sexta-feira, 19 de julho de 2024

Luís Nassif: ‘Brasil, a última oportunidade de se tornar uma grande Nação’

O destino, as circunstâncias, a sorte, seja lá o que for, abriu algumas oportunidades históricas para o Brasil se tornar uma grande nação.

Ele nasceu vocacionado para tal: um grande território, terras agricultáveis, minerais estratégicos. Faltava apenas uma elite com projeto de país.

A primeira grande oportunidade surgiu nos anos 30, reflexo da crise de 1929, quando a escassez absoluta de libras obrigou Getúlio Vargas a interromper o livre fluxo de capitais. Capitais da cafeicultura, que tinham a Citi Londrina como destino, sem alternativa ajudaram a financiar o inicio da industrialização brasileira.

A segunda oportunidade – também bem aproveitada – foi na Segunda Guerra, com Vargas explorando a disputa entre Alemanha e Estados Unidos, tornando o país parceiro do novo modelo de hegemonia americana, que consistia em ajudar no desenvolvimento dos países do Sul Global. Vem daí os primeiros planos que ajudaram a identificar áreas estratégicas que, no segundo governo Vargas, permitiram a criação das grandes estatais – Companhia Siderúrgica Nacional, Petrobras, Eletrobras – lançando as bases para o salto seguinte, do governo JK. Em cima da infraestrutura legada por Vargas, JK montou o Plano de Metas, avançando a industrialização em vários setores.

O salto seguinte seria o governo João Goulart e suas reformas de base, que permitiriam o salto final de modernização, aproveitando o êxodo rural para construir uma classe média vigorosa e uma classe trabalhadora que atenderia às demandas da industria.

Esse passo foi abortado pelo golpe militar que se, de um lado, permitiu a a modernização do mercado de capitais, por outro legou a sociedade mais desigual do planeta. E, a partir dos anos 80, promoveu uma destruição da economia, como respaldo do amplo endividamento do período anterior.

Todo esse processo irresponsável de endividamento veio de um dos gurus da financeirização, Mário Henrique Simonsen. Como dizia Fernão Bracher, diretor da área externa do Banco Central, dívida foi feita para ser rolada. A crise do petróleo e a explosão dos juros americanos matou o modelo brasileiro de crescimento.

A oportunidade seguinte veio com o Plano Real. O fim da hiperinflação jogou milhões de pessoas no mercado de consumo em um momento em que a revolução da telemática e da logística promoviam uma reestruturação das cadeias produtivas globais. Brasil, China e Índia eram as bolas da vez, justamente pelas características de grandes extensões de terra, ampla população, mercado de consumo potencial e uma base industrial inicial.

A política do BC, de juros altos e câmbio baixo por sucessivos anos, liquidou com essa possibilidade. Como dizia Gustavo Franco, dívida não foi feita para ser paga, mas para ser rolada.

O governo Lula assumiu em 2002 mantendo o mesmo modelo de política econômica, com juros elevados e câmbio baixo. Inovou, é verdade, nas políticas compensatórias, mas não logrou apresentar um projeto de país.

A grande oportunidade surgiu a partir de 2007, com o boom das commodities, que deixou o país com um volume recorde de receita fiscal e de reservas cambiais. Lula alterou o estilo, comandou epicamente a reação da economia para enfrentar a crise, mas sempre com medidas pontuais, visando resolver problemas imediatos. Legou para Dilma um governo sem projeto de desenvolvimento, mas com reservas cambiais expressivas.

A rigor, Dilma foi a única presidente a pensar um projeto de desenvolvimento. Investiu no PAC, trabalhou para reduzir os spreads bancários. Mas pegou a reversão dos preços de commodities e a herança maldita do presidencialismo de coalizão, que resultou na Lava Jato.

Depois, foi a destruição perpetrada por Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Agora, o destino joga nos braços do país a derradeira oportunidade de cumprir seu destino manifesto de grande nação: a transição energética, a neoindustrialização, a mudança nas cadeias produtivas globais.

Esse desafio exigiria um planejamento minucioso e participativo, como foi o Plano de Metas de JK, um estadista capaz de promover o grande pacto nacional em torno da produção e, ao mesmo tempo, ter uma interlocução global para se valer da reorganização do sistema de poder global.

Até o momento, temos apenas a terceira condição – o estadista internacional. Até agora, Lula não acordou para a necessidade de um projeto de desenvolvimento, como eixo central da mobilização capaz de lhe dar forças para romper com os impasses políticos e orçamentários. Não pensa em montar grupos de trabalho e continua trabalhando da mão para a boca, resolvendo problemas à medida que se apresentam.

