quarta-feira, 29 de março de 2023

Conheça a Ucrânia, um país que sobrevive sob a sombra da Rússia

Até 1991, a Ucrânia era uma das 15 repúblicas que formavam a União Soviética (URSS). Com o colapso da URSS, em agosto daquele ano, a Ucrânia tornou-se uma nação independente e estabeleceu laços mais próximos com as potências ocidentais, o que incomodou a Rússia.

Desde então, Kiev tenta controlar seu destino, muitas vezes sem sucesso, sob a sombra de seu maior e mais poderoso vizinho. É alvo agora de uma invasão de grande escala que põe em xeque o futuro do país como nação independente.

Segundo maior país da Europa, atrás apenas da Rússia, a Ucrânia é uma terra de amplas e férteis planícies usadas para agricultura, com grandes centros de indústria pesada em sua parte leste.

Embora Ucrânia e Rússia tenham origens históricas comuns, a parte ocidental possui laços mais próximos com seus vizinhos europeus, particularmente a Polônia. Nessa parte do país, há um forte sentimento nacionalista.

Uma minoria significativa da população tem o russo como sua primeira língua, particularmente nas cidades e no leste industrializado.

A relação de Kiev com Moscou influenciou a política interna ucraniana desde o início do século 21. No final de 2004, após protestos contra irregularidades na eleição presidencial vencida por Viktor Yanukovich, próximo ao Kremlin, o pleito foi anulado.

Numa nova votação, o oposicionista Viktor Yushchenko sagrou-se vencedor, no processo que ficou conhecido como Revolução Laranja.

Anos depois, uma nova revolução levaria o país a mais uma vez confrontar a interferência russa. Viktor Yanukovich voltou ao poder em 2010, quando foi eleito presidente, após o grupo que nasceu da Revolução Laranja ter sido abalado por disputas internas e denúncias de corrupção.

No final de 2013, Yanukovich rejeitou um acordo de associação com a União Europeia e tentou reaproximar o país de Moscou.

A medida levou a enormes protestos de rua que envolveram choques violentos com as forças de segurança. Yanukovich deixou Kiev e exilou-se na Rússia.

A crise levou à invasão da região da Crimeia pela Rússia, que anexou o território, alegando laços históricos. Rebeldes declararam a independência das províncias de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, conhecidas conjuntamente como região de Donbas.

A tensão com Moscou e o conflito no leste ucraniano continuaram, até que em 2021 a Rússia deu diversas demonstrações de que estava prestes a invadir a Ucrânia, com grande poderio militar estacionado próximo à fronteira e a realização de exercícios militares na região. O presidente russo, Vladimir Putin, exigia um compromisso da Otan, a aliança militar ocidental, de que a Ucrânia nunca se tornaria membro da organização, o que foi rejeitado pela aliança.

No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, com um ataque militar de larga escala, que mirou simultaneamente em diversas cidades do país.

A história ucraniana, que inclui um importante capítulo sendo escrito neste momento, inclui a maior tragédia nuclear do planeta, ocorrida em 1986 em Chernobyl. Também reúne eras de glória, que geraram marcos arquitetônicos em suas cidades. Kiev é reconhecida por sua bela paisagem urbana, marcada pelos domos de suas igrejas históricas — o berço da nação está associado ao crescimento do cristianismo ortodoxo no Oriente.

No século 21, a Ucrânia ganhou destaque em algumas modalidades esportivas, como futebol e tênis.

FATOS

•        Ucrânia

Capital: Kiev

•        População43 milhões

•        Área603.700 quilômetros quadrados

•        Principais línguasUcraniano (oficial), russo

•        Principal religiãoCristianismo

•        Expectativa de vida67 anos (homem), 77 anos (mulher)

•        Moedahryvnia

Fonte: ONU, Banco Mundial

LÍDER

•        Presidente: Volodymyr Zelensky

A primeira vez que Volodymyr Zelensky ganhou fama foi ao interpretar um presidente fictício num programa humorístico de televisão da Ucrânia. Com essa experiência, sua vitoriosa campanha presidencial enfatizou vídeos em redes sociais, com conteúdo leve, em detrimento dos tradicionais comícios e discursos detalhando o programa de governo.

