Luís Nassif: ‘Brasil, a última oportunidade
de se tornar uma grande Nação’
O destino, as
circunstâncias, a sorte, seja lá o que for, abriu algumas oportunidades
históricas para o Brasil se tornar uma grande nação.
Ele nasceu vocacionado
para tal: um grande território, terras agricultáveis, minerais estratégicos.
Faltava apenas uma elite com projeto de país.
A primeira grande
oportunidade surgiu nos anos 30, reflexo da crise de 1929, quando a escassez
absoluta de libras obrigou Getúlio Vargas a interromper o livre fluxo de
capitais. Capitais da cafeicultura, que tinham a Citi Londrina como destino,
sem alternativa ajudaram a financiar o inicio da industrialização brasileira.
A segunda oportunidade
– também bem aproveitada – foi na Segunda Guerra, com Vargas explorando a
disputa entre Alemanha e Estados Unidos, tornando o país parceiro do novo
modelo de hegemonia americana, que consistia em ajudar no desenvolvimento dos
países do Sul Global. Vem daí os primeiros planos que ajudaram a identificar
áreas estratégicas que, no segundo governo Vargas, permitiram a criação das
grandes estatais – Companhia Siderúrgica Nacional, Petrobras, Eletrobras –
lançando as bases para o salto seguinte, do governo JK. Em cima da
infraestrutura legada por Vargas, JK montou o Plano de Metas, avançando a
industrialização em vários setores.
O salto seguinte seria
o governo João Goulart e suas reformas de base, que permitiriam o salto final
de modernização, aproveitando o êxodo rural para construir uma classe média
vigorosa e uma classe trabalhadora que atenderia às demandas da industria.
Esse passo foi
abortado pelo golpe militar que se, de um lado, permitiu a a modernização do
mercado de capitais, por outro legou a sociedade mais desigual do planeta. E, a
partir dos anos 80, promoveu uma destruição da economia, como respaldo do amplo
endividamento do período anterior.
Todo esse processo
irresponsável de endividamento veio de um dos gurus da financeirização, Mário
Henrique Simonsen. Como dizia Fernão Bracher, diretor da área externa do Banco
Central, dívida foi feita para ser rolada. A crise do petróleo e a explosão dos
juros americanos matou o modelo brasileiro de crescimento.
A oportunidade
seguinte veio com o Plano Real. O fim da hiperinflação jogou milhões de pessoas
no mercado de consumo em um momento em que a revolução da telemática e da
logística promoviam uma reestruturação das cadeias produtivas globais. Brasil,
China e Índia eram as bolas da vez, justamente pelas características de grandes
extensões de terra, ampla população, mercado de consumo potencial e uma base
industrial inicial.
A política do BC, de
juros altos e câmbio baixo por sucessivos anos, liquidou com essa
possibilidade. Como dizia Gustavo Franco, dívida não foi feita para ser paga,
mas para ser rolada.
O governo Lula assumiu
em 2002 mantendo o mesmo modelo de política econômica, com juros elevados e
câmbio baixo. Inovou, é verdade, nas políticas compensatórias, mas não logrou
apresentar um projeto de país.
A grande oportunidade
surgiu a partir de 2007, com o boom das commodities, que deixou o país com um
volume recorde de receita fiscal e de reservas cambiais. Lula alterou o estilo,
comandou epicamente a reação da economia para enfrentar a crise, mas sempre com
medidas pontuais, visando resolver problemas imediatos. Legou para Dilma um
governo sem projeto de desenvolvimento, mas com reservas cambiais expressivas.
A rigor, Dilma foi a
única presidente a pensar um projeto de desenvolvimento. Investiu no PAC,
trabalhou para reduzir os spreads bancários. Mas pegou a reversão dos preços de
commodities e a herança maldita do presidencialismo de coalizão, que resultou na
Lava Jato.
Depois, foi a
destruição perpetrada por Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Agora, o destino joga
nos braços do país a derradeira oportunidade de cumprir seu destino manifesto
de grande nação: a transição energética, a neoindustrialização, a mudança nas
cadeias produtivas globais.
Esse desafio exigiria
um planejamento minucioso e participativo, como foi o Plano de Metas de JK, um
estadista capaz de promover o grande pacto nacional em torno da produção e, ao
mesmo tempo, ter uma interlocução global para se valer da reorganização do
sistema de poder global.
Até o momento, temos
apenas a terceira condição – o estadista internacional. Até agora, Lula não
acordou para a necessidade de um projeto de desenvolvimento, como eixo central
da mobilização capaz de lhe dar forças para romper com os impasses políticos e
orçamentários. Não pensa em montar grupos de trabalho e continua trabalhando da
mão para a boca, resolvendo problemas à medida que se apresentam.
