“Precisamos
conter com práticas agroecológicas o fluxo que nos envenena”, diz agrônomo
Como
consequência das enchentes no Rio Grande do Sul, que resultaram de um modelo
agrícola predatório e incentivos fiscais que promovem a destruição ambiental, o
debate tem girado em torno de como tentar mudar o curso de danos ainda mais
graves no Brasil e no mundo. Na continuidade da entrevista, Leonardo Melgarejo,
agrônomo e membro do Movimento Ciência Cidadã, aborda soluções para os desafios
climáticos, a partir do entendimento como os movimentos populares, como o MST,
estão atuando para reduzir os impactos das mudanças climáticas e promover o
debate sobre adaptação climática entre trabalhadores rurais e urbanos.
Segundo
Melgarejo, projetos como o Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos
Saudáveis”, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
são fundamentais nessa luta. O pesquisador menciona as práticas agroecológicas
do Movimento, que ajudam a fortalecer a resiliência das comunidades rurais
frente aos eventos climáticos extremos.
“O
Movimento está se propondo a plantar também 100 milhões de árvores no Brasil. E
vejam, essa é uma contribuição gigantesca para mitigar, para reduzir os efeitos
da crise climática, o que vai ter reflexos sobre as necessidades das populações
do campo e das cidades”, afirma. Essas práticas incluem a diversificação de
culturas, a recuperação de áreas degradadas e a promoção de sistemas
agroflorestais, que ajudam a conservar a biodiversidade.
Outro
ponto importante da conversa é a ampliação do debate sobre adaptação climática,
envolvendo tanto trabalhadores/as do campo quanto das cidades. A
interdependência entre áreas rurais e urbanas exige uma abordagem integrada,
com a troca de conhecimentos e experiências entre diferentes setores da
sociedade, promovendo a conscientização sobre a necessidade de práticas
adaptativas.
Por
fim, Melgarejo destaca ainda a importância de pressionar por políticas públicas
que considerem as especificidades regionais e as vulnerabilidades das
comunidades. Leonardo Melgarejo nos convida a refletir sobre o papel de cada um
na construção de um mundo que enfrente os desafios climáticos de forma efetiva.
<><> Confira a seguir a entrevista completa:
·
Qual a importância dos
projetos e ações do MST e dos movimentos populares para amenizar os efeitos das
mudanças climáticas e, no longo prazo garantir a soberania alimentar e a
recuperação do meio ambiente no campo e nas cidades?
O
projeto da Reforma Agrária Popular [do MST] é o que nós temos de mais moderno,
de mais bem estruturado, como orientação, como caminho para o estabelecimento
de conexões entre as necessidades das populações urbanas e das populações
rurais, que formam o nosso todo. O projeto de Reforma Agrária Popular é um
caminho para um projeto de nação e precisa ser conhecido o que está posto
ali para ser compreendido, porque se for conhecido e apreendido, vai ser
apoiado pelos brasileiros.
Precisamos
cada vez mais de alimentos limpos, alimentos sem aqueles venenos que os
estudiosos estão mostrando que estão presentes nas torneiras, nas panelas, no
leite das mães, no sangue de todos nós. Precisamos conter esse fluxo que nos
envenena e, para isso, vamos precisar de solos saudáveis, vamos precisar de
práticas que, na utilização desses solos, dispensem o uso de veneno, que é o
que a agroecologia propõe e o que consta no Programa de Reforma Agrária
Popular.
E
todos vamos precisar da recuperação das áreas degradadas, por esse modelo
superado do agronegócio; precisamos que exista no Brasil a substituição dessas
explorações gigantescas de milhares de hectares em um modelo de monocultivo,
orientado para exportação banhado em veneno. Temos que substituir isso por poli
cultivos em explorações de menor escala, de base agroecológica, e tudo
orientado para a garantia da soberania alimentar, para atendimento do mercado
interno.
Não
se trata de impedir as exportações, de impedir as lavouras que são exportadas,
mas sim de reorganizar essas lavouras, porque aqueles mesmos produtos, a soja,
o algodão, o milho, a cana e até o eucalipto podem ser produzidos sem
agrotóxicos. Foi assim na história da humanidade, foi assim na história do
Brasil até 60, 70 anos atrás. E é assim hoje, no Rio Grande do Sul, no caso do
arroz ecológico do MST, que é cultivado nesse estado, onde a maior parte da
produção de arroz usa venenos de uma maneira assustadora. Esse exemplo do arroz
ecológico do MST mostra que o veneno se trata de algo desnecessário.