Como fazia seu personagem de TV, Zelensky promoveu uma mensagem contra corrupção e o poder de oligarcas, embora ele próprio tenha ligações próximas com Ihor Kolomoisky, dono do canal 1+1, em que seu programa aparecia.

Kolomoisky, que em 2015 se desentendeu com o então presidente Petro Poroshenko, tem vivido no exterior devido a inúmeras investigações sobre seus negócios na Ucrânia. Ele deu forte apoio ao presidente Zelensky durante a campanha. Com seu passado de artista, seu discurso leve e o apoio de Kolomoisky, Zelensky foi eleito no pleito de março e abril de 2019, aos 42 anos de idade.

Em seu discurso de posse, disse que colocar um fim à insurgência apoiada pela Rússia no leste do país, que suspendeu a autoridade de Kiev sobre as províncias de Donetsk e Luhansk, seria sua prioridade.

Pouco depois, em julho de 2019, seu partido, Servo do Povo, venceu as eleições parlamentares, o que deu a Zelensky também o controle do Legislativo. Durante a crise com a Rússia no final de 2021, ele visitou tropas ucranianas postadas próximas à fronteira, diante do risco de uma invasão de forças russas.

MÍDIA

A mídia ucraniana adotou de forma unificada uma pauta patriótica, depois da anexação da Crimeia pela Rússia e o início do conflito armado nas províncias separatistas do leste.

A Ucrânia proibiu a transmissão da programação dos principais canais de TV da Rússia. Em troca, as áreas sob controle da Rússia ou de separatistas proibiram a transmissão por redes pró-Kiev. As autoridades do país também bloquearam o acesso a alguns populares sites russos e redes sociais da Rússia.

A TV domina o cenário de mídia, com o setor liderado pelas principais redes privadas. Muitos jornais publicam edições tanto em ucraniano como em russo.

RELAÇÕES COM O BRASIL

No final do século 19 e início do século 20, o Brasil recebeu milhares de imigrantes ucranianos. A comunidade de descendentes está hoje concentrada no Estado do Paraná, onde vivem cerca de 80% dos brasileiros de ascendência ucraniana, que totalizam cerca de 600 mil pessoas. Na Ucrânia, segundo o Itamaraty, vivem cerca de 500 brasileiros.

O Brasil reconheceu a independência da Ucrânia logo depois de sua declaração, ainda em dezembro de 1991. As relações diplomáticas foram oficializadas em fevereiro de 1992, com a embaixada ucraniana sendo aberta em Brasília no ano seguinte, e a brasileira instalada em Kiev em 1995.

Os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva realizaram visitas oficiais à Ucrânia em 2002 e 2009, respectivamente, e o Brasil recebeu três visitas de chefes de Estado ucranianos, em 1995, 2003 e 2011.

Um projeto espacial conjunto dos dois países foi lançado em 2003, prevendo a utilização do Centro de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão, pelo foguete ucraniano Cyclone-4 para o lançamento de satélites.

Segundo o Itamaraty, a crise e consequentes conflitos iniciados em 2013 reduziu significativamente o comércio entre os dois países e afetou o acordo espacial. O Brasil acabou decidindo retirar-se do projeto, que foi extinto em 2019.

As exportações brasileiras, que em 2012 haviam atingido US$ 624 milhões, perderam fôlego até somarem US$ 111 milhões em 2019. O fluxo comercial total caiu de mais de US$ 1 bilhão antes dos conflitos para pouco mais de US$ 200 milhões em 2019, com o Brasil mantendo sempre um superávit.

Em dezembro de 2020, em evento em Kiev, representantes dos governos brasileiro e ucraniano assinaram um memorando de entendimento para o comércio no setor de Defesa.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o Itamaraty divulgou uma nota dizendo que o Brasil "acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares" e apelando para a "suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão".

