Fernando Nogueira da Costa: ‘Socialismo –
idealização e realidade’
Karl Marx esboçou a
ideia do socialismo como uma fase de transição entre o capitalismo e o
comunismo, caracterizada pela ditadura do proletariado e pela abolição da
propriedade privada dos meios de produção. No entanto, não fez uma descrição
detalhada do funcionamento de uma sociedade socialista.
A “ditadura do
proletariado” seria a classe trabalhadora (“proletariado”) assumir o controle
do Estado e utilizar seu poder para abolir as relações de produção
capitalistas. Não seria a ditadura de um partido único, mas sim diversos
partidos de origem trabalhista se alternando no poder eleito.
Esta “ditadura do
proletariado” em contraponto à “ditadura da burguesia”, até então vigente,
seria uma fase transitória para a construção de uma sociedade sem classes. Marx
não fez um reducionismo binário tipo “nós contra eles” sem sequer um terceiro
incluído, tipo “a classe média”?
Abolição da
propriedade privada dos meios de produção, na prática, alcançou até a casa
própria! Isto sem falar em prestações de serviços pessoais com capital humano,
isto é, capacidade de ganho com habilidade ou conhecimento pessoal.
A propriedade dos
meios de produção seria coletivizada, com a posse e o controle passando dos
capitalistas para os trabalhadores, gerido através de estruturas públicas ou
cooperativas. Acabou em posse apenas da nomenclatura do partido único, sendo
fonte de privilégios dessa tecnoburocracia.
A economia seria
planejada, democraticamente, para satisfazer as necessidades da sociedade, em
vez de ser orientada pelo lucro privado. Haveria um foco na produção e
distribuição igualitária dos recursos – e não a ideia de um Comitê central dar
conta de todas as decisões econômico-financeiras de uma sociedade complexa com
milhares de agentes econômicos interativos.
A sociedade socialista
deveria estimular o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, uma base
tecnológica para aumento da produtividade e diminuição da jornada de trabalho
alienante em favor de trabalho criativo. A abundância necessitaria superar a
escassez, para criar uma base material suficiente, no sentido de avançar até o
comunismo.
Como Marx supôs as
classes sociais desaparecerem, o Estado, enquanto “instrumento de opressão de
uma classe sobre outra” (ao contrário do visto no Estado de Bem-Estar Social),
também desapareceria, culminando em uma sociedade comunista sem Estado. Nessa utopia
– crítica à realidade –, Marx se iguala a anarquistas, senão a reles neoliberal
na pregação de algo jamais ocorrido na sociedade humana: a abolição do Estado.
O termo “socialismo
realmente existente” se refere às formas dele, implementadas no século XX, como
na União Soviética, na China, em outros países asiáticos como Coreia do Norte,
Vietnam e Laos, e apenas em Cuba no Ocidente. Essas experiências diferiram dos
conceitos teóricos de Marx em vários aspectos.
Em vez de um Estado
transitório, com a perspectiva de desaparecer com o tempo, os Estados
socialistas se tornaram altamente centralizados e permanentes. A ditadura do
proletariado, em quase todos os casos, transformou-se em ditadura de um partido
único. A liderança do Partido Comunista preocupa-se, principalmente, com a
manutenção do poder e da estrutura estatal.
Embora a economia
planejada estivesse de acordo com a visão de Marx, a prática resultou em
ineficiências no uso dos recursos escassos, burocratização e falta de inovação
em busca de eficácia em seus fins. O planejamento central rígido, elaborado por
uma tecnoburocracia, ignorou as necessidades e desejos dos cidadãos, levando à
má alocação de recursos e consequente escassez de bens.
Em geral, a
coletivização da agricultura e da indústria foi implementada de maneira
coercitiva. Ao causar resistências diante da expropriação acabou por provocar
tragédias humanitárias, como a fome durante a coletivização forçada, seja a
soviética, seja a chinesa.
O socialismo real
envolveu a repressão política e a violação de direitos humanos. Liberdades
civis foram limitadas e a dissidência política foi assassinada.
A manutenção do poder
por uma nomenclatura partidária contradizia a ideia de uma gestão democrática
da economia e da sociedade. Embora visassem a igualdade, os regimes socialistas
reais desenvolveram suas próprias formas de desigualdade, com essa elite política
e burocrática desfrutando de privilégios.