Lula de 2008 a 2010
emergiu como a grande esperança do Brasil ter encontrado, finalmente, o
estadista capaz de conduzir o país na última milha do desenvolvimento.
Lula de 2026 poderá
cumprir a profecia e se consagrar como o grande presidente da história. Ou
confirmar as críticas dos adversários, que foi apenas um político pragmático,
beneficiado pelos ventos do boom de commodities. E, em 2026, caberá a ele o
papel inglório de jogar a última pá de cal na esperança de se ter uma grande
Nação.
• Bacha e a miséria da economia. Por Luís
Nassif
André Lara Rezende, o
verdadeiro pai da ideia das duas moedas do Real, com o tempo aprendeu uma
verdade indispensável para a análise econômica: a observação empírica.
Economia é ciência
humana, mexe com opções e iniciativas individuais. Essas opções dependem de uma
série direta e indireta de fatores. E compõem uma realidade complexa, com
muitos fatores para ser sintetizada em uma fórmula apenas.
Entenda melhor o que
significa uma realidade complexa, segundo os manuais.
Refere-se a um
fenômeno ou sistema que possui múltiplas partes interconectadas e
interdependentes, que interagem de maneiras não lineares e imprevisíveis, com
interações dinâmicas entre eles. O que significa que um fenômeno pode afetar o
cenário, mesmo sem ter relação direta com isso.
Por isso mesmo, o
sucesso da teoria depende da maneira como reagem os agentes econômicos. Se não
se comportam como prevê a teoria, a teoria está errada. E isso se aprende
observando a realidade empírica e analisando a história.
Vamos, agora, a uma
comparação com os “modelitos” que alguns economistas utilizam para amarrar as
explicações às premissas que definem antecipadamente. Em geral, obedecem a uma
lógica primária usando as estatísticas que melhor se adequam ao resultado pretendido.
É o caso de Edmar
Bacha, que se autoproclama um dos pais do Plano Real e que sustenta que o plano
saiu graças a uma bilhetinho, em um papel azul, que encaminhou para Fernando
Henrique Cardoso durante uma reunião do Ministério.
O último feito foi o
artigo no jornal Valor Econômico, “Porque a indústria brasileira encolheu
tanto“.
Nele, Bacha analisa a
desindustrialização ocorrida no Brasil de 1994 para cá. E a premissa básica é
colocar a culpa no protecionismo e na falta de iniciativas do industrial.
Enquanto o agronegócio
partia para conquistar o mundo, “a indústria continua a mirar o próprio umbigo
(…) vendendo com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o
mercado interno (…) porque o mercado é protegido”.
Como ele comprova essa
tese?
Simples. Primeiro,
testa duas hipóteses para a desindustrialização: a chamada desindustrialização
precoce e a doença holandesa. Depois, demonstra que nenhuma, nem outra, explica
a desindustrialização. Mas, e se houver outras explicações? Não interessa. Para
a tese ser comprovada, só pode utilizar as duas hipóteses.
Não havendo mais
nenhuma explicação, conclusão é uma só:
• Houve queda na produtividade da
indústria porque ela não perseguiu o universo externo e se acomodou praticando
preços exorbitantes internamente.
• Ao contrário, a agricultura avançou
porque buscou o mercado externo e se sofisticou.
Ou CQD (Como Queríamos
Demonstrar).
Simples assim, com
dois tapas revisou todas as teorias sobre desindustrialização.
Vamos por partes.
<><>
Desindustrialização precoce
Segundo ele, a tese da
desindustrialização precoce não explica o caso brasileiro. Esse fenômeno ocorre
antes que o país atinja altos níveis de renda per capita e os serviços passam a
ter um peso relativo maior, ao contrário do que acontece em economias desenvolvidas.
Qual a comprovação?
Segundo Bacha, “estatisticamente calculamos que para cada 1 pp de
desindustrialização na OECD (com renda per capita 3 vezes superior à
brasileira) ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil”. Como a OCDE se
desindustrializou apenas 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da
desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022.
Não explica de onde
tirou essa correlação de 1 x 1,6.
<><>
Doença holandesa
A “doença holandesa”
ocorre quando um boom de produtos primários provoca uma apreciação da moeda,
prejudicando a competitividade dos manufaturados. Bacha diz que boom de
commodities só ocorreu no Brasil entre 2005 e 2011.
“Estatisticamente,
estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma
desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de
troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da
desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta
de parcela relevante da desindustrialização”.