LINHA DO TEMPO

•        Algumas datas importantes da história da Ucrânia:

Século 9 - A fundação do Kievan Rus, primeiro grande Estado eslavo oriental, dá início a um período histórico para a região, em que Kiev ganharia projeção internacional. O relato tradicional, motivo de debate entre historiadores, atribui a criação de Kievan Rus ao semilendário Oleg, um líder viking (ou varangianos, como são chamados os vikings que seguiram para o oriente) soberano de Novgorod. Oleg tomou a cidade de Kiev, na atual Ucrânia, que se tornou a capital de Kievan Rus devido a sua localização estratégica no rio Dnieper.

Século 10 - A dinastia Rurik é estabelecida, e o governo do príncipe Vladimir, o Grande (príncipe Volodymyr, em ucraniano), marca o começo de uma era de ouro. Em 988 Vladimir abraça o cristianismo ortodoxo e inicia a conversão de Kievan Rus ao rito bizantino, dessa forma definindo o curso do cristianismo no Oriente.

Século 11 - Kievan Rus atinge seu auge sob Yaroslav, o Sábio (grande príncipe de 1019 a 1054), com Kiev tornando-se o principal centro político e cultural do Leste Europeu.

1237-40 - Os mongóis invadem os principados de Rus, destruindo várias cidades e encerrando o poder de Kiev. Os tatars (como ficaram conhecidos os invasores mongóis) estabelecem o império da Horda Dourada no sul da Rússia, e o khan (líder) da Horda Dourada torna-se o líder supremo dos príncipes russos.

1349-1430 - A Polônia e, mais tarde, a Comunidade Polonesa-Lituana gradualmente anexam a maior parte do que é hoje o oeste e o norte da Ucrânia.

1441 - O canato da Crimeia retira-se da Horda Dourada e conquista a maioria do sul da Ucrânia.

1596 - A Polônia estabelece a Igreja Grego-Católica Ucraniana, em união com Roma, que se torna predominante no oeste da Ucrânia. O restante da Ucrânia mantém-se cristão ortodoxo.

1648-1657- Levante cossaco contra a autoridade polonesa estabelece o Hetmanato, considerado na Ucrânia a base para o moderno Estado independente.

1654 - O Tratado de Pereyaslavl dá início ao processo de transformação do Hetmanato em um Estado vassalo da Rússia.

1686 - Tratado da Paz Eterna entre Rússia e Polônia põe fim a 37 anos de guerra com o Império Otomano no que é hoje a Ucrânia e divide o Hetmanato.

1772-1795 - A maior parte do oeste da Ucrânia é absorvida pelo Império Russo por meio das divisões da Polônia.

1783 - A Rússia domina o sul da Ucrânia por meio da anexação do canato da Crimeia.

Século 19 - Um renascimento cultural nacional leva ao desenvolvimento da literatura ucraniana, além de educação e pesquisa histórica. A região conhecida como Galícia, adquirida durante a partilha da Polônia, torna-se um centro de atividade política e cultural ucraniana, pois a Rússia proíbe o uso da língua ucraniana em seu território.

1917 - Um conselho central Rada (Rada significa Parlamento) é estabelecido em Kiev após o colapso do Império Russo.

1918 - A Ucrânia declara sua independência. A declaração é seguida de uma guerra civil, em que vários governos rivais disputam o controle de parte ou todo o território ucraniano.

1921 - A República Socialista Soviética da Ucrânia é estabelecida quando o Exército Vermelho russo conquista dois terços da Ucrânia. O terço restante torna-se parte da Polônia.

1932 - Milhões morrem numa crise de fome provocada pela campanha de coletivização de Josef Stalin, conhecida na Ucrânia por Holodomor.

1939 - O lado ocidental da Ucrânia é anexado pela União Soviética como parte do pacto de não-agressão entre Moscou e a Alemanha Nazista.

1941 - A Ucrânia sofre uma terrível devastação na Segunda Guerra Mundial durante a ocupação nazista do país, que dura até 1944. Mais de 5 milhões de ucranianos morrem lutando contra a Alemanha. A maior parte dos 1,5 milhão de judeus da Ucrânia são mortos pelos nazistas.

