quinta-feira, 25 de julho de 2024

Instrumento da hegemonia ocidental: Olimpíadas são cada vez mais usadas como arma política?

Iniciadas em 1896, as Olimpíadas Modernas de Verão chegam a mais uma edição neste ano, desta vez em Paris, na França. Para além do esporte e da oportunidade para milhares de atletas mundo afora, evento se tornou mais uma ferramenta da imposição da hegemonia ocidental?

Com quase 130 anos de tradição, as edições modernas das Olimpíadas de Verão passaram por diversos países do globo e também acompanharam vários momentos de tensão ao longo da história.

Interrompido apenas durante as duas guerras mundiais do século XX (nas edições de 1916, 1940 e 1944), um dos grandes eventos esportivos do mundo chega à 33ª edição neste mês em meio às contradições que marcam os tempos atuais. O número de países que participam das competições é apenas uma amostra da dimensão dos jogos: são 206 filiados ao Comitê Olímpico Internacional (COI), índice maior até que os membros da Organização das Nações Unidas (ONU), que é de 193 membros. Além disso, só na edição realizada no Rio de Janeiro, em 2016, foram alcançados mais de cinco bilhões de espectadores.

Do banimento de atletas da Rússia e Belarus na edição de Paris por conta do conflito na Ucrânia à manutenção de competidores de Israel, país que já provocou a morte de mais de 39 mil palestinos, da inclusão de atletas cubanos na delegação de refugiados, o evento é cada vez mais usado como uma arma política?

A mestre em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) Luísa Maria Freitas estudou a fundo o assunto e respondeu ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que sim.

"O maior poder da Olimpíada é o alcance imenso, é um palco mundial que pode ser instrumentalizado por indivíduos, movimentos, causas sociais ou até Estados mesmo. Temos exemplos históricos de manifestações raciais, políticas e sociais durante todo o histórico dos eventos modernos e, quanto mais complexas as relações entre os países e maior o processo de globalização, mais difícil se torna separar o esporte disso", resume Freitas.

Dois pesos, duas medidas: assim a especialista define como os Estados Unidos, que apesar de estarem envolvidos em dois conflitos mundiais e tantos outros ao longo da história, nunca sofreram qualquer tipo de proibição nas Olimpíadas, pelo contrário.

"Quem decide isso é o COI, e acredito que esse órgão saiba que suspender os Estados Unidos pode afetar a audiência, ou até outros países do Ocidente tomarem as dores. O que é muito importante ressaltar é que não há um motivo financeiro, como sempre levantam sobre a ONU, mas a COI se sustenta com os direitos de transmissão [...]. E os EUA estão do lado de Israel, o país não será punido, se está do lado da Ucrânia, a Rússia será punida. Costuma ser simples assim", acrescentou.

Como exemplo, Freitas citou o boicote ocidental às Olimpíadas realizadas na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1980, quando 64 países não participaram da edição por conta de divergências na época. "Então o COI, por mais que não dependa financeiramente dos Estados Unidos, aplica muito a noção de soft power das relações internacionais, do poder de influência que a superpotência dos Estados Unidos exerce", diz.

Conforme a especialista, um dos primeiros registros da história de como as Olimpíadas se tornaram arma política para um fim ocorreu em 1936, quando a Alemanha nazista recebeu a competição. O país foi escolhido cinco anos antes, época em que Adolf Hitler ainda não havia chegado ao poder e, mesmo com o regime ligado ao Holocausto, o evento foi mantido.

"Quando Hitler acendeu a tocha [olímpica], ele viu a oportunidade de propaganda que os Jogos ofereciam. O discurso era sempre que o esporte não devia se misturar com a política, então, mesmo estando na Alemanha nazista, acharam de bom tom. O COI não suspendeu e nem repudiou a sede, já estava escolhida e seguiram os jogos dessa maneira", lembrou.

<><> Quais são as principais ameaças à realização dos Jogos Olímpicos?

Um dos principais temores que sempre acompanham a realização dos Jogos Olímpicos é a possibilidade de atentados terroristas, como o que ocorreu em 1972 na Alemanha, quando 11 atletas israelenses foram mortos, caso que se tornou conhecido como massacre de Munique. Em Paris, um homem chegou a ser preso nesta terça-feira (23) por planejar um ataque durante o evento.

"Acredito que as tensões vão estar altas sim, o risco sempre existe, mas a segurança deve fazer um trabalho bem completo. Há uma preocupação muito grande até com espectadores que entram nos estádios, com as revistas. A preocupação existe e o risco sempre está lá. Mas eu acredito que o que deve ter muito vai ser a tensão entre atletas ou comitês olímpicos, com demonstrações de apoio ou de repúdio a certos comitês por conta dos conflitos que estão acontecendo", declarou Freitas.