O
MST, por si só, além de garantir alimentos para os seus desabrigados, para os
Sem Terra que foram afetados pela enchente, está ajudando a alimentar milhares
de desabrigados urbanos. A última conta eram 50 mil marmitas entregues. O
Movimento está se propondo a plantar também 100 milhões de árvores no Brasil. E
vejam, essa é uma contribuição gigantesca para mitigar, para reduzir os efeitos
da crise climática, o que vai ter reflexos sobre as necessidades das populações
do campo e das cidades.
·
E o que poderia ser
alcançado nesse rumo?
Em
função da valorização que estas propostas trazem, é possível evidenciar as
relações de interdependência e de sinergia da solidariedade. Tudo que ali é
proposto e executado se dá em oposição àquele conceito que valoriza as disputas
de todos contra todos. É um modelo de guerra injusta, envolvendo uma luta de
transnacionais contra agricultores Sem Terra. Empresas que produzem veneno
contra agricultores que não querem usar veneno; Pessoas contra os seus
vizinhos; Parlamentares, representantes da sociedade contra a natureza. Temos,
inclusive, governantes contra a ciência, contra o metabolismo do ecossistema do
planeta, como se isso pudesse ser negado. Muita gente capturada por um modelo
de produção que é falido, que é ineficiente e está sendo sustentado por recursos
da sociedade e que coloca a vida como sendo uma mercadoria, que poderia ser
precificada.
·
Qual o perigo desse
pensamento, que considera a vida das pessoas como uma mercadoria?
Existem
leituras de povos indígenas que falam que entre nós, os “brancos”, as crianças
e os idosos não tem lugar, porque nós adotamos um modelo onde crianças e idosos
não produzem dinheiro e dão despesa. É como se eles tivessem que ser
eliminados. E é uma eliminação organizada por meio de doenças, de guerras e de
sequelas do racismo ambiental que se expressam, inclusive nesse caso, dessa
crise que abate o Rio Grande do Sul. É contra isso que se colocam os programas
da sociedade organizada. E merece destaque nessa disputa o programa de Reforma
Agrária Popular do MST, que precisa ser conhecido para ser entendido e
defendido, como algo do interesse de todos.
·
E como discutir a
necessidade da adaptação climática com os trabalhadores/as do campo e da
cidade, e pensar sistemas produtivos mais biodiversos, como a massificação da
agroecologia?
Nós
estamos diante de uma tragédia no Rio Grande do Sul, uma das muitas que vão
acontecer em vários lugares do país. E essa, como todas as tragédias, traz
oportunidades de aprendizado e, portanto, de melhoria nas condições de vida de
todos e nos elementos que deram existência a essa tragédia. Mas, como toda a
tragédia, esse evento também permite oportunidades de rapinagem para o
capitalismo e são muitas as teorias que sustentam isso.
Para
este modelo, a destruição tem um efeito positivo, porque reanima a economia.
Ela ativa instrumentos de reposição, de reconstrução, de remodelação das
estruturas físicas destruídas. A destruição abre caminho para novos negócios,
acelera as disputas entre os capitais, então possivelmente serão as mesmas
transnacionais enriquecidas com a recuperação de zonas que foram destruídas
pelas guerras do Irã e do Iraque, que vão disputar os recursos para recuperar
as condições de vida lá na Faixa de Gaza que vão tentar atuar também no Rio
Grande do Sul. Vir aqui e capturar os recursos destinados para cá, e
estabelecer aqui os seus mecanismos de clientelismo, de favorecimento, de
corrupção, que garante o seu gigantismo, o seu poder de interferência no que se
faz no planeta.
·
Nesse sentido, então,
as crises são importantes para a renovação do capitalismo?
A
crise traz oportunidades que são maiores para os que se beneficiam das crises.
Possivelmente, haverão também muitos daqueles gaúchos que não foram
economicamente destruídos por essa tragédia que vão ser tentados a comprar a
preço de banana o patrimônio remanescente, o que for, de posse daquelas
famílias que perderam tudo.