As ideias de Marx
sobre o socialismo eram idealizações utópicas, para criticar a realidade
vivenciada em meados do século XIX, ainda sem conquistas sociais pelas lutas
sindicais e de partidos de origem trabalhista. Ele sonhou com uma transição
para uma sociedade sem classes e sem Estado. Pregou uma revolução proletária
levar à abolição do capitalismo e ao desenvolvimento de uma sociedade baseada
na cooperação e na igualdade.
O socialismo realmente
existente, implementado no século XX, diferiu significativamente de suas
ideias. Em vez de uma transição suave para o comunismo, as revoluções armadas
colocaram militares no poder ao adotar medidas repressivas e centralizadoras.
Afastaram-se da visão idílica de “socialismo científico”.
Enquanto Marx
idealizou o socialismo como um estágio de transição para uma sociedade sem
classes, o socialismo real apresentou uma versão autoritária. Foi influenciada
pelas condições históricas e pelos desafios de governança, enfrentados pelos
Estados ao implementar suas ideias de maneira forçada.
No contexto do
socialismo real, a tentativa de combater a desigualdade por meio de políticas
centralizadas levou à escassez. Em quase todos seus casos, a pobreza se
generalizou.
O planejamento
centralizado da economia, uma característica do socialismo real, resultou em
ineficiências no uso dos meios escassos, devido à complexidade e à dificuldade
de prever todas as necessidades e preferências da população. A falta de
mecanismos de mercado para ajustar oferta e demanda levou a decisões
centralizadas de produção sem corresponderem às necessidades reais, resultando
em excesso de alguns bens e escassez de outros.
A administração
centralizada e burocrática tornava o processo de tomada de decisão lento e
rígido. A inovação e a adaptação às mudanças eram inibidas por estruturas
administrativas burocráticas.
A eliminação da
propriedade privada dos meios de produção e a tentativa de igualar rendimentos
retiraram os incentivos econômicos para o trabalho árduo das pessoas e a
inovação disruptiva por parte de empreendedores. Sem incentivos aos gestores e
aos trabalhadores, para aumentar a produtividade e melhorar a eficiência, a
produção estagnou, resultando em escassez de bens e serviços.
A coletivização
forçada da agricultura levou à queda na produtividade agrícola. Os camponeses,
desmotivados pela perda de propriedade privada e pela coerção estatal,
resistiram ou diminuíram seus esforços. Na União Soviética e na China, a
coletivização resultou em grande fome e declínio na produção agrícola.
O foco em eliminar
desigualdades, independentemente da produtividade ou contribuição individual,
resultou na alocação uniforme de recursos de maneira ineficaz. Esse
igualitarismo forçado levou a uma situação na qual a motivação para trabalhar e
inovar era reduzida, contribuindo para uma economia menos dinâmica.
O Estado
autoproclamado socialista priorizou projetos de indústria bélica, inclusive a
aeronáutica e a espacial, sobre as necessidades básicas dos cidadãos. A ênfase
em grandes projetos de infraestrutura e indústria pesada desconsiderava a
produção de bens de consumo, levando à escassez de produtos essenciais para a
população. Subordinou as necessidades individuais ao “coletivo”, isto é, à
prioridade estatal-militar.
A repressão política e
a falta de liberdades civis também afetaram a economia. A ausência de uma
sociedade civil ativa e crítica impediu a expressão de descontentamento e a
correção de políticas econômicas ineficazes. O medo reduziu a iniciativa
individual e a inovação, agravando os problemas econômicos.
A tentativa de
erradicar a desigualdade por meio de um controle centralizado resultou em
problemas estruturais de escassez e pobreza generalizada. A falta de incentivos
econômicos, a ineficiência do planejamento central, a burocratização, a
coletivização forçada e a repressão política contribuíram para um ambiente
econômico onde a produtividade era baixa e a satisfação das necessidades da
população era inadequada.
Cabe à esquerda
mundial discutir se a prioridade de combater a desigualdade sem mecanismos de
mercado e sem incentivos econômicos adequados resulta apenas em escassez e
pobreza para quase toda a população. Os dogmas marxistas necessitam ser
questionados.
• O Trabalhismo venceu, mas não é um
partido de esquerda. Por Ken Loach
A vitória dos
trabalhistas não é motivo para comemorar. Bem, é uma boa notícia que os conservadores
de direita tenham perdido, mas é uma má notícia que a direita e o Partido
Trabalhista tenham vencido. Um partido neoliberal.
Acho que já faz algum
tempo que está claro que eles venceriam, mas o que não está claro para quem não
mora na Inglaterra é que hoje o Partido Trabalhista não é o partido dos
trabalhadores, mas o das grandes empresas. É o partido dos grandes negócios.
