terça-feira, 9 de julho de 2024

Fernando Nogueira da Costa: ‘Socialismo – idealização e realidade’

Karl Marx esboçou a ideia do socialismo como uma fase de transição entre o capitalismo e o comunismo, caracterizada pela ditadura do proletariado e pela abolição da propriedade privada dos meios de produção. No entanto, não fez uma descrição detalhada do funcionamento de uma sociedade socialista.

A “ditadura do proletariado” seria a classe trabalhadora (“proletariado”) assumir o controle do Estado e utilizar seu poder para abolir as relações de produção capitalistas. Não seria a ditadura de um partido único, mas sim diversos partidos de origem trabalhista se alternando no poder eleito.

Esta “ditadura do proletariado” em contraponto à “ditadura da burguesia”, até então vigente, seria uma fase transitória para a construção de uma sociedade sem classes. Marx não fez um reducionismo binário tipo “nós contra eles” sem sequer um terceiro incluído, tipo “a classe média”?

Abolição da propriedade privada dos meios de produção, na prática, alcançou até a casa própria! Isto sem falar em prestações de serviços pessoais com capital humano, isto é, capacidade de ganho com habilidade ou conhecimento pessoal.

A propriedade dos meios de produção seria coletivizada, com a posse e o controle passando dos capitalistas para os trabalhadores, gerido através de estruturas públicas ou cooperativas. Acabou em posse apenas da nomenclatura do partido único, sendo fonte de privilégios dessa tecnoburocracia.

A economia seria planejada, democraticamente, para satisfazer as necessidades da sociedade, em vez de ser orientada pelo lucro privado. Haveria um foco na produção e distribuição igualitária dos recursos – e não a ideia de um Comitê central dar conta de todas as decisões econômico-financeiras de uma sociedade complexa com milhares de agentes econômicos interativos.

A sociedade socialista deveria estimular o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, uma base tecnológica para aumento da produtividade e diminuição da jornada de trabalho alienante em favor de trabalho criativo. A abundância necessitaria superar a escassez, para criar uma base material suficiente, no sentido de avançar até o comunismo.

Como Marx supôs as classes sociais desaparecerem, o Estado, enquanto “instrumento de opressão de uma classe sobre outra” (ao contrário do visto no Estado de Bem-Estar Social), também desapareceria, culminando em uma sociedade comunista sem Estado. Nessa utopia – crítica à realidade –, Marx se iguala a anarquistas, senão a reles neoliberal na pregação de algo jamais ocorrido na sociedade humana: a abolição do Estado.

O termo “socialismo realmente existente” se refere às formas dele, implementadas no século XX, como na União Soviética, na China, em outros países asiáticos como Coreia do Norte, Vietnam e Laos, e apenas em Cuba no Ocidente. Essas experiências diferiram dos conceitos teóricos de Marx em vários aspectos.

Em vez de um Estado transitório, com a perspectiva de desaparecer com o tempo, os Estados socialistas se tornaram altamente centralizados e permanentes. A ditadura do proletariado, em quase todos os casos, transformou-se em ditadura de um partido único. A liderança do Partido Comunista preocupa-se, principalmente, com a manutenção do poder e da estrutura estatal.

Embora a economia planejada estivesse de acordo com a visão de Marx, a prática resultou em ineficiências no uso dos recursos escassos, burocratização e falta de inovação em busca de eficácia em seus fins. O planejamento central rígido, elaborado por uma tecnoburocracia, ignorou as necessidades e desejos dos cidadãos, levando à má alocação de recursos e consequente escassez de bens.

Em geral, a coletivização da agricultura e da indústria foi implementada de maneira coercitiva. Ao causar resistências diante da expropriação acabou por provocar tragédias humanitárias, como a fome durante a coletivização forçada, seja a soviética, seja a chinesa.

O socialismo real envolveu a repressão política e a violação de direitos humanos. Liberdades civis foram limitadas e a dissidência política foi assassinada.

A manutenção do poder por uma nomenclatura partidária contradizia a ideia de uma gestão democrática da economia e da sociedade. Embora visassem a igualdade, os regimes socialistas reais desenvolveram suas próprias formas de desigualdade, com essa elite política e burocrática desfrutando de privilégios.

