terça-feira, 28 de março de 2023

Garimpo, hidrelétricas e agropecuária: documento lista ameaças aos povos tradicionais da bacia do Tapajós

Uma área superior à do estado de Santa Catarina foi desmatada ao longo dos últimos 30 anos na bacia do Tapajós, localizada entre os estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará e que figura hoje entre as mais ameaçadas da Amazônia brasileira.

No período, 10 milhões de hectares de florestas nativas deram lugar a cidades, pastagens, garimpos, plantios de grãos como a soja e grandes obras de infraestrutura, em um avanço muitas vezes violento sobre áreas ocupadas por povos indígenas e populações tradicionais.

Este cenário de diversidade e conflitos é o foco do Mapeamento Sociocultural, Econômico e Ambiental do Tapajós, relatório inédito que foi lançado dia 14 de março durante um evento com transmissão pelo Youtube. 

O documento é resultado do projeto Amazônia Indígena: Direitos e Recursos (AIRR) busca melhorar a participação dos povos indígenas no desenvolvimento econômico da Amazônia, fortalecendo a conservação da Natureza e reduzindo a perda de florestas. No Brasil é implementado por COIAB, FEPIPA, FEPOIMT, ICV, OPAN, WWF-Brasil e NESsT, com o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

Segundo as entidades, o objetivo do trabalho é contribuir com o conhecimento sobre a região e, com isso, promover o protagonismo dos povos tradicionais na tomada de decisões que envolvem o seu futuro.

“O apoio ao fortalecimento institucional das organizações indígenas é importante para a sobrevivência delas. E é também essencial para a autonomia e o protagonismo dos povos indígenas, que têm o direito de debater e decidir sobre o uso de seus territórios”, diz trecho do documento.

Para Alice Thuault, diretora executiva do ICV, é preciso “falar sempre mais do Tapajós, bem como é preciso ouvir sempre mais os seus povos”. “Eles são parte da solução do grande desafio da nossa geração: a mitigação das mudanças climáticas”, afirma.

Importante ressaltar que as informações dispostas no mapeamento destacam dados das regiões do médio e alto rio Tapajós, locais principais de atuação do projeto Amazônia Indígena: Direitos e Recursos (AIRR).

•        Fronteira agrícola

Além da redução da floresta, o documento aponta a expansão da fronteira agropecuária, representada pelo aumento de 6,5 milhões de hectares de pastagem e outros 4,4 milhões de hectares destinados à agricultura. Só na área destinada à cultura da soja, por exemplo, houve um aumento de 6.182%

 “Os agrotóxicos usados nas grandes plantações da região são uma enorme ameaça socioambiental, pois eles provocam danos à saúde humana, atrapalham o desenvolvimento de cultivos de pequenos produtores, poluem rios e intoxicam peixes”, diz trecho do mapeamento. 

•        Hidrelétricas

Ao menos 44 grandes usinas hidrelétricas (UHEs) com potência superior a 30 megawatts estão sendo planejadas para a bacia do Tapajós. Conforme o documento, esta é a maior ameaça ecológica para a região e tem o objetivo de atender ao agronegócio e aos grandes centros urbanos do país. 

Uma delas é a UHE Chacorão, que se concluída inundaria 18,7 mil hectares da Terra Indígena Munduruku. No mesmo sentido, a UHE São Luiz do Tapajós, se construída, inundaria as zonas rurais dos municípios de Itaituba e Trairão, ambos no interior do Pará.

“Decisões judiciais desfavoráveis às barragens são, muitas vezes, revertidas com a justificativa de que a paralisação de suas obras causaria danos à ‘economia pública’. Portanto, elas tendem a ser liberadas mesmo com graves violações ao meio ambiente e às pessoas locais.”

•        Garimpo

O Tapajós possui a maior concentração de garimpeiros em toda Amazônia brasileira. Somente em Itaiuba, no Pará, estima-se que existam mais de 27 mil pessoas trabalhando em mais de 2 mil pontos. Mais da metade desses locais são consideradas ilegais por estarem inseridos em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

O documento destacou que a atividade traz graves impactos para as populações locais, em especial aos indígenas, que sofrem com a invasão de seus territórios, o aumento das doenças infectocontagiosas, a destruição dos recursos hídricos e o desmatamento. 