O seu líder, Keir
Starmer, é um oportunista. Ganhou a liderança do partido prometendo água,
ferrovias e correios públicos, mas uma vez obtida, desconsiderou essas
promessas: mais de 200 mil membros se desfiliaram depois de algumas semanas,
foi uma espécie de expurgo. A tarefa de Keir Starmer era convencer os meios de
comunicação de direita e a BBC de que o país estava seguro, que nada mudaria:
aproximou-se cada vez mais dos conservadores, no final das eleições quase não
havia diferença entre eles.
Que os ricos
continuarão ricos. Não haverá propriedade pública, nem políticas radicais. O
Reino Unido continuará a fornecer armas. Para Israel, por exemplo. Keir Starmer
deveria ser um advogado dos direitos humanos, mas ignora os direitos dos
palestinos e orgulhosamente se autodenomina um sionista. Ele é um homem de
direita.
A esperança continua
de esquerda, mas precisamos nos organizar. Um caminho existe, a classe operária
tem a mesma força de sempre, porque faz tudo: produz serviços, transportes,
tudo. Mas se não agir para proteger os seus interesses, cai na propaganda de extrema-direita,
e isso destrói a esperança.
Porque a extrema direita sempre apoiará o
status quo, as grandes empresas. É dali que vem o dinheiro deles, mas os
políticos de direita dirão o que a classe operária gosta de ouvir. No entanto,
basta olhar para suas ações: eles são favoráveis a mais privatizações, eles
destruiriam completamente o sistema de saúde pública.
O ex-líder trabalhista
Jeremy Corbin foi eleito como independente. Eu o apoiei e também apoiei a sua
candidatura publicamente. Veja, há uma coisa interessante: a votação
trabalhista aumentou ligeiramente em termos proporcionais. Esta eleição não foi
uma vitória dos Trabalhistas, mas uma rejeição dos Conservadores: as pessoas
votaram em quem pudesse expulsá-los. Os Trabalhistas obtiveram um terço
abundante, o que lhes dá uma grande maioria: é o sistema eleitoral.
Para ganhar as
eleições hoje é não basta ser moderado, é preciso ser mentiroso. Keir Starmer
não é um moderado, não é um centrista, mas sim um político de direita,
intransigente e orientado para o livre mercado. Ele simplesmente se veste de
maneira diferente. O Labour é um partido de negócios e reiteraram isso: não
tributarão os lucros dos banqueiros, não aumentarão os impostos das grandes
empresas. Farão crescer a economia à custa da Grã-Bretanha, lucrando com a
força de trabalho, explorando os baixos salários e os sindicatos fracos. Keir
Starmer não tem nada a ver com sindicatos, ele os ignora.
Não creio que Rishi
Sunak, o primeiro-ministro que deixa o cargo, merecesse toda a hostilidade
pessoal a que foi submetido, pois foram Boris Johnson e Liz Truss que
destruíram os Conservadores.
Nigel Farage é um
populista, uma espécie de Donald Trump. Um homem de direita que afirma falar em
nome da classe operária, com quem você beberia alguma coisa. Obviamente, é uma
fraude. O seu objetivo é dividir os trabalhadores, culpar os imigrantes e, ao
mesmo tempo, cortar os impostos e acabar com os serviços públicos.
Le Pen e Bardella na
França estão aí para negócios, estão com o capital, mas usam uma máscara e
fazem-no muito bem. Mas ouvimos falar pouco de como a esquerda está se unindo
na França: ela obteve mais votos do que Emmanuel Macron, mas fala-se apenas
dele. Chamam Macron de centro, eu o chamaria de direita, como Starmer na
Grã-Bretanha. Ao contrário da esquerda, a extrema direita não mudará o
equilíbrio de poder e, embora desagradável, no final prefere-se a direita à
esquerda, pois essa lhes tiraria o poder e a riqueza: foi isso que causou o
fascismo e o nazismo.
Donald Trump é o
desastre final, uma tragédia global. Mas os Democratas são mais uma vez muito
de direita. Joe Biden claramente não consegue lidar com as coisas, é apenas um
exemplo grosseiro de vaidade pessoal – os Democratas deveriam ter dito isso
desde o início, mas os mecanismos financeiros e políticos são tão corruptos que
não conseguem remover alguém que é claramente incompetente.
Fonte: A Terra é
Redonda
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