As ideias de Marx sobre o socialismo eram idealizações utópicas, para criticar a realidade vivenciada em meados do século XIX, ainda sem conquistas sociais pelas lutas sindicais e de partidos de origem trabalhista. Ele sonhou com uma transição para uma sociedade sem classes e sem Estado. Pregou uma revolução proletária levar à abolição do capitalismo e ao desenvolvimento de uma sociedade baseada na cooperação e na igualdade.

O socialismo realmente existente, implementado no século XX, diferiu significativamente de suas ideias. Em vez de uma transição suave para o comunismo, as revoluções armadas colocaram militares no poder ao adotar medidas repressivas e centralizadoras. Afastaram-se da visão idílica de “socialismo científico”.

Enquanto Marx idealizou o socialismo como um estágio de transição para uma sociedade sem classes, o socialismo real apresentou uma versão autoritária. Foi influenciada pelas condições históricas e pelos desafios de governança, enfrentados pelos Estados ao implementar suas ideias de maneira forçada.

No contexto do socialismo real, a tentativa de combater a desigualdade por meio de políticas centralizadas levou à escassez. Em quase todos seus casos, a pobreza se generalizou.

O planejamento centralizado da economia, uma característica do socialismo real, resultou em ineficiências no uso dos meios escassos, devido à complexidade e à dificuldade de prever todas as necessidades e preferências da população. A falta de mecanismos de mercado para ajustar oferta e demanda levou a decisões centralizadas de produção sem corresponderem às necessidades reais, resultando em excesso de alguns bens e escassez de outros.

A administração centralizada e burocrática tornava o processo de tomada de decisão lento e rígido. A inovação e a adaptação às mudanças eram inibidas por estruturas administrativas burocráticas.

A eliminação da propriedade privada dos meios de produção e a tentativa de igualar rendimentos retiraram os incentivos econômicos para o trabalho árduo das pessoas e a inovação disruptiva por parte de empreendedores. Sem incentivos aos gestores e aos trabalhadores, para aumentar a produtividade e melhorar a eficiência, a produção estagnou, resultando em escassez de bens e serviços.

A coletivização forçada da agricultura levou à queda na produtividade agrícola. Os camponeses, desmotivados pela perda de propriedade privada e pela coerção estatal, resistiram ou diminuíram seus esforços. Na União Soviética e na China, a coletivização resultou em grande fome e declínio na produção agrícola.

O foco em eliminar desigualdades, independentemente da produtividade ou contribuição individual, resultou na alocação uniforme de recursos de maneira ineficaz. Esse igualitarismo forçado levou a uma situação na qual a motivação para trabalhar e inovar era reduzida, contribuindo para uma economia menos dinâmica.

O Estado autoproclamado socialista priorizou projetos de indústria bélica, inclusive a aeronáutica e a espacial, sobre as necessidades básicas dos cidadãos. A ênfase em grandes projetos de infraestrutura e indústria pesada desconsiderava a produção de bens de consumo, levando à escassez de produtos essenciais para a população. Subordinou as necessidades individuais ao “coletivo”, isto é, à prioridade estatal-militar.

A repressão política e a falta de liberdades civis também afetaram a economia. A ausência de uma sociedade civil ativa e crítica impediu a expressão de descontentamento e a correção de políticas econômicas ineficazes. O medo reduziu a iniciativa individual e a inovação, agravando os problemas econômicos.

A tentativa de erradicar a desigualdade por meio de um controle centralizado resultou em problemas estruturais de escassez e pobreza generalizada. A falta de incentivos econômicos, a ineficiência do planejamento central, a burocratização, a coletivização forçada e a repressão política contribuíram para um ambiente econômico onde a produtividade era baixa e a satisfação das necessidades da população era inadequada.

Cabe à esquerda mundial discutir se a prioridade de combater a desigualdade sem mecanismos de mercado e sem incentivos econômicos adequados resulta apenas em escassez e pobreza para quase toda a população. Os dogmas marxistas necessitam ser questionados.

 

•        O Trabalhismo venceu, mas não é um partido de esquerda. Por Ken Loach

A vitória dos trabalhistas não é motivo para comemorar. Bem, é uma boa notícia que os conservadores de direita tenham perdido, mas é uma má notícia que a direita e o Partido Trabalhista tenham vencido. Um partido neoliberal.