1954 - Numa decisão surpreendente, o então líder soviético, Nikita Khrushchev, transfere a Península da Crimeia, que até então era parte da Rússia, para a Ucrânia. Uma resistência armada contra o domínio soviético termina, com a captura do último comandante do Exército Insurgente Ucraniano.

1986 - Um reator da usina nuclear de Chernobyl explode, enviando fumaça radioativa para a Europa. Esforços desesperados são feitos para conter o danificado reator sob uma cobertura de concreto.

1991 - A Ucrânia declara sua independência depois que um fracassado golpe contra o presidente soviético Mikhail Gorbachev levou ao fim da URSS.

1994 - Na eleição presidencial, Leonid Kuchma sucede Leonid Kravchuk e conduz uma política de abertura controlada ao Ocidente, mantendo uma aliança com a Rússia.

1996 - Nova Constituição, democrática, é adotada, e o hryvnia é adotado como nova moeda.

2000 - A usina nuclear de Chernobyl é fechada, 14 anos depois do acidente. Estimativas apontam que, ao longo dos anos, mais de 10 mil pessoas possam ter morrido na Europa em consequência do vazamento de radiação, que também afetou a saúde de milhões de pessoas.

2002 - Em maio, o governo anuncia sua decisão de solicitar formalmente sua filiação à Otan, a aliança militar ocidental.

•        Revolução Laranja e crises

2004 - Em novembro, o líder da oposição, Viktor Yushchenko, convoca protestos em massa contra os resultados da eleição presidencial, sob suspeita de fraude e que dava a vitória ao candidato pró-Rússia Viktor Yanukovych. A Suprema Corte anula o resultado. Em dezembro, Yushchenko torna-se presidente depois de vencer o novo pleito. As relações com a Rússia deterioram, levando a frequentes disputas sobre suprimento de gás e taxas sobre uso de gasodutos.

2008 - Em outubro, a crise financeira internacional leva a uma queda da demanda global por aço, um dos principais produtos de exportação da Ucrânia, causando um colapso dos preços. O valor da moeda ucraniana despenca, e investidores estrangeiros deixam o país.

2010 - Em fevereiro, Viktor Yanukovych é declarado vencedor do segundo turno da eleição presidencial. Em junho, o Parlamento aprova uma lei, enviada por Yanukovych, que encerra as ambições do país de fazer parte da Otan.

2013 - Após o governo abandonar os planos de assinar um acordo de associação com a União Europeia, em novembro dezenas de milhares de pessoas tomam as ruas em protesto. Segundo os manifestantes, o governo cedeu a pressões da Rússia.

2014 - Em fevereiro, as forças de segurança matam pelo menos 77 manifestantes em Kiev. O presidente Yanukovych é afastado pelo Parlamento e foge para a Rússia. A oposição assume o poder.

2014 - Em março, forças russas invadem e anexam a Crimeia, iniciando a maior crise entre Oriente e Ocidente desde o fim da Guerra Fria. O presidente russo, Vladimir Putin, diz que a anexação é justificada pela ligação histórica da região com a Rússia. EUA e União Europeia impõem duras sanções contra Moscou. Em abril, grupos armados pró-Rússia tomam partes das províncias de Donetsk e Luhansk, que formam a região de Donbas, no leste da Ucrânia. Kiev lança operação militar em resposta à insurgência.

2014 - Em julho, forças pró-Rússia derrubam um avião de passageiros da Malásia que voava sobre uma zona de conflito no leste da Ucrânia, matando todas as 298 pessoas a bordo.

•        País dividido

2015 - Com a Ucrânia dividida, Alemanha e França costuram um acordo de cessar-fogo para a região de Donbas, em negociações realizadas em Belarus.

2016 - A economia ucraniana retorna a um período de frágil crescimento, após dois anos de turbulência.

2017 - Em julho, um acordo de associação entre a Ucrânia e a União Europeia é ratificado. Entra em vigor em 1º de setembro.

2018 - O Patriarca Ecumênico de Constantinopla concorda em permitir que a Ucrânia estabeleça sua própria Igreja Ortodoxa, independente de supervisão eclesiástica russa.