O
PIB [Produto Interno Bruto] gaúcho pode até crescer às custas dessa tragédia e
com o movimento das empresas de recuperação. Então podemos supor que muitas
pessoas vão tender a examinar os eventos de destruição por emergência climática
como uma questão contábil, uma questão que envolve decidir o que é mais barato
fazer. Quanto vai custar fazer isso? Quem vai pagar? Como vai pagar e quem vai
fazer o serviço? Para onde vai o dinheiro? Isso, de fato, é uma coisa
importante, mas nem de longe é o suficiente, porque precisamos envolver a
sociedade na recuperação. Nós precisamos tirar um aprendizado disso.
·
E como fazer isso?
As
obras que irão ser feitas precisam ocorrer de forma inteligente, no sentido de
que elas evoluam na direção de minimizar riscos futuros. Não dá para
reconstruir Muçum no mesmo lugar, não dá para plantar as encostas das coxilhas
da mesma maneira. Precisamos pensar na maravilha da condição geográfica do Rio
Grande do Sul, com tantos rios navegáveis; a exuberância do rio Guaíba, na
beira de Porto Alegre, são vantagens naturais que nós temos e que foram
maltratadas, degradadas por um modelo de apropriação inadequada do território e
trouxeram, da maravilha que eram, os danos que agora se pretende recuperar.
Precisamos
recuperar os conceitos de civilidade e de desenvolvimento. Temos que
aproveitar essa tragédia para evoluir nesse sentido, repovoar o Rio Grande do
Sul com outro sistema de produção, mais generoso em relação à população e mais
atento em relação aos serviços ecossistêmicos da natureza.
As
medidas de recuperação das condições físicas psicossociais precisam se orientar
em direção da proteção da saúde, dos ecossistemas rurais e urbanos, da saúde
das populações e do território. Se trata de reconhecer e aprender com os erros,
como qualquer criança. A legislação ambiental destruída é uma lição que deve
ser entendida, porque tem implicações nas pessoas que apoiaram essa destruição.
O papel da mídia, orientada para a desconstrução de valores, para
desmoralização dos alertas científicos, tem que ser reconhecido. E precisamos
valorizar as ações coletivas e entender que nós estamos na beira de uma série
de emergências que vão ser crescentes, especialmente na área da saúde humana.
·
A tragédia no RS
também podem ser consideradas uma resposta da natureza para aos processos
histórico de destruição?
A
humanidade tem um sistema imunológico que reage ao estresse. O frio que vem aí,
o excesso de umidade, e esse cheiro podre irão fragilizar desse sistema de
autoproteção, o sistema imunológico da saúde dos gaúchos, e todos aqui já
estamos mais propensos a doenças de todo tipo. E a destruição da vida animal
pela enchente, os ratos afogados dos esgotos, os sapos, os cachorros, os gatos,
os porcos, tudo isso vai fazer com que as viroses, as bactérias, as doenças
desses animais que estavam contidas nas populações daqueles bichos busquem
outros hospedeiros. E seremos nós, o seres humanos. E tudo isso tem que ser
colocado na conta, sob a responsabilidade dos legisladores que facilitaram a
destruição da biodiversidade, a degradação do solo e até a degradação do espírito
de solidariedade.
·
E como responsabilizar
esses legisladores?
É
de responsabilidade deles o descaso aos alertas, aos exemplos produtivos, às
coisas que poderíamos ter feito e precisamos fazer melhor. E essa
responsabilidade não pode ser esquecida. A Reforma Agrária Popular se coloca
como um caminho para um outro rumo, e temos vários exemplos disso, como o que
aconteceu no último dia 14 de junho.
Quando
a família do Olímpio [Wodzik] e da Azilda [Ristow], que atualmente são
assentados no [assentamento] Itapuí, em Nova Santa Rita, Rio Grande do Sul.
Essa família destinou sete dos 14 hectares do seu lote para a condição de
Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN). Isso implica que eles
decidiram e averbaram um documento implicando que aquela área vai permanecer
intocada para sempre, cumprindo os serviços ambientais que ali são gerados e
que permitiram, com o aporte do trabalho, as convicções de base agroecológica e
o esforço da família no restante do lote.