Acho que já faz algum tempo que está claro que eles venceriam, mas o que não está claro para quem não mora na Inglaterra é que hoje o Partido Trabalhista não é o partido dos trabalhadores, mas o das grandes empresas. É o partido dos grandes negócios.

O seu líder, Keir Starmer, é um oportunista. Ganhou a liderança do partido prometendo água, ferrovias e correios públicos, mas uma vez obtida, desconsiderou essas promessas: mais de 200 mil membros se desfiliaram depois de algumas semanas, foi uma espécie de expurgo. A tarefa de Keir Starmer era convencer os meios de comunicação de direita e a BBC de que o país estava seguro, que nada mudaria: aproximou-se cada vez mais dos conservadores, no final das eleições quase não havia diferença entre eles.

Que os ricos continuarão ricos. Não haverá propriedade pública, nem políticas radicais. O Reino Unido continuará a fornecer armas. Para Israel, por exemplo. Keir Starmer deveria ser um advogado dos direitos humanos, mas ignora os direitos dos palestinos e orgulhosamente se autodenomina um sionista. Ele é um homem de direita.

A esperança continua de esquerda, mas precisamos nos organizar. Um caminho existe, a classe operária tem a mesma força de sempre, porque faz tudo: produz serviços, transportes, tudo. Mas se não agir para proteger os seus interesses, cai na propaganda de extrema-direita, e isso destrói a esperança.

 Porque a extrema direita sempre apoiará o status quo, as grandes empresas. É dali que vem o dinheiro deles, mas os políticos de direita dirão o que a classe operária gosta de ouvir. No entanto, basta olhar para suas ações: eles são favoráveis a mais privatizações, eles destruiriam completamente o sistema de saúde pública.

O ex-líder trabalhista Jeremy Corbin foi eleito como independente. Eu o apoiei e também apoiei a sua candidatura publicamente. Veja, há uma coisa interessante: a votação trabalhista aumentou ligeiramente em termos proporcionais. Esta eleição não foi uma vitória dos Trabalhistas, mas uma rejeição dos Conservadores: as pessoas votaram em quem pudesse expulsá-los. Os Trabalhistas obtiveram um terço abundante, o que lhes dá uma grande maioria: é o sistema eleitoral.

Para ganhar as eleições hoje é não basta ser moderado, é preciso ser mentiroso. Keir Starmer não é um moderado, não é um centrista, mas sim um político de direita, intransigente e orientado para o livre mercado. Ele simplesmente se veste de maneira diferente. O Labour é um partido de negócios e reiteraram isso: não tributarão os lucros dos banqueiros, não aumentarão os impostos das grandes empresas. Farão crescer a economia à custa da Grã-Bretanha, lucrando com a força de trabalho, explorando os baixos salários e os sindicatos fracos. Keir Starmer não tem nada a ver com sindicatos, ele os ignora.

Não creio que Rishi Sunak, o primeiro-ministro que deixa o cargo, merecesse toda a hostilidade pessoal a que foi submetido, pois foram Boris Johnson e Liz Truss que destruíram os Conservadores.

Nigel Farage é um populista, uma espécie de Donald Trump. Um homem de direita que afirma falar em nome da classe operária, com quem você beberia alguma coisa. Obviamente, é uma fraude. O seu objetivo é dividir os trabalhadores, culpar os imigrantes e, ao mesmo tempo, cortar os impostos e acabar com os serviços públicos.

Le Pen e Bardella na França estão aí para negócios, estão com o capital, mas usam uma máscara e fazem-no muito bem. Mas ouvimos falar pouco de como a esquerda está se unindo na França: ela obteve mais votos do que Emmanuel Macron, mas fala-se apenas dele. Chamam Macron de centro, eu o chamaria de direita, como Starmer na Grã-Bretanha. Ao contrário da esquerda, a extrema direita não mudará o equilíbrio de poder e, embora desagradável, no final prefere-se a direita à esquerda, pois essa lhes tiraria o poder e a riqueza: foi isso que causou o fascismo e o nazismo.

Donald Trump é o desastre final, uma tragédia global. Mas os Democratas são mais uma vez muito de direita. Joe Biden claramente não consegue lidar com as coisas, é apenas um exemplo grosseiro de vaidade pessoal – os Democratas deveriam ter dito isso desde o início, mas os mecanismos financeiros e políticos são tão corruptos que não conseguem remover alguém que é claramente incompetente.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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