Lula de 2008 a 2010 emergiu como a grande esperança do Brasil ter encontrado, finalmente, o estadista capaz de conduzir o país na última milha do desenvolvimento.

Lula de 2026 poderá cumprir a profecia e se consagrar como o grande presidente da história. Ou confirmar as críticas dos adversários, que foi apenas um político pragmático, beneficiado pelos ventos do boom de commodities. E, em 2026, caberá a ele o papel inglório de jogar a última pá de cal na esperança de se ter uma grande Nação.

 

•        Bacha e a miséria da economia. Por Luís Nassif

André Lara Rezende, o verdadeiro pai da ideia das duas moedas do Real, com o tempo aprendeu uma verdade indispensável para a análise econômica: a observação empírica.

Economia é ciência humana, mexe com opções e iniciativas individuais. Essas opções dependem de uma série direta e indireta de fatores. E compõem uma realidade complexa, com muitos fatores para ser sintetizada em uma fórmula apenas.

Entenda melhor o que significa uma realidade complexa, segundo os manuais.

Refere-se a um fenômeno ou sistema que possui múltiplas partes interconectadas e interdependentes, que interagem de maneiras não lineares e imprevisíveis, com interações dinâmicas entre eles. O que significa que um fenômeno pode afetar o cenário, mesmo sem ter relação direta com isso.

Por isso mesmo, o sucesso da teoria depende da maneira como reagem os agentes econômicos. Se não se comportam como prevê a teoria, a teoria está errada. E isso se aprende observando a realidade empírica e analisando a história.

Vamos, agora, a uma comparação com os “modelitos” que alguns economistas utilizam para amarrar as explicações às premissas que definem antecipadamente. Em geral, obedecem a uma lógica primária usando as estatísticas que melhor se adequam ao resultado pretendido.

É o caso de Edmar Bacha, que se autoproclama um dos pais do Plano Real e que sustenta que o plano saiu graças a uma bilhetinho, em um papel azul, que encaminhou para Fernando Henrique Cardoso durante uma reunião do Ministério.

O último feito foi o artigo no jornal Valor Econômico, “Porque a indústria brasileira encolheu tanto“.

Nele, Bacha analisa a desindustrialização ocorrida no Brasil de 1994 para cá. E a premissa básica é colocar a culpa no protecionismo e na falta de iniciativas do industrial.

Enquanto o agronegócio partia para conquistar o mundo, “a indústria continua a mirar o próprio umbigo (…) vendendo com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno (…) porque o mercado é protegido”.

Como ele comprova essa tese?

Simples. Primeiro, testa duas hipóteses para a desindustrialização: a chamada desindustrialização precoce e a doença holandesa. Depois, demonstra que nenhuma, nem outra, explica a desindustrialização. Mas, e se houver outras explicações? Não interessa. Para a tese ser comprovada, só pode utilizar as duas hipóteses.

Não havendo mais nenhuma explicação, conclusão é uma só:

•        Houve queda na produtividade da indústria porque ela não perseguiu o universo externo e se acomodou praticando preços exorbitantes internamente.

•        Ao contrário, a agricultura avançou porque buscou o mercado externo e se sofisticou.

Ou CQD (Como Queríamos Demonstrar).

Simples assim, com dois tapas revisou todas as teorias sobre desindustrialização.

Vamos por partes.

<><> Desindustrialização precoce

Segundo ele, a tese da desindustrialização precoce não explica o caso brasileiro. Esse fenômeno ocorre antes que o país atinja altos níveis de renda per capita e os serviços passam a ter um peso relativo maior, ao contrário do que acontece em economias desenvolvidas.

Qual a comprovação? Segundo Bacha, “estatisticamente calculamos que para cada 1 pp de desindustrialização na OECD (com renda per capita 3 vezes superior à brasileira) ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil”. Como a OCDE se desindustrializou apenas 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022.

Não explica de onde tirou essa correlação de 1 x 1,6.

<><> Doença holandesa

A “doença holandesa” ocorre quando um boom de produtos primários provoca uma apreciação da moeda, prejudicando a competitividade dos manufaturados. Bacha diz que boom de commodities só ocorreu no Brasil entre 2005 e 2011.

“Estatisticamente, estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta de parcela relevante da desindustrialização”.