<><> Qual foi a origem das Olimpíadas?

Era por volta de 776 a.C. quando surgiram os Jogos Olímpicos da Antiguidade, em Olímpia, a Grécia. O evento prestava homenagens aos deuses gregos e só voltou a surgir 1503 anos depois.

O professor de relações internacionais do Centro Universitário Uninter de Curitiba e mestre em ciência política André Frota acrescentou à Sputnik Brasil que os jogos também são instrumentos para os países se projetarem internacionalmente nos dias de hoje.

"É uma forma de poder, mas não o tradicional (o bélico), e sim esse poder branco, de persuasão, convencimento e atração, para que as pessoas de identifiquem, gostem e tenham admiração pelos atletas que, na verdade, estão representando os próprios países", pontua.

Para o especialista, o objetivo dos jogos deve ser o oposto, que é colocar os países em um mesmo espaço sem ser um palco de guerra e beligerância. "Porém, eu acho que a gente tem que manter essa ideia da Olimpíada como um evento que tem por objetivo diminuir a fricção, diminuir a tensão dentro do ambiente internacional. Ele tem que servir exatamente como um mecanismo oposto do que a gente tem acompanhado, que são os dois principais conflitos acontecendo e o cenário de tensão entre as principais potências escalando ano após ano", argumentou.

Além disso, o professor afirmou que as Olimpíadas acabam refletindo um sistema internacional cada vez mais divisivo e separativo. "A gente tem que pensar que o sistema internacional não é baseado na justiça. Elas estão baseadas na força prioritariamente e boa parte do que nós vemos acontecendo no campo das relações internacionais não é o que nós gostaríamos que fosse, é tal como é. A possibilidade dos atletas russos participarem, por exemplo, acaba ficando prejudicada por, enfim, pelo grande conglomerado de países que veta a participação e vetou a participação desse país nas Olimpíadas de Paris", disse.

<><> Em que ano as Olimpíadas foram realizadas no Brasil?

Em 2016, o Brasil foi o primeiro país da América do Sul a receber uma edição das Olimpíadas, que ocorreram no Rio de Janeiro. O professor André Frota lembrou que uma parte da opinião pública brasileira foi bastante crítica com a realização dos jogos em um país com tantos problemas, mas que por outro lado, segundo o especialista, também é uma das maiores economias do mundo.

"Claro que nós temos contradições do ponto de vista econômico, há desigualdades estruturais que são bem difíceis de serem superadas. Mas isso não significa que o Brasil não tenha capacidade de promover eventos dessa natureza ou países em desenvolvimento também não. Acho que até é importante trazer Olimpíadas para os países em desenvolvimento até para tentar romper um pouco essa lógica de que só podem acontecer nos desenvolvidos", finalizou.

 

¨      As curiosidades políticas e sociais das Olímpiadas Paris 2024

Faltando pouco para a abertura oficial dos Jogos Olímpicos Paris 2024, que ocorre nesta sexta-feira, 26 de julho, a competição que reunirá mais de 10 mil atletas do mundo em 48 modalidades esportivas traz algumas novidades e curiosidades do campo político-social. O GGN reúne algumas delas, confira:

<><> 1) Paridade de mulheres

A primeira e principal novidade é que, após mais de um século de sua existência, as Olimpíadas 2024 terão paridade de homens e mulheres: os países são obrigados a enviar, pelo menos, mesma quantidade de atletas mulheres em comparação aos homens.

E o Brasil não só cumpriu a exigência, como ultrapassou a marca: pela primeira vez na história, as mulheres serão maioria na delegação brasileira. Do total de 277 atletas, 153 (53%) são mulheres.

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Mas o fenômeno não foi resultado de esforços diretos das entidades esportivas brasileiras, e sim porque as atletas mulheres foram as que mais se classificaram em esportes coletivos, como futebol, vôlei, handebol e hugby, do que os homens do país.

Ainda assim, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) comemorou o balanço como uma conquista no desenvolvimento do esporte feminino no Brasil.

#### Dica:

Estão entre algumas das destaques das competições a skatista Rayssa Leal, 16 anos, a atleta mais jovem a ganhar uma medalha pelo Brasil e a mais jovem atleta do país nas Olimpíadas, e a já campeã Ana Marcela, a primeira brasileira a ganhar uma medalha de ouro na maratona aquática nas Olimpíadas 2020 e campeã de maior nadadora de águas abertas do mundo por seis vezes.

<><> 2) Preocupação ambiental e social

Entre os esforços por medidas mais conscientes com o meio ambientel, a Vila dos Jogos Olímpicos foi construída com materiais ecológicos, 60% do cardápio dos jogos será vegetariano e como uma importante política sócio-urbana, após o evento esportivo, a Vila Olímpica se transformará em um novo bairro.

Anteriormente, o local de construção da Vila era uma área industrial sem uso de Paris. Após as competições, quando os milhares de atletas forem embora, o local batizado de Plaine Saulnier, localizado entre as cidades de Saint-Denis, Saint-Ouen-sur-Seine e L’Ile-Saint-Denis, será reocupado, com os 3 mil apartamentos em 40 edifícios tornando-se moradia para milhares de franceses.

<><> 3) Refugiados

Atentos aos grandes deslocamentos migratórios pelo mundo, em 2016, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, o Comitê Olímpico Internacional estabeleceu que atletas que não puderam mais participar de competições representando os seus países, ao serem forçados a abandonar suas nações, poderiam competir nas Olimpíadas pela Equipe Olímpica de Refugiados.

A nadadora síria Yusra Mardini, atualmente embaixadora da ACNUR, foi uma das competidoras de 2016. Fugindo do seu país na Guerra Civil, em 2015, ela e sua irmã atravessaram o Mar Egeu de bote, com outros 18 refugiados, para chegar à Grécia, quando o motor parou e o bote começou a encher de água. Nadadoras profissionais, ela, sua irmã e outras duas pessoas pularam no mar e empurraram o bote por mais de 3 horas até chegar à ilha de Lesbos. A sua história inspirou o filme “As Nadadoras” (2022).

Neste ano, 36 atletas integram a Equipe Olímpica de Refugiados e participarão dos Jogos de Paris, representando mais de 100 milhões de refugiados pelo mundo.

<><> 4) Atletas russos não poderão usar bandeira

A pressão internacional sobre o conflito Rússia e Ucrânia também chegou ao Comitê Olímpico Internacional (COI), que impôs uma série de regras para a participação dos atletas do país nas Olimpíadas, incluindo o apagamento da bandeira da Rússia.

Oficialmente, o país informa que não participará dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, afirmando ter sido banido da competição. Após a guerra com a Ucrânia, o COI sancionou o país e permitiu que os atletas participassem, mas com uma série de condições, entre elas o uso de uma bandeira “neutra”, sem representar a Rússia, além de serem impedidos de demonstrar apoio ou referências ao conflito na Ucrânia.

Assim, somente 16 atletas russos participarão das competições.

<><> 5) Bebidas alcoólicas proibidas

Esporte e violência é uma combinação, infelizmente, já conhecida dos torneios e competições, motivados, sobretudo, pelo consumo exacerbado de bebidas alcoólicas.

Mas já é lei na França, desde 1991, a proibição da venda de bebidas alcoólicas em eventos esportivos. O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Paris manteve a regra existente e não liberou o consumo junto às autoridades.

Uma exceção, contudo, gerou críticas: as áreas VIPs do Comitê Olímpico Internacional (COI), disponíveis em todos os locais de competição, pdoerão ter bebidas alcoólicas. Em 2019, a então ministra da Saúde francesa, Agnès Buzyn, tentou impedir a medida, mas sofreu derrota por pressão da indústria das bebidas.

 

¨      Como Paris está reforçando segurança para os Jogos Olímpicos

Um grupo de turistas desapontados olhava melancolicamente através do labirinto de cercas de metal que margeavam o rio Sena.

À frente deles, a catedral de Notre Dame e outros tesouros parisienses estavam, tentadoramente, fora do alcance.

“Não temos um código”, disse uma mulher do México, observando outras pessoas — munidas do QR Code de segurança necessário para acessar a área — passarem, com um sinal sonoro de aprovação, através de um posto de controle policial.

Mais abaixo, ao lado da Torre Eiffel, um casal cansado, arrastando grandes malas, fazia uma meia-volta numa calçada lotada para mudar a direção.

"Fechado. Vocês terão que contornar pelo outro lado”, acabara de lhes dizer um policial francês, apontando para o sul.

Enquanto Paris se prepara para revelar a sua cerimônia de abertura olímpica — uma extravagância fluvial que terá atletas em barcos polidos desfilando pelo coração da capital francesa na próxima sexta-feira (26/7) —, a polícia e as forças armadas do país estão fazendo os últimos ajustes para uma operação de segurança sem precedentes.

“Estamos prontos”, disse o sorridente presidente Emmanuel Macron, com a sua habitual postura aparentemente intacta após semanas de turbulência política provocada pela sua recente decisão chocante de dissolver o parlamento francês.

A operação de segurança — a expressão dificilmente faz justiça à sua escala — envolve o maior destacamento de forças de segurança em tempos de paz na história francesa, com até 75 mil policiais, soldados e guardas contratados para patrulhar Paris.

Estradas e estações de metrô foram fechadas. Cerca de 44 mil barreiras foram erguidas. E foi criado um elaborado sistema de QR Code para moradores e outras pessoas que procuram acesso ao rio Sena e às suas ilhas.

Tem havido, inevitavelmente, problemas iniciais e frustrações numa cidade que normalmente estaria repleta de turistas estrangeiros sem restrições de acesso.

“Estou um pouco preocupado. Nunca vi aqui tão calmo. Noventa por cento dos clientes já foram embora”, disse o garçom Omar Benabdallah, de 25 anos, examinando as mesas vazias na calçada de La Cité.

Mas as autoridades francesas insistem que o incômodo será breve — muitas das barricadas colocadas ao longo do Sena serão removidas após a cerimônia de abertura, e valerá a pena, com o mundo sendo presenteado com um espetáculo memorável que celebra a história e a beleza de Paris.

“Eu não descreveria isso como um pesadelo. Estamos focados e determinados”, disse o general Lionel Catar com um meio sorriso. Ele é responsável por coordenar o trabalho de cerca de 5.500 soldados franceses deslocados para a capital.

Catar reconheceu a escala “excepcional” da operação de segurança olímpica e paraolímpica, mas explicou que ela evoluiu a partir da Operação Sentinelle pré-existente na França, uma resposta de uma década a uma série de ataques mortais executados por grupos e indivíduos islâmicos.

“Temos equipes de desminagem. Temos equipes de cães. Existem sistemas anti-drone, radares e mergulhadores vigiando o rio Sena”, disse Catar.

A decisão de transferir a sede operacional dos arredores de Paris para a grande e extensa Ecole Militaire, atrás da Torre Eiffel, baseou-se no conselho da polícia do Reino Unido, após a sua experiência nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.

“Acho que a sede deles ficava um pouco longe do centro da cidade. Aconselharam-nos a estar próximos dos políticos responsáveis ​​e da polícia, afirmou.

Também participam da operação 1.750 policiais estrangeiros de dezenas de países, incluindo Reino Unido, Espanha, Alemanha, Coreia do Sul e Catar.

Cerca de 250 oficiais britânicos — e 50 cães policiais — estarão na França nas próximas semanas, alguns dos quais se juntarão às patrulhas francesas em torno do centro de Paris.

“Prevemos que quase meio milhão de cidadãos do Reino Unido venham assistir aos Jogos. É a primeira vez que conseguimos enviar agentes para um grande evento [no exterior] desta forma”, disse o Superintendente-Chefe Matt Lawler, chefe do Centro Nacional de Coordenação da Polícia.

Houve também cooperação militar direta entre a França e o Reino Unido em tecnologia anti-drone, especialmente durante a cerimônia de abertura.

As autoridades francesas dizem que não houve ameaças específicas contra os jogos, mas que estão preocupadas com o “terrorismo militarizado” — seja do exterior ou de dentro da França. Elas também estão focadas no risco de ataques cibernéticos que poderiam atingir sistemas de bilhetagem e outras infraestruturas.

Nos últimos meses, o governo manifestou uma irritação crescente diante do que acredita ser uma campanha online apoiada pelo Kremlin para suscitar receios exagerados sobre a segurança — e sobre a preparação francesa — para os Jogos Olímpicos.

“A interferência e a distorção de informação não estão sendo feitas apenas pela Rússia, mas também por outros países que estamos observando de perto. Não somos ingênuos. Esperamos que uma trégua olímpica seja observada…. por todos os países”, disse Gerald Darmanin, ministro do Interior da França.

Na manhã de terça-feira (23/7), nos arredores de Paris, um esquadrão de elite da polícia francesa realizou mais um treinamento para uma situação com reféns a bordo de um veículo.

Em meio a tiros e fortes explosões, a unidade — a mesma que respondeu ao ataque contra a boate Bataclan 2015 — resgatou atores civis presos em um ônibus.

“Passamos mais de dois anos nos preparando para esses Jogos. Esperamos que não tenhamos que tomar nenhuma atitude”, disse o comandante da unidade, Simon Riondet.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Jornal GGN/BBC News Mundo

 

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