É fantástico! As
relações de troca explicam a relação entre índices de preços de exportações e
importações, não de quantidade. Além disso, não diferencia manufaturados de
produtos primários. Se há um boom de commodities, significa que a relação de
trocas melhorou para o Brasil, mas não tem nada a ver com a industrialização.
E, sobre o
empreendedorismo do setor agrícola, vale a pena temperar com informações
adicionais, que não constam do modelito de Bacha.
1. Mundo real: indústria x agricultura.
Indústria: nos
financiamentos do BNDES, 9,5% ao ano mais o spread do agente financeiro. No
mercado financeiro, podem chegar a 60% ao ano.
Agricultura: o Plano
Safra cobra taxas de juros para custeio agrícola entre 6% a 8,5% ao ano. Para
investimentos, de 4,5% a 7% ao ano. Para este ano, o montante é de R$ 400,59
bilhões.
Somem-se as pesquisas
da Embrapa e se verá que o grande boom agrícola se deveu a uma política de
Estado, não ao mercado e ao arrojo do agronegócio.
2. O câmbio e juros de
Bacha
Para analisar a
desindustrialização brasileira, tem que levar em conta o câmbio, se houve ou
não a apreciação. Houve. Aí a maneira de Bacha analisar a questão é: não houve
doença holandesa. Se não houve a doença holandesa, não houve a apreciação do
câmbio? Ora, mas houve a política monetária e cambial, com o mesmo efeito.
No período de 1994 a
1999, a apreciação do câmbio liquidou com os saldos comerciais brasileiros e
houve uma inundação de dólares entrando pelo mercado financeiro: o IEDI, para a
aquisição de estatais, e os Investimentos em Carteira, para se lambuzar nas taxas
de juros praticadas no período.
O Banco Central
garantia o teto da moeda, que o dólar não passaria de 1 real. Mas, para baixo,
não havia limites. E, com taxas de juros de 45% ao ano, a mera arbitragem do
mercado produziu uma apreciação cavalar da moeda, encaracendo substancialmente
as exportações brasileiras.
Mais que isso, houve
uma mudança estrutural na indústria, especialmente na de máquinas e
equipamentos. Para sobreviver, passou a importar produtos da China e maquiar,
para venda interna. Mas a planilha de Bacha não consegue captar e mensurar
mudanças estruturais da economia real.
Seria muito pedir a um
cabeça de planilha que analisasse impactos de mudanças de comportamento na
economia. E como Bacha só acompanha o mercado financeiro, não soube do intenso
processo de venda de empresas nacionais, com os donos passando a aplicar no mercado
financeiro.
Poderia pesquisar no
Google as declarações do dono do curso Yazigi, depois que vendeu. Passou a vida
inteira para montar uma empresa que valia R$ 1 bilhão. Em pouco tempo,
conseguiu dobrar seu patrimônio. Mas o problema do país é que o industrial é
acomodado!
3. De industriais e
financistas
Grandes empresas
desapareceram ou foram desnacionalizadas exclusivamente devido ao manejo do
câmbio e juros pelo governo que Bacha representava.
4. Do ambiente
empresarial.
Não fosse um mero
propagandista do mercado, Bacha poderia analisar o que significou para a
indústria conviver, no primeiro governo FHC, com taxas de juros que tinham por
piso uma Selic de 45% ao ano. Ou então, os impactos sobre a indústria da
mudança das regras de fixação de taxas de juros pelo BNDES, feito de seu colega
de Plano Real, Pérsio Arida.
Sei que é uma grande
novidade paa Bacha, mas investimento privado depende de financiamento, tanto
para capital de giro quanto para investimentos e para crédito ao consumo.
5. As cadeias globais
de produção
Poderia analisar,
também, a janela de oportunidades que se abriu para o Brasil nos primeiros
meses do Real. Com a inflação contida, e o mercado de consumo explodindo com a
inclusão de novos consumidores, as bolas da vez eram Brasil, China e Índia. Com
o avanço da telemática e da logística, estava havendo uma reordenação das
multinacionais pelo mundo. E o Brasil era um dos pontos preferenciais para o
Sul Global.
Vocês jogaram fora a
oportunidade que transformou China, Coréia e Taiwan em potências industriais.
Com os juros e o câmbio, dia após dia os novos consumidores voltaram para a
zona cinzenta do subconsumo. E as multinacionais desistiram de alocar novas empresas
no país porque o câmbio tirava totalmente a competitividade das empresas
brasileiras, tanto para os industriais “acomodados”, como para eles.
E não se venha falar
em engenharia de obras feitas, porque escrevi muito sobre isso na época. Ou
seja, os dados estavam disponíveis para quem tinha olhos para ver. O único azul
que afetou Bacha foi a mosca azul.
Fonte: Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário