'Esquerda precisa transmitir a ideia de que
mundo pode ser melhor', diz deputado alemão
A esquerda precisa se comunicar melhor e transmitir a ideia de que o mundo
pode e deve ser melhor. Essa foi uma das ideias defendidas pelo deputado
alemão Ferat Koçak, do partido de esquerda Die Linke.
Koçak veio ao Brasil
se encontrar com parlamentares e movimentos progressistas. Na última
sexta-feira (19) ele participou de debate sobre o avanço da
extrema direita no Ocidente, promovido pela Fundação
Rosa Luxemburgo, a Editora Expressão Popular, e o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
Ele conversou com
o Brasil de Fato pouco antes do evento.
<><> Leia
abaixo a íntegra da entrevista:
·
Ao verificar que havia
perdido as eleições francesas, a líder da extrema direita Marine Le Pen disse
que a "maré está subindo", sugerindo que é questão de tempo até eles
chegarem ao poder. Por que a extrema direita está avançando tanto na Europa?
Ferat
Koçak: A gente vê isso acontecendo agora na
Grã-Bretanha novamente, apesar do Partido dos Trabalhadores lá ter ganho,
muitos conservadores estão indo para a direita. A esquerda comemora ganhos que
não são vitórias. A direita, principalmente na Europa, se posiciona de tal
maneira que ela, com respostas simples, fala com aquela pessoa que não se sente
mais representada pelos políticos. Estão no poder com respostas simples, com
falas simples e acabam conquistando este público.
Na Alemanha,
principalmente, o que nós estamos vendo é que a direita está abordando temas
complicados de forma muito simplista, principalmente no que diz respeito a
preconceito, raça, gênero, racismo. Eles simplificam o problema de uma forma
extrema e dizem aquilo que as pessoas querem ouvir.
Nós, da esquerda, não
estamos mais atingindo o público. Nós vimos agora na França que sim, uma esquerda ainda pode atingir e ganhar, mas na
Alemanha nós não estamos mais conseguindo fazer isso.
·
E por quê?
Vou falar sobre a
esquerda daqui a pouco. Ainda sobre a direita, ela usa uma sensação de união
por meio de uma polarização simples entre nós e eles e acaba funcionando. Dá ao
cidadão a sensação de pertencer a um grupo.
Porque a direita pega
problemas sociais e se vende como única solução. Por exemplo, os aluguéis já
não conseguem ser mais pagos, a inflação está alta, as pessoas não conseguem
ter mais a mesma qualidade de vida. A aposentadoria já não basta mais para você
ter uma vida digna. O sistema de saúde na Alemanha está quebrado. Esses todos
são problemas sociais. Entretanto, a direita vem de que ela é a única solução
para isso.
·
Por que a direita
consegue vender e a esquerda não? A esquerda também acredita em soluções e que
o problema é causado pela direita, o liberalismo, mas não consegue transmitir
essa mensagem e está perdendo espaço.
Nós vemos o movimento
da sociedade como um todo, da esquerda para a direita. Isso também não passou
despercebido junto aos partidos da esquerda. As soluções que a esquerda hoje
oferece são socialdemocratas. É necessário, no meu ponto de vista, que a esquerda
volte aos seus valores básicos, que entenda que o homem, o animal e a natureza
não pode, nem devem, ser explorados para o benefício de poucos.
Nós perdemos essa
identidade como esquerda, de sermos os representantes da mudança. De longe,
somos vistos como sendo do establishment e a extrema direita é vista como
aquela que luta contra o establishment, contra a política, do jeito que é hoje.
·
Mas na Áustria, por
exemplo, a extrema direita chegou no poder no começo dos anos 2000 e não foi
bem. Voltou em 2018 e saiu de novo e ainda assim é bem votada. Eles já não
podem ser considerados novidade, são parte do establishment.
Na Áustria, venderam
muito bem a história de que a esquerda é culpada por tudo. Isso também está
acontecendo, de certa forma, na Alemanha. É importante para a esquerda voltar a
mostrar e vender a imagem de como o mundo pode mudar e ser melhor.