É fantástico! As relações de troca explicam a relação entre índices de preços de exportações e importações, não de quantidade. Além disso, não diferencia manufaturados de produtos primários. Se há um boom de commodities, significa que a relação de trocas melhorou para o Brasil, mas não tem nada a ver com a industrialização.

E, sobre o empreendedorismo do setor agrícola, vale a pena temperar com informações adicionais, que não constam do modelito de Bacha.

1.       Mundo real: indústria x agricultura.

Indústria: nos financiamentos do BNDES, 9,5% ao ano mais o spread do agente financeiro. No mercado financeiro, podem chegar a 60% ao ano.

Agricultura: o Plano Safra cobra taxas de juros para custeio agrícola entre 6% a 8,5% ao ano. Para investimentos, de 4,5% a 7% ao ano. Para este ano, o montante é de R$ 400,59 bilhões.

Somem-se as pesquisas da Embrapa e se verá que o grande boom agrícola se deveu a uma política de Estado, não ao mercado e ao arrojo do agronegócio.

2. O câmbio e juros de Bacha

Para analisar a desindustrialização brasileira, tem que levar em conta o câmbio, se houve ou não a apreciação. Houve. Aí a maneira de Bacha analisar a questão é: não houve doença holandesa. Se não houve a doença holandesa, não houve a apreciação do câmbio? Ora, mas houve a política monetária e cambial, com o mesmo efeito.

No período de 1994 a 1999, a apreciação do câmbio liquidou com os saldos comerciais brasileiros e houve uma inundação de dólares entrando pelo mercado financeiro: o IEDI, para a aquisição de estatais, e os Investimentos em Carteira, para se lambuzar nas taxas de juros praticadas no período.

O Banco Central garantia o teto da moeda, que o dólar não passaria de 1 real. Mas, para baixo, não havia limites. E, com taxas de juros de 45% ao ano, a mera arbitragem do mercado produziu uma apreciação cavalar da moeda, encaracendo substancialmente as exportações brasileiras.

Mais que isso, houve uma mudança estrutural na indústria, especialmente na de máquinas e equipamentos. Para sobreviver, passou a importar produtos da China e maquiar, para venda interna. Mas a planilha de Bacha não consegue captar e mensurar mudanças estruturais da economia real.

Seria muito pedir a um cabeça de planilha que analisasse impactos de mudanças de comportamento na economia. E como Bacha só acompanha o mercado financeiro, não soube do intenso processo de venda de empresas nacionais, com os donos passando a aplicar no mercado financeiro.

Poderia pesquisar no Google as declarações do dono do curso Yazigi, depois que vendeu. Passou a vida inteira para montar uma empresa que valia R$ 1 bilhão. Em pouco tempo, conseguiu dobrar seu patrimônio. Mas o problema do país é que o industrial é acomodado!

3. De industriais e financistas

Grandes empresas desapareceram ou foram desnacionalizadas exclusivamente devido ao manejo do câmbio e juros pelo governo que Bacha representava.

4. Do ambiente empresarial.

Não fosse um mero propagandista do mercado, Bacha poderia analisar o que significou para a indústria conviver, no primeiro governo FHC, com taxas de juros que tinham por piso uma Selic de 45% ao ano. Ou então, os impactos sobre a indústria da mudança das regras de fixação de taxas de juros pelo BNDES, feito de seu colega de Plano Real, Pérsio Arida.

Sei que é uma grande novidade paa Bacha, mas investimento privado depende de financiamento, tanto para capital de giro quanto para investimentos e para crédito ao consumo.

5. As cadeias globais de produção

Poderia analisar, também, a janela de oportunidades que se abriu para o Brasil nos primeiros meses do Real. Com a inflação contida, e o mercado de consumo explodindo com a inclusão de novos consumidores, as bolas da vez eram Brasil, China e Índia. Com o avanço da telemática e da logística, estava havendo uma reordenação das multinacionais pelo mundo. E o Brasil era um dos pontos preferenciais para o Sul Global.

Vocês jogaram fora a oportunidade que transformou China, Coréia e Taiwan em potências industriais. Com os juros e o câmbio, dia após dia os novos consumidores voltaram para a zona cinzenta do subconsumo. E as multinacionais desistiram de alocar novas empresas no país porque o câmbio tirava totalmente a competitividade das empresas brasileiras, tanto para os industriais “acomodados”, como para eles.

E não se venha falar em engenharia de obras feitas, porque escrevi muito sobre isso na época. Ou seja, os dados estavam disponíveis para quem tinha olhos para ver. O único azul que afetou Bacha foi a mosca azul.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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