Um estudo recente da Fiocruz em aldeias do povo Munduruku constatou que 60% dos participantes apresentavam altos índices de contaminação por mercúrio, substância que em alta concentração afeta gravemente a saúde humana. 

Nove de 57 crianças indígenas submetidas a testes clínicos apresentaram problemas de neurodesenvolvimento. 

•        Território e povos

A bacia do rio Tapajós é localizada em 74 municípios nos estados de Mato Grosso, Pará, Amazonas e Rondônia. Com 500.000 km² de extensão, representa quase 6% do território brasileiro. Seus principais afluentes são os rios Jamanxim, Teles Pires e Juruena.  

Ao menos 1,8 milhões de pessoas residem na extensão da bacia, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em seu território estão presentes 11 Unidades de Conservação de proteção integral, 19 Unidades de Conservação de uso sustentável e 34 Terras Indígenas. 

A presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo, destacou que o mapeamento é um instrumento científico reconhecido que deve ser utilizado para conquistar mais investimentos para os territórios. 

“E principalmente para que nós possamos barrar todas as ameaças que hoje estão em volta no nosso território, e por vezes já estão dentro. Então é uma junção do conhecimento científico do não indígena com o conhecimento tradicional. O documento mostra o quanto é importante investir nas nossas potencialidades e combater nossas fragilidades”.

Já a secretária executiva da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Eli Tupinambá, explicou que é muito importante ter esses dados para pensar ações de proteção e fortalecimento dos povos tradicionais da região. 

“Então a gente vai saber onde está tendo a retirada ilegal de maneira, em que lugar o garimpo está ainda, onde a violência opera. Tudo isso acontece dentro do território. Sem contar que isso é produção para estudos no futuro e para ter uma base muito clara de como estão os territórios de verdade”.

 

       35% do desmatamento na Amazônia é grilagem, indica Ipam

 

Uma análise realizada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostrou que 35% do desmatamento ocorrido na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019 foi registrado em áreas não-designadas e sem informação.

“Isso é grilagem de terras”, afirma o diretor-executivo do Ipam, André Guimarães. “Essas florestas são públicas, ou seja, é patrimônio de todos os brasileiros, que é dilapidado ilegalmente para ficar na mão de alguns poucos.”

Se o desmatamento ocorrido em áreas protegidas for adicionado à conta, o índice chega a 44%. Os números baseiam-se no Prodes, sistema oficial de monitoramento do desmatamento na Amazônia, divulgado ontem pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e divididos por categoria fundiária pelo Ipam.

“A grilagem tem se mantido na Amazônia ano a ano, com um incremento recente em terras não-designadas”, explica a diretora sênior de Ciência do Ipam, Ane Alencar. “Precisamos preservar essas florestas para garantir que as chuvas continuem a alimentar o campo brasileiro e a geração de energia. Isso se dá com fiscalização eficiente e constante, além da destinação dessas áreas para conservação.”

Outra categoria fundiária que se destaca são os assentamentos. Segundo análise do IPAM, em 2019 confirma-se um padrão de desmatamento nessas regiões que têm pouco a ver com a produção familiar – a tônica dessa categoria: dos 283 mil km2 derrubados nessa categoria, 154 mil km2, ou 55% da área, estão concentrados em 57 assentamentos, que representam somente 6% dos 917 projetos que registraram retirada de árvores.

•        Alta no desmate

O desmatamento da Amazônia foi de 9.762 km2 em 2019, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgados pelo governo federal nesta segunda-feira (18). É a maior taxa desde 2008 e a terceira maior alta percentual da devastação na história (30%), perdendo apenas para 1995 (95%) e 1998 (31%).

O número é uma estimativa do sistema Prodes, que uma vez por ano informa a taxa oficial do desmatamento (medida de agosto de um ano a julho do ano seguinte). Em maio do ano que vem, ele será ajustado para dar a taxa final, que pode ser ainda maior que a estimativa. Ele confirma a tendência de alta significativa (49%) apontada pelo sistema Deter, que monitora o desmate em tempo real. A explosão dos números do Deter a partir de junho fez o presidente Jair Bolsonaro chamar o Inpe de “mentiroso” e demitir seu diretor, Ricardo Galvão.