A AFD [partido de
extrema direita alemão] se fortaleceu muito com uma política anti-imigração. A
classe política tenta correr atrás fazendo coisas que são típicas da direita,
como investir mais na área militar e menos na estrutura social. Isso tudo fortalece
a direita.
Quero citar o exemplo
de Berlim e o setor de habitação. Foi aprovado um projeto para a desapropriação
de prédios para criar moradia, uma iniciativa radical que teve aprovação
popular de 96% dos eleitores. Só que a esquerda não consegue levar essas informações
para as ruas e reverter em votos.
Outro exemplo foi na
pandemia, quando a esquerda perdeu uma enorme oportunidade de criticar a
estrutura do sistema de saúde. Quem assumiu esse papel crítico foi a direita, o
povo entendeu que a AFD é que criticava o sistema de Saúde.
Nós precisamos voltar
a mobilizar as massas, fazer como o MST aqui, ir para as ruas. Precisamos ser
entendidos como um movimento e não perder tempo querendo chegar ao governo.
·
Qual o motivo para
tantas oportunidades perdidas? Seria reflexo de uma certa arrogância da
esquerda?
Não acredito que seja
arrogância necessariamente. Precisamos primeiro estabelecer o que é esquerda de
fato, porque os sociais democratas se intitulam de esquerda, os verdes, os
socialistas também. É preciso dar nome aos bois e estabelecer claramente o que
é esquerda.
Nós, na Alemanha,
carregamos um peso negativo com o termo socialista vindo da antiga Alemanha
Oriental, cujo regime assassinou pessoas. Isto é uma carga que nós carregamos.
Hoje em dia eu falo no socialismo democrático que consegue garantir as
necessidades básicas do cidadão.
Precisamos de exemplos
como na Áustria, onde os congressistas estão doando boa parte de seus salários
e recebendo somente quanto um trabalhador também ganharia, por exemplo. Eu
defendo isso na Alemanha e também defendo que a gente possa ter no máximo dois
mandatos, ou precisamos ter algum conceito que mostre ao público ou devolva a
credibilidade que nós tínhamos junto ao público. A gente vê claramente que isto
é possível.
·
O centro foi para a
direita e a esquerda foi para o centro. Você consegue pensar em exemplos atuais
que podem ser inspiradores para a esquerda?
O Mélenchon foi eleito
na França como parte de uma coalizão ampla, apesar de ter uma postura bastante
radical e fazer afirmações que nos surpreenderam na Alemanha. No Brasil também
foi formada uma coalizão ampla. Claro que isso pode dar certo por algum tempo,
mas depois a gente acaba ficando numa saia justa, trabalhar junto com liberais.
Não são os únicos
exemplos. Nós temos outros distritos em Berlim nos quais nós trabalhamos junto,
bem perto da população. Hamburgo é um exemplo, e os nossos companheiros lá
trabalham e têm bastante sucesso. Nós precisamos deixar de ser um partido de um
sistema parlamentarista para ser um partido que representa movimentos do povo.
E nós precisamos, como
partido, oferecer os nossos recursos para esses movimentos. Somente assim vamos
chegar às pessoas. E somente através das pessoas nós conseguiremos aumentar
nossa credibilidade.
¨ A China traça um mapa de percurso para sua economia indo até
2029. Por Pepe Escobar
Hong Kong situa-se bem
no coração do Leste Asiático – a meio caminho entre o Nordeste Asiático (Japão,
Coreias), e o Sudeste Asiático. A oeste, não apenas a China, mas a massa
terrestre da Eurásia, ligando-a à Índia, Pérsia, Turquia e Europa. A leste, o Pacífico
e a Costa Oeste dos Estados Unidos.
Além do mais, Hong Kong é o nó multipolar, multimodal (itálicos
meus) supremo: uma metrópole global forjada por rotas comerciais centenárias,
que atrai gente de todas as latitudes interessada em interconectar comércio,
ideias, tecnologias, navegação, commodities, mercados.
Reinventada agora para
a integração eurasiana do século XXI, Hong Kong tem todo o necessário para
lucrar com um importantíssimo nó da Área da Grande Baía, o centro ao sul que
impele a China ao status de superpotência econômica.
