. Só na área destinada
à cultura da soja, por exemplo, houve um aumento de 6.182%
“Os agrotóxicos usados nas grandes plantações
da região são uma enorme ameaça socioambiental, pois eles provocam danos à
saúde humana, atrapalham o desenvolvimento de cultivos de pequenos produtores,
poluem rios e intoxicam peixes”, diz trecho do mapeamento.
• Hidrelétricas
Ao
menos 44 grandes usinas hidrelétricas (UHEs) com potência superior a 30
megawatts estão sendo planejadas para a bacia do Tapajós. Conforme o documento,
esta é a maior ameaça ecológica para a região e tem o objetivo de atender ao
agronegócio e aos grandes centros urbanos do país.
Uma
delas é a UHE Chacorão, que se concluída inundaria 18,7 mil hectares da Terra
Indígena Munduruku. No mesmo sentido, a UHE São Luiz do Tapajós, se construída,
inundaria as zonas rurais dos municípios de Itaituba e Trairão, ambos no
interior do Pará.
“Decisões
judiciais desfavoráveis às barragens são, muitas vezes, revertidas com a
justificativa de que a paralisação de suas obras causaria danos à ‘economia
pública’. Portanto, elas tendem a ser liberadas mesmo com graves violações ao
meio ambiente e às pessoas locais.”
• Garimpo
O
Tapajós possui a maior concentração de garimpeiros em toda Amazônia brasileira.
Somente em Itaiuba, no Pará, estima-se que existam mais de 27 mil pessoas
trabalhando em mais de 2 mil pontos. Mais da metade desses locais são
consideradas ilegais por estarem inseridos em Terras Indígenas e Unidades de
Conservação.
O
documento destacou que a atividade traz graves impactos para as populações
locais, em especial aos indígenas, que sofrem com a invasão de seus
territórios, o aumento das doenças infectocontagiosas, a destruição dos
recursos hídricos e o desmatamento.
Um
estudo recente da Fiocruz em aldeias do povo Munduruku constatou que 60% dos
participantes apresentavam altos índices de contaminação por mercúrio,
substância que em alta concentração afeta gravemente a saúde humana.
Nove
de 57 crianças indígenas submetidas a testes clínicos apresentaram problemas de
neurodesenvolvimento.
• Território e povos
A
bacia do rio Tapajós é localizada em 74 municípios nos estados de Mato Grosso,
Pará, Amazonas e Rondônia. Com 500.000 km² de extensão, representa quase 6% do
território brasileiro. Seus principais afluentes são os rios Jamanxim, Teles
Pires e Juruena.
Ao
menos 1,8 milhões de pessoas residem na extensão da bacia, de acordo com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em
seu território estão presentes 11 Unidades de Conservação de proteção integral,
19 Unidades de Conservação de uso sustentável e 34 Terras Indígenas.
A
presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso
(Fepoimt), Eliane Xunakalo, destacou que o mapeamento é um instrumento
científico reconhecido que deve ser utilizado para conquistar mais
investimentos para os territórios.
“E
principalmente para que nós possamos barrar todas as ameaças que hoje estão em
volta no nosso território, e por vezes já estão dentro. Então é uma junção do
conhecimento científico do não indígena com o conhecimento tradicional. O documento
mostra o quanto é importante investir nas nossas potencialidades e combater
nossas fragilidades”.
Já
a secretária executiva da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Eli
Tupinambá, explicou que é muito importante ter esses dados para pensar ações de
proteção e fortalecimento dos povos tradicionais da região.
“Então
a gente vai saber onde está tendo a retirada ilegal de maneira, em que lugar o
garimpo está ainda, onde a violência opera. Tudo isso acontece dentro do
território. Sem contar que isso é produção para estudos no futuro e para ter
uma base muito clara de como estão os territórios de verdade”.
35% do desmatamento na Amazônia é
grilagem, indica Ipam
Uma
análise realizada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)
mostrou que 35% do desmatamento ocorrido na Amazônia entre agosto de 2018 e
julho de 2019 foi registrado em áreas não-designadas e sem informação.
“Isso
é grilagem de terras”, afirma o diretor-executivo do Ipam, André Guimarães.
“Essas florestas são públicas, ou seja, é patrimônio de todos os brasileiros,
que é dilapidado ilegalmente para ficar na mão de alguns poucos.”
Se
o desmatamento ocorrido em áreas protegidas for adicionado à conta, o índice
chega a 44%. Os números baseiam-se no Prodes, sistema oficial de monitoramento
do desmatamento na Amazônia, divulgado ontem pelo Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais), e divididos por categoria fundiária pelo Ipam.
“A
grilagem tem se mantido na Amazônia ano a ano, com um incremento recente em
terras não-designadas”, explica a diretora sênior de Ciência do Ipam, Ane
Alencar. “Precisamos preservar essas florestas para garantir que as chuvas
continuem a alimentar o campo brasileiro e a geração de energia. Isso se dá com
fiscalização eficiente e constante, além da destinação dessas áreas para
conservação.”