O dado é decorrência direta da estratégia implementada por Bolsonaro de desmontar o Ministério do Meio Ambiente, desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais. O próprio presidente já declarou, com orgulho, que havia mandado seu antiministro do Ambiente, Ricardo Salles, “meter a foice no Ibama”. Salles obedeceu.

Diferentemente do que aconteceu em anos anteriores de elevação da taxa, desta vez não foi anunciado pelo governo federal nenhum plano crível para reverter a situação. O antiministro Salles anunciou uma reunião com governadores da Amazônia na quarta-feira (20) na qual seriam apresentadas medidas para conter a crise.

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso elevou os limites de proteção do Código Florestal; em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva criou o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que Salles e Bolsonaro enterraram; em 2008, o governo criou uma lista dos municípios críticos e cortou crédito rural para desmatadores.

Para não deixar dúvida sobre a tendência, os dados do Deter apontam que a explosão na devastação continua em 2020. Somente entre agosto e a primeira semana de novembro o sistema de alertas do Inpe já registrou 3.929 km2 desmatados, o que significa 57% de tudo o que se desmatou em 12 meses entre agosto de 2018 e julho de 2019.

Como a área de alertas vista pelo Deter é sempre menor que a área desmatada registrada no Prodes, já é possível afirmar que o Brasil não cumprirá a meta de reduzir o desmatamento em 80% em 2020 (para 3.925 km2), mesmo que todo o desmate acabasse hoje na Amazônia.

“O dado divulgado pelo Inpe é o indicador mais importante do impacto da gestão Bolsonaro/Salles para o meio ambiente do Brasil até agora: um imenso desastre. E propostas como legalização da grilagem de terras públicas, mineração e agropecuária em terras indígenas, infraestrutura sem licenciamento ambiental só mostram que os próximos anos podem ser ainda piores”, disse Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. “A dúvida que permanece é até quando parceiros comerciais do Brasil irão confiar nas promessas de sustentabilidade e cumprimento do Acordo de Paris, enquanto florestas tombam, lideranças indígenas são mortas e leis ambientais são esfaceladas.”

“O governo Bolsonaro é responsável por cada palmo de floresta destruída. Este governo hoje é o pior inimigo da Amazônia”, disse Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.

“Nenhuma taxa é aceitável quando se sabe que mais de 90% do desmatamento é ilegal”, afirmou Adriana Ramos, assessora de Políticas Públicas do Instituto Socioambiental. “Não é de se estranhar que isso aconteça tendo em vista que desde a campanha eleitoral o presidente defende ilegalidade ambiental e promove a impunidade. O governo também tem uma imensa responsabilidade por ter paralisado o único instrumento de financiamento voltado a redução do desmatamento na Amazônia, que era o Fundo Amazônia.”

“Esse aumento reflete o descaso que o governo tem tido com a fiscalização, visto que 40% dos alertas de desmatamento ocorreram em terras públicas não destinadas”, disse Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

“Os números do Prodes mostram que o desmatamento saiu do controle. E pior, mais de 90% dele é ilegal. É algo tão inconcebível como a perda do controle de inflação. E é injustificável quando o país conta com o conhecimento e as ferramentas para combater o desmatamento, mas o governo se esquiva de usá-los”, afirmou Tasso Azevedo, coordenador-técnico do OC e da iniciativa MapBiomas.

 

       Amazônia concentrou 90% da área queimada no Brasil em janeiro e fevereiro

 

O Brasil perdeu 536 mil hectares para o fogo entre janeiro e fevereiro de 2023. Foram 213 mil hectares, ou 28%, a menos que no mesmo período do ano passado. A quase totalidade dessa área – 487 mil hectares, ou 90% do total – foi na Amazônia. Os dados são do Monitor do Fogo do MapBiomas, que contabiliza os efeitos de queimadas sobre o território nacional a partir de imagens de satélite.