É
uma mostra do sucesso que se evidencia de diversas maneiras. Basta pensar, por
exemplo, na formação dos filhos, que é algo que afeta e compromete e preocupa
todos nós. Eles têm três filhos, hoje profissionais formados em nível superior:
um médico veterinário, um agrônomo e um engenheiro mecânico, fruto do trabalho
na metade do lote. O lote inteiro é um espaço de afluência de alunos, de
estudiosos, de professores e de pesquisadores, gente preocupada e comprometida
com a agricultura regenerativa, com o compromisso entre sustentabilidade e
educação ambiental. Gente que vai lá para entender como é que funciona aquele
estabelecimento, que poderia ser extensivo a vários locais.
Assim,
eles literalmente construíram tudo aquilo, produzindo alimentos ecológicos, sem
veneno e comercializando o produto do seu trabalho, através do PAA [Programa de
Aquisição de Alimentos] e em feiras orgânicas. No trabalho da família, eles não
precisaram desmatar o resto do lote, porque optaram por produtos de maior valor
agregado, como morango, frutas, etc.
Eles
tiveram acesso a canais de escoamento da produção e, na parte não desmatada, na
RPPN, habitam os inimigos naturais dos insetos indesejáveis. Ali reside um
sistema de controle da temperatura, de controle e proteção contra as chuvas e
de reserva de água limpa para os períodos de estiagem.
Se
trata de algo que pode ser replicado: aquela Reserva Particular de Patrimônio
Natural se chama “Sonho camponês”, e constitui um modelo para algo bem maior do
que isso, algo que pode ser interpretado na linha de uma necessidade global da
conscientização, uma espécie de verdadeiro sonho humano de integração com o
ambiente. E é, no caso, mais uma contribuição do conceito dos sistemas
produtivos bio diversos no modelo estimulado pelo MST, que vai ajudar, com
certeza, na massificação da agroecologia, que se faz cada vez mais necessária,
que há de beneficiar a todos, mesmo aqueles que não contribuem com ela.
¨
A pedido do MPF,
órgãos fazem ação para fiscalizar o uso de agrotóxicos em terras indígenas de
MS
Após
solicitação do Ministério Público Federal (MPF), órgãos ambientais e indígenas
realizaram uma ação de conscientização e monitoramento do uso de agrotóxicos
nas terras indígenas Jaguapiru, Panambizinho e Guyraroká, localizadas nos
municípios de Dourados e Caarapó, em Mato Grosso do Sul. A ação foi promovida
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), pela Agência
Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro/MS), com o apoio da
Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A
ação, realizada em meados de junho e com duração de quatro dias, teve o
propósito de conscientizar sobre o uso adequado de agrotóxicos e verificar a
regularidade do plantio comercial. O pedido do MPF para a visita ocorreu após a
morte de uma indígena grávida, em 12 de março, na aldeia Jaguapiru, por
suspeita de envenenamento por agrotóxico. A mulher, de 32 anos, teria passado
mal, assim como vários integrantes de sua família, após um homem ter aplicado
agrotóxicos em propriedade vizinha à dela. Ela chegou a ser hospitalizada, mas
não resistiu e faleceu cerca de 24h depois.
No
pedido feito aos órgãos e que resultou na ação de conscientização, o MPF
salientou que a fiscalização se faz necessária diante do incremento das áreas
destinadas ao plantio de lavouras comerciais nas terras indígenas, em especial
de soja e milho, com impacto à saúde e ao meio ambiente das comunidades. O
ofício também cita que há registros de que parte dos produtos agrícolas
utilizados nessas plantações são adquiridos sem receitas agronômicas ou por
meio de contrabando do Paraguai.
Resultados
da fiscalização – Durante a ação, foram aplicados mais de R$ 1 milhão em
multas, além da apreensão de aproximadamente 750 litros de agrotóxicos
vencidos, segundo informações repassadas pelos órgão responsáveis pela
fiscalização. A ação será repetida no segundo semestre para monitorar o
cumprimento das notificações emitidas em razão das irregularidades constatadas.
Fonte:
Página do MST/Ascom MPF – MS
Nenhum comentário:
Postar um comentário