2019 - O humorista de televisão Volodymyr Zelensky vence o segundo turno da eleição presidencial contra o incumbente, Petro Poroshenko. Ele assume o cargo em maio, e dois meses depois seu partido, Servo do Povo, vence as eleições parlamentares. Em setembro, Rússia e Ucrânia trocam prisioneiros capturados na tomada da Crimeia por Moscou e no conflito em Donbas.

2019 - Em outubro, a Ucrânia é envolvida no debate americano em torno do impeachment do presidente Donald Trump, acusado de pressionar Kiev para que investigasse o futuro candidato democrata à Casa Branca Joe Biden.

2021 - Crise entre Kiev e Moscou agrava-se, e a Rússia coloca um grande contingente militar na fronteira com a Ucrânia. Governos ocidentais alertam para a possibilidade de invasão pela Rússia, o que Moscou nega.

2022 - Com tropas russas e ucranianas postadas próximo à fronteira dos dois países, governos ocidentais demonstram apoio a Kiev e ameaçam Moscou de forte retaliação caso uma invasão ocorra.

2022 - Após reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk, na região de Donbas, Rússia invade Ucrânia e realiza operações militares em diversas cidades.

 

       Como nasceu a Ucrânia - e quais seus vínculos históricos com a Rússia

 

Desde o dia 24 de fevereiro a comunidade internacional assiste com perplexidade à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Como outras nações vizinhas, os dois países têm tanto laços históricos e culturais que as unem quanto que as separam.

Essa herança em comum remonta ao século 9, quando Kiev, a atual capital ucraniana, era centro do primeiro Estado eslavo, criado por um povo que se autodenominava "rus".

Foi esse grande Estado medieval, que os historiadores chamam de Rus de Kiev, que deu origem à Ucrânia e à Rússia - cuja capital atual, Moscou, surgiu no século 12.

A fé professada era a cristã ortodoxa, instituída em 988 por Vladimir 1º de Kiev (ou São Vladimir Svyatoslavich "O Grande"), que consolidou o reino Rus no território que corresponde hoje a Belarus, Rússia e Ucrânia e se estende até o Mar Báltico.

Entre os vários dialetos eslavos falados na região, acabaram se desenvolvendo as línguas ucraniana, bielorrussa e russa.

É por causa desse passado compartilhado que o presidente russo, Vladimir Putin, afirma que "russos e ucranianos são um povo, um único todo".

Especialistas apontam, entretanto, que, apesar da origem comum, a trajetória dos ucranianos tomou caminhos diferentes da dos russos pelo menos nos últimos nove séculos, quando estiveram sob domínio de povos diferentes.

Para Andrew Wilson, professor de estudos ucranianos da Universidade College London, é importante ver a Ucrânia, tanto seu território quanto sua identidade, mais como um "quebra-cabeças dinâmico" do que como uma unidade estanque.

•        O quebra-cabeças

Em meados do século 13, a federação de principados de Rus foi conquistada pelo Império Mongol.

Na sequência, no final do século 14, o território acabou dividido entre o Grão-Principado de Moscou e o Grão-Ducado da Lituânia (que mais tarde se juntou à Polônia), que se aproveitaram do declínio do poder mongol para avançarem sobre a região.

Kiev e as áreas adjacentes ficaram sob o domínio da Comunidade Polaco-Lituana - o que deixou a região oeste da Ucrânia mais exposta a influências ocidentais nos séculos seguintes, desde a contrarreforma (a resposta da igreja Católica à reforma protestante) até o renascimento (movimento artístico e cultural inspirado na antiguidade clássica, que rompia com os valores da Idade Média).

A chamada Galícia dos Cárpatos, também no oeste da Ucrânia, chegou a ser governada por um longo período pela dinastia dos Habsburgo, conhecida por estar à frente dos impérios Austríaco e Austro-Húngaro.

Assim, essa porção ocidental do país teve uma história completamente diferente daquela vivida no leste ucraniano, disse Geoffrey Hosking, historiador especializado em Rússia, à revista BBC HistoryExtra.

Muitos de seus habitantes não são católicos ortodoxos, pertencendo à igreja Greco-Católica Ucraniana ou a outras igrejas orientais católicas, que realizam seus ritos em ucraniano e reconhecem o papa como chefe espiritual.

Outra parte da Ucrânia de hoje com um passado bastante particular é a Crimeia, com seus laços com gregos e tártaros e períodos sob o domínio otomano e russo.

•        Dois lados

No século 17, uma guerra entre a Comunidade Polaco-Lituana e o czarismo da Rússia colocou as terras a leste do rio Dnieper, região que era conhecida como "margem esquerda" da Ucrânia, sob o controle da Rússia Imperial.

Décadas depois, em 1764, a imperatriz russa Catarina, a Grande, desarticulou o Estado cossaco ucraniano que dominava as regiões central e noroeste do território e passou a avançar sobre terras ucranianas até então dominadas pela Polônia.

Durante os anos que se seguiram, uma política conhecida como russificação proibiu o uso e o estudo da língua ucraniana. As populações locais foram pressionadas a se converter à fé ortodoxa russa, para que pudessem constituir mais uma das "pequenas tribos" do grande povo russo.

Em paralelo, o nacionalismo se intensificou nas terras mais a oeste, que passaram da Polônia para o Império Austríaco, onde muitos começaram a se chamar de "ucranianos" para se diferenciar dos russos.

Com o século 20, veio a Revolução Russa e a criação da União Soviética, que fez seu próprio rearranjo do quebra-cabeças ucraniano.

•        Dominação soviética

A parte ocidental da Ucrânia foi tomada da Polônia pelo líder soviético Joseph Stalin no final da Segunda Guerra Mundial, quando foi constituída a República Socialista Soviética da Ucrânia.

Sob o manto comum soviético, na década de 1950 Moscou atendeu a uma demanda antiga da Ucrânia e transferiu a península da Crimeia para a república.

Localizada no Mar Negro, no sul, a região também tem laços fortes com a Rússia, que mantém até hoje uma base naval na cidade de Sebastopol. A Crimeia voltou para controle russo em 2014, quando a Rússia de Putin a invadiu e anexou.

Durante o período de dominação soviética, a tentativa de submeter a Ucrânia à influência russa se intensificou, muitas vezes a um custo humano elevado.

Milhões de ucranianos que já faziam parte da União Soviética na década de 1930 morreram em uma grande fome - que ficou conhecida como Holodomor - promovida por Stalin como estratégia para forçar os camponeses a se unirem à política comunista de fazendas coletivas.

Stalin chegou a enviar um grande número de cidadãos soviéticos, muitos sem conhecimento do idioma ucraniano e com poucos laços com a região, para tentar repovoar o leste do país.

Mesmo assim, a Moscou soviética nunca dominou culturalmente a Ucrânia.

Decisões econômicas, políticas e militares foram impostas a partir do centro, afirma Hosking, mas a Ucrânia "tinha certa autonomia" nas áreas de cultura e educação.

Embora o russo fosse a língua dominante, as crianças aprendiam ucraniano no ensino primário, muitos livros eram publicados no idioma local e, na segunda metade do século 20, "um forte movimento nacionalista ucraniano protagonizado por pessoas que tiveram uma educação ucraniana" cresceu na União Soviética.

•        Divisões profundas

Em 1991, a União Soviética entrou em colapso e, em 1997, um tratado entre Rússia e Ucrânia estabeleceu a integridade das fronteiras ucranianas.

Os diferentes legados que caracterizam as regiões do país deixaram, contudo, divisões que muitas vezes parecem abismos.

As regiões de cada um dos lados do rio Dnieper têm contrastes profundos, marcados pela extensão do domínio russo.

A leste, os laços com Moscou são mais fortes, e a população tende mais a seguir a religião ortodoxa e a falar o idioma russo.

Na parte ocidental, os séculos sob o domínio de potências europeias, como a Polônia e o Império Austro-Húngaro, acabam contribuindo para que muitos de seus habitantes fossem católicos e que preferissem falar a língua local.

Cada lado tem seus próprios interesses: alguns anseiam por retornar ao que consideram sua pátria-mãe, enquanto outros anseiam por trilhar caminhos independentes.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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