Roraima respondeu por 48% do que foi queimado em todo o Brasil nesse período: 259 mil hectares. Ficam em Roraima os três municípios (Pacaraima, Normandia e Amajari), bem como os três os territórios indígenas (TI São Marcos, TI Raposa Serra do Sol e TI Araçá) que mais queimaram em janeiro e fevereiro. Mato Grosso e Pará são os outros dois estados com maior área queimada no bimestre, com 90 mil hectares e 71 mil hectares, respectivamente. Juntos, esses três estados representaram 79% do total da área queimada no Brasil nos dois primeiros meses de 2023.

“Esse padrão de área queimada em Roraima pode estar relacionado a características climáticas e ambientais únicas do estado”, explica Felipe Martenexenn, pesquisador no IPAM e responsável pelo mapeamento da Amazônia.  “Roraima está localizado no hemisfério norte, enquanto a maior parte dos demais estados se localiza no hemisfério sul. Desta forma, enquanto o período de seca em boa parte do país ocorre entre os meses de maio a setembro, em Roraima os meses de seca ocorrem entre dezembro e abril”, detalha.

O segundo bioma que mais queimou nos dois primeiros meses de 2023 foi o Cerrado. Foram 24 mil hectares divididos igualmente entre janeiro e fevereiro. Esse número é 64% maior na comparação com o mesmo período de 2022 (ou 9 mil ha a mais).

Os estados que mais queimaram no Cerrado foram Mato Grosso (que também é um dos líderes em área queimada na Amazônia) e Maranhão. Cerca de um terço (32%) da área queimada no Cerrado nos dois primeiros meses de 2023 foi em formação savânica (7 mil hectares).

Na Mata Atlântica, Pantanal e Caatinga, a extensão queimada em janeiro e fevereiro foi a menor dos últimos cinco anos. Na Mata Atlântica foram 4.600 hectares queimados, a maior parte dos quais concentrada em áreas agrícolas. No Pantanal, foram 8,8 mil hectares, a maioria concentrados em formações campestres e com uma grande área queimada no Parque Nacional do Pantanal Mato Grossense. Na Caatinga, a extensão queimada somou 6,7 mil hectares. No Pampa, foram queimados 4 mil hectares, 70% dos quais em formações campestres.

A maior parte da área queimada em todo o Brasil (84%) foi em vegetação nativa, a maioria em formações campestres. Dentre os tipos de uso agropecuário, as pastagens se destacaram, representando 12% da área queimada.

•        249 mil hectares queimados em fevereiro

A análise das imagens de satélite captadas ao longo de fevereiro mostra que 249 mil hectares foram queimados em todo o Brasil – uma queda de 16% (48 mil hectares a menos) em relação ao mesmo mês de 2022.  A maior parte (87%) da área queimada no período foi em vegetação nativa, principalmente formações campestres, que responderam por mais da metade (56%) da área queimada no mês passado. Dentro os tipos de uso agropecuário, as pastagens se destacaram, representando 9% da área queimada em fevereiro de 2023.

A Amazônia concentrou a quase totalidade (90%) da área queimada no Brasil em fevereiro: 230 mil hectares.  Mais da metade (59%) da área queimada nesse bioma foi em formação campestre. Entre os diversos usos da terra, o que respondeu pela maior área queimada foi a pastagem (8%, ou 15 mil hectares).

Todos os três estados que mais queimaram no período pertencem ao bioma: Roraima, Mato Grosso e Pará. Mas o primeiro respondeu sozinho por mais da metade (57%) da área queimada no Brasil em fevereiro: mais de 141 mil hectares, extensão 19% superior à mapeada em janeiro. A quase totalidade desse território (98%) é de formações campestres. Pacaraima (RR), Amajari (RR) e Normandia (RR) foram os municípios que tiveram maior área queimada.

As Unidades de Conservação que lideram o ranking de área queimada em fevereiro de 2023 são: Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), ambos no Cerrado, e Parque Nacional do Monte Roraima (RR), na Amazônia.

 

Fonte: ICV/Observatório do Clima/Mapbiomas

 

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