Outra
categoria fundiária que se destaca são os assentamentos. Segundo análise do
IPAM, em 2019 confirma-se um padrão de desmatamento nessas regiões que têm
pouco a ver com a produção familiar – a tônica dessa categoria: dos 283 mil km2
derrubados nessa categoria, 154 mil km2, ou 55% da área, estão concentrados em
57 assentamentos, que representam somente 6% dos 917 projetos que registraram
retirada de árvores.
• Alta no desmate
O
desmatamento da Amazônia foi de 9.762 km2 em 2019, segundo dados do Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgados pelo governo federal
nesta segunda-feira (18). É a maior taxa desde 2008 e a terceira maior alta
percentual da devastação na história (30%), perdendo apenas para 1995 (95%) e
1998 (31%).
O
número é uma estimativa do sistema Prodes, que uma vez por ano informa a taxa
oficial do desmatamento (medida de agosto de um ano a julho do ano seguinte).
Em maio do ano que vem, ele será ajustado para dar a taxa final, que pode ser
ainda maior que a estimativa. Ele confirma a tendência de alta significativa
(49%) apontada pelo sistema Deter, que monitora o desmate em tempo real. A
explosão dos números do Deter a partir de junho fez o presidente Jair Bolsonaro
chamar o Inpe de “mentiroso” e demitir seu diretor, Ricardo Galvão.
O
dado é decorrência direta da estratégia implementada por Bolsonaro de desmontar
o Ministério do Meio Ambiente, desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos
de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso,
criminosos ambientais. O próprio presidente já declarou, com orgulho, que havia
mandado seu antiministro do Ambiente, Ricardo Salles, “meter a foice no Ibama”.
Salles obedeceu.
Diferentemente
do que aconteceu em anos anteriores de elevação da taxa, desta vez não foi
anunciado pelo governo federal nenhum plano crível para reverter a situação. O
antiministro Salles anunciou uma reunião com governadores da Amazônia na
quarta-feira (20) na qual seriam apresentadas medidas para conter a crise.
Em
1995, Fernando Henrique Cardoso elevou os limites de proteção do Código
Florestal; em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva criou o Plano de Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que Salles e Bolsonaro
enterraram; em 2008, o governo criou uma lista dos municípios críticos e cortou
crédito rural para desmatadores.
Para
não deixar dúvida sobre a tendência, os dados do Deter apontam que a explosão
na devastação continua em 2020. Somente entre agosto e a primeira semana de
novembro o sistema de alertas do Inpe já registrou 3.929 km2 desmatados, o que
significa 57% de tudo o que se desmatou em 12 meses entre agosto de 2018 e
julho de 2019.
Como
a área de alertas vista pelo Deter é sempre menor que a área desmatada
registrada no Prodes, já é possível afirmar que o Brasil não cumprirá a meta de
reduzir o desmatamento em 80% em 2020 (para 3.925 km2), mesmo que todo o
desmate acabasse hoje na Amazônia.
“O
dado divulgado pelo Inpe é o indicador mais importante do impacto da gestão
Bolsonaro/Salles para o meio ambiente do Brasil até agora: um imenso desastre.
E propostas como legalização da grilagem de terras públicas, mineração e
agropecuária em terras indígenas, infraestrutura sem licenciamento ambiental só
mostram que os próximos anos podem ser ainda piores”, disse Carlos Rittl,
secretário-executivo do Observatório do Clima. “A dúvida que permanece é até
quando parceiros comerciais do Brasil irão confiar nas promessas de
sustentabilidade e cumprimento do Acordo de Paris, enquanto florestas tombam,
lideranças indígenas são mortas e leis ambientais são esfaceladas.”
“O
governo Bolsonaro é responsável por cada palmo de floresta destruída. Este
governo hoje é o pior inimigo da Amazônia”, disse Marcio Astrini, coordenador
de Políticas Públicas do Greenpeace.
“Nenhuma
taxa é aceitável quando se sabe que mais de 90% do desmatamento é ilegal”,
afirmou Adriana Ramos, assessora de Políticas Públicas do Instituto
Socioambiental. “Não é de se estranhar que isso aconteça tendo em vista que
desde a campanha eleitoral o presidente defende ilegalidade ambiental e promove
a impunidade. O governo também tem uma imensa responsabilidade por ter
paralisado o único instrumento de financiamento voltado a redução do
desmatamento na Amazônia, que era o Fundo Amazônia.”
“Esse
aumento reflete o descaso que o governo tem tido com a fiscalização, visto que
40% dos alertas de desmatamento ocorreram em terras públicas não destinadas”,
disse Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia).
“Os
números do Prodes mostram que o desmatamento saiu do controle. E pior, mais de
90% dele é ilegal. É algo tão inconcebível como a perda do controle de
inflação. E é injustificável quando o país conta com o conhecimento e as
ferramentas para combater o desmatamento, mas o governo se esquiva de usá-los”,
afirmou Tasso Azevedo, coordenador-técnico do OC e da iniciativa MapBiomas.