A sessão plenária
em Pequim foi um evento bastante sério e sóbrio – tentando alcançar
um equilíbrio entre um crescimento econômico sustentável e a segurança nacional
até 2029, quando o PCC celebrará seu 80º aniversário.
As proverbiais elites
compradoras, os quinta-colunistas e os sinófobos declarados de todo o Ocidente
vibraram com a atual desaceleração da economia chinesa – acompanhada de quedas
nas frentes financeira e imobiliária – correndo em paralelo a todas as cepas de
guerra híbrida destinadas a conter a China vindas de Washington.
Fato: o PIB chinês cresceu cerca de 5% no primeiro semestre e o
comunicado final da sessão plenária, divulgado ao final da reunião de quatro
dias, ressaltou que essa deve ser a meta "inabalável" também
para o segundo semestre.
A retórica oficial, é
claro, insistiu pesadamente no estímulo ao consumo interno e no "novo
ímpeto" a ser dado às exportações e importações.
Esse importante trecho
do comunicado final traz uma análise detalhada da insistência no
"socialismo com características chinesas":
"Temos que,
com toda a determinação, dar maior proeminência à reforma e ao amplo
aprofundamento das reformas, com vistas a fazer avançar a modernização chinesa,
a fim de melhor lidar com os complexos desdobramentos tanto internos quanto
internacionais, a nos adaptarmos à nova rodada de revoluções científicas e
tecnológicas e de transformações industriais, e a fazermos jus às
expectativas de nosso povo.
Foi
ressaltado que, a fim de aprofundar amplamente as reformas, devemos nos manter
comprometidos com o marxismo-leninismo, com o pensamento de Mao Tsetung, a
Teoria de Deng Xiaoping, a Teoria das Três Representatividades e a Perspectiva
Científica sobre Desenvolvimento, bem como implementar de maneira plena o
Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para
uma Nova Era.
Temos que
estudar e implementar de forma completa as novas ideias, pontos de vista e
conclusões do Secretário-Geral Xi Jinping sobre o amplo aprofundamento das
reformas e aplicar plena e fielmente em todas as frentes a nova filosofia de
desenvolvimento.
E, para simplificar
ainda mais, Xi de fato explicou tudo com algum grau de detalhe.
·
Esses Insuportáveis "Mercados"
Em nenhum outro lugar
do mundo iremos encontrar um governo focado em formular planos quinquenais para
o desenvolvimento econômico (a Rússia, atualmente, parece estar engajada em
suas primeiras tentativas) – abrangendo o desenvolvimento de terras rurais, reforma
tributária, proteção ambiental, segurança nacional, combate à corrupção e
desenvolvimento cultural.
O termo
"reforma" aparece nada menos que 53 vezes no comunicado final, o que
significa que – contrariamente ao que diz o proselitismo ocidental – o PCC está
firmemente decidido a aperfeiçoar a governança e aumentar a eficiência. E todas
essas metas têm que ser alcançadas – caso contrário, cabeças irão rolar.
Ciência e tecnologia,
novamente, ocuparão posição privilegiada no desenvolvimento da China, em uma
espécie de continuação da estratégia Made in China 2025. A ênfase, previsivelmente,
recairá sobre uma melhor integração da economia digital na economia real, no
aperfeiçoamento da infraestrutura e no aumento da "resiliência" na
cadeia de fornecimento industrial.
É fascinante observar
como o comunicado enfatiza a necessidade de "corrigir as falhas do
mercado" – um eufemismo para o turboneoliberalismo reinante. O que é
ressaltado é o "apoio inabalável e orientação" ao desenvolvimento do
"setor não-estatal", com Pequim garantindo que "todas as formas
de propriedade" na economia compitam de forma justa e "em pé de
igualdade".
A sessão plenária
poderia facilmente ser interpretada como um exercício calculado de paciência
taoísta. Segundo Xie Maosong, do Instituto Chinês para Inovação e
Estratégia de Desenvolvimento, da Academia Chinesa de Ciências, "Xi
afirmou repetidamente que a parte fácil da reforma foi concluída, e agora
navegamos em águas desconhecidas. O Partido deve ter cuidado com os passos a
serem tomados, particularmente agora, quando crescem os riscos externos.
Estamos também tocando os interesses constituídos de diversos grupos".
É que a obsessão da
Hong Kong turbocapitalista são os "mercados". Conversas com negociantes britânicos examinando a Ásia para seus clientes revelam que eles não têm tanto
interesse em investir na China – o que, no entanto, não desencoraja os
planejadores de Pequim. O que importa para o Politburo é como atingir as metas
econômicas, sociais, ambientais e geopolíticas estabelecidas por Xi para os
próximos cinco anos. Cabe ao mercado adaptar-se a elas.
É claro que os
planejadores de Pequim já vêm incorporando o fator Trump em sua equação geral.
O mantra ocidental de que a economia chinesa está tendo dificuldades para se
estabilizar talvez seja discutível. Mas a economia chinesa talvez esteja mesmo
em uma posição mais precária agora do que quando Trump deslanchou sua guerra
comercial em meados de 2018. O yuan pode
parecer estar mais pressionado devido ao hiato entre os custos dos empréstimos
nos Estados Unidos e na China.
Segundo uma estimativa
da JPMorgan, cada elevação de 1% nas tarifas no período de 2018-2019 da guerra comercial lançada pelos Estados
Unidos veio acoplada a um aumento de 0,7% do
dólar americano com relação ao yuan.
Trump pretende impor
uma tarifa de 60% sobre a quase totalidade dos produtos chineses. Isso levaria
a uma taxa de câmbio de aproximadamente 9 yuan por dólar, 25% menor que a
atual.
·
Leiam o Comunicado Inteiro e Mãos à
Obra
É muito esclarecedor
ficar cientes do que o chefe do executivo de Hong Kong, John Lee, disse
sobre a sessão plenária. Ele incentivou "todos os setores da
comunidade" a lerem o comunicado. E a elite empresarial de Hong Kong
captou o essencial da mensagem: eles a interpretaram como Pequim apostando mais
uma vez no papel central desempenhado por Hong Kong no desenvolvimento da Área
da Grande Baía.
Não poderia ser de
outro modo. Hong Kong, ressaltou Lee, é um "superconector" e um
"supergerador de valor agregado", ligando a China continental ao
Norte Global e ao Sul Global, e ainda atraindo investimentos externos de todos os tipos para
a China.
Compare-se isso com a
visão predominante sobre Hong Kong que circula nos círculos empresariais dos
Estados Unidos. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos em Hong Kong está
horrorizada, insistindo em que os empresários americanos realmente não entendem
a diretiva de Salvaguarda da Segurança Nacional aprovada em março último, que
complementou a Lei de Segurança Nacional adotada por Pequim em 2020.
Para Pequim, essas são questões de extrema gravidade para a segurança
nacional – que vão de sanções enérgicas contra a lavagem e dinheiro a evitar
que os proverbiais quinta-colunistas deslanchem uma revolução colorida como a
que quase destruiu Hong Kong em 2019. Não é de admirar que tantos investidores
americanos não entendam. Pequim não dá a mínima.
Agora, vejamos o que o
principal administrador de fundos mútuos tem a dizer a esse respeito. Zhang
Kun, gerente do Blue Chip Mixed Fund, controla quatro fundos com um total de
ativos no valor de 8,9 bilhões de dólares. Ele prefere apostar na meta de Pequim
de aumentar o PIB per capita para equipará-lo ao do Ocidente até 2035.
Se isso vier a
acontecer, com ou sem uma guerra comercial lançada pelos Estados
Unidos – e nada vai deter os chineses na
busca desse objetivo – o PIB per capita poderia ser de cerca de 30.000 dólares
(contra 12.300 dólares no ano passado, segundo think tanks chineses).
Os investimentos externos continuarão bem-vindos na China, através de Hong Kong ou
não. Mas, em todas as frentes, o que supera todo o resto é a segurança
nacional. Podemos chamar isso de um exercício prático de soberania.
Fonte: Brasil de Fato/Brasil
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