Amazônia concentrou 90% da área queimada
no Brasil em janeiro e fevereiro
O
Brasil perdeu 536 mil hectares para o fogo entre janeiro e fevereiro de 2023.
Foram 213 mil hectares, ou 28%, a menos que no mesmo período do ano passado. A
quase totalidade dessa área – 487 mil hectares, ou 90% do total – foi na
Amazônia. Os dados são do Monitor do Fogo do MapBiomas, que contabiliza os
efeitos de queimadas sobre o território nacional a partir de imagens de
satélite.
Roraima
respondeu por 48% do que foi queimado em todo o Brasil nesse período: 259 mil
hectares. Ficam em Roraima os três municípios (Pacaraima, Normandia e Amajari),
bem como os três os territórios indígenas (TI São Marcos, TI Raposa Serra do
Sol e TI Araçá) que mais queimaram em janeiro e fevereiro. Mato Grosso e Pará
são os outros dois estados com maior área queimada no bimestre, com 90 mil
hectares e 71 mil hectares, respectivamente. Juntos, esses três estados
representaram 79% do total da área queimada no Brasil nos dois primeiros meses
de 2023.
“Esse
padrão de área queimada em Roraima pode estar relacionado a características
climáticas e ambientais únicas do estado”, explica Felipe Martenexenn,
pesquisador no IPAM e responsável pelo mapeamento da Amazônia. “Roraima está localizado no hemisfério norte,
enquanto a maior parte dos demais estados se localiza no hemisfério sul. Desta
forma, enquanto o período de seca em boa parte do país ocorre entre os meses de
maio a setembro, em Roraima os meses de seca ocorrem entre dezembro e abril”,
detalha.
O
segundo bioma que mais queimou nos dois primeiros meses de 2023 foi o Cerrado.
Foram 24 mil hectares divididos igualmente entre janeiro e fevereiro. Esse
número é 64% maior na comparação com o mesmo período de 2022 (ou 9 mil ha a
mais).
Os
estados que mais queimaram no Cerrado foram Mato Grosso (que também é um dos
líderes em área queimada na Amazônia) e Maranhão. Cerca de um terço (32%) da
área queimada no Cerrado nos dois primeiros meses de 2023 foi em formação
savânica (7 mil hectares).
Na
Mata Atlântica, Pantanal e Caatinga, a extensão queimada em janeiro e fevereiro
foi a menor dos últimos cinco anos. Na Mata Atlântica foram 4.600 hectares
queimados, a maior parte dos quais concentrada em áreas agrícolas. No Pantanal,
foram 8,8 mil hectares, a maioria concentrados em formações campestres e com
uma grande área queimada no Parque Nacional do Pantanal Mato Grossense. Na
Caatinga, a extensão queimada somou 6,7 mil hectares. No Pampa, foram queimados
4 mil hectares, 70% dos quais em formações campestres.
A
maior parte da área queimada em todo o Brasil (84%) foi em vegetação nativa, a
maioria em formações campestres. Dentre os tipos de uso agropecuário, as
pastagens se destacaram, representando 12% da área queimada.
• 249 mil hectares queimados em fevereiro
A
análise das imagens de satélite captadas ao longo de fevereiro mostra que 249
mil hectares foram queimados em todo o Brasil – uma queda de 16% (48 mil
hectares a menos) em relação ao mesmo mês de 2022. A maior parte (87%) da área queimada no
período foi em vegetação nativa, principalmente formações campestres, que
responderam por mais da metade (56%) da área queimada no mês passado. Dentro os
tipos de uso agropecuário, as pastagens se destacaram, representando 9% da área
queimada em fevereiro de 2023.
A
Amazônia concentrou a quase totalidade (90%) da área queimada no Brasil em
fevereiro: 230 mil hectares. Mais da
metade (59%) da área queimada nesse bioma foi em formação campestre. Entre os
diversos usos da terra, o que respondeu pela maior área queimada foi a pastagem
(8%, ou 15 mil hectares).
Todos
os três estados que mais queimaram no período pertencem ao bioma: Roraima, Mato
Grosso e Pará. Mas o primeiro respondeu sozinho por mais da metade (57%) da
área queimada no Brasil em fevereiro: mais de 141 mil hectares, extensão 19%
superior à mapeada em janeiro. A quase totalidade desse território (98%) é de
formações campestres. Pacaraima (RR), Amajari (RR) e Normandia (RR) foram os
municípios que tiveram maior área queimada.
As
Unidades de Conservação que lideram o ranking de área queimada em fevereiro de
2023 são: Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros (GO), ambos no Cerrado, e Parque Nacional do Monte Roraima (RR),
na Amazônia.
Fonte:
ICV/Observatório do Clima/Mapbiomas
Nenhum comentário:
Postar um comentário