Economia neoclássica versus keynesiana
A ciência econômica
anda décadas a reboque da história. Muitos economistas, que se descrevem como
cientistas, não conseguem chegar a acordos básicos sobre quase nada em relação
às políticas econômicas. Sem uma teoria correta não se consegue uma prática
assertiva. Não havendo consenso sobre a teoria econômica, como se poderá levar
a cabo políticas econômicas eficazes?
Da economia clássica
derivaram, para um lado, a teoria econômica marxista ricardiana e, para outro,
a teoria econômica neoclássica. Esta última, dominou completamente o debate
econômico até a publicação, em 1936, da Teoria Geral, de John
Maynard Keynes.
Os pais da teoria
neoclássica foram os economistas clássicos do século XVIII, David Ricardo e
Adam Smith. Eles criaram as bases para a rationale do
laissez-faire, da não intervenção governamental na economia, da economia de
livre mercado, de “pleno emprego” e de “preços de equilíbrio”, propiciado pelo
conceito da mão invisível do mercado, com todos os agentes econômicos agindo
racionalmente com base nos seus próprios interesses.
A teoria keynesiana
questionou o conceito do laissez-faire com base no entendimento de que o mundo
não é governado de cima, de forma que os interesses privado e social sempre
sejam coincidentes. Segundo John Maynard Keynes, o conceito do laissez-faire teria
contribuído para o advento da recessão de 1929, pois o conceito de equilíbrio
do emprego e dos preços no longo prazo, propugnado pelo laissez-faire,
não era somente enganoso, mas também, muito perigoso.
A crise tinha causais
na gestão econômica, não tendo ocorrido por acidente; e a inação diante dos fatos
correntes poderia ser desastrosa, já que o longo prazo é um guia enganoso para
a realidade concreta dos negócios correntes. No final do século XX perfilavam
os monetaristas, os keynesianos neoclássicos e os Pós Keynesianos, num debate
interminável sobre os grandes problemas da economia: emprego, inflação e
dinheiro.
São descritas aqui as
diferenças/similaridades filosóficas e axiomáticas entre as diversas escolas,
enfatizada a importância da teoria na prática do dia a dia da política
econômica e levantados alertas do perigo, para a sociedade, de conceituações
teóricas equivocadas que permeiam a aplicação de políticas econômicas
enganosas.
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Teoria neoclássica x
teoria keynesiana
John Maynard Keynes
publicou sua Teoria Geral em 1936. A Europa, diferentemente
dos EUA, experimentou de 1922 a 1936 uma taxa de desemprego superior a 10% ao
ano. Nos EUA o mesmo não acontecia, sendo que no próprio ano de 1929 o
desemprego foi de apenas 3%. Contudo, do final de 1929 a 1933 a economia
americana despencou, com uma queda no PIB per capita de 52% no período. Em 1933
o desemprego foi da ordem de 25%. Tudo isso parecia indicar o completo fracasso
do sonho americano e da própria teoria neoclássica de equilíbrio.
Ainda assim, com todas
essas evidências, os economistas neoclássicos argumentavam tratar-se de uma
aberração temporária numa economia de livre mercado e que o elevado desemprego
não poderia persistir no longo prazo, sendo certa a tendência do mercado ao reequilíbrio
de preços e ao pleno emprego. Segundo eles, para se governar bem, deve se
governar menos. Intervenções econômicas só deteriorariam a situação momentânea
de desequilíbrio.
No entendimento de
Adam Smith, no livro A Riqueza das Nações, “cada indivíduo está
continuamente buscando descobrir o mais vantajoso emprego do seu capital,
vantagem para si e não para a sociedade. Ele visa somente seu próprio ganho,
mas ele é conduzido por uma mão invisível que promove um fim que não era a
intenção do indivíduo. Ele, na busca do seu interesse individual, termina
promovendo o interesse da sociedade como um todo, de forma mais eficaz do que
se ele quisesse conscientemente fazê-lo”.
A crença neoclássica
de que a economia de livre mercado inevitavelmente geraria pleno emprego e
prosperidade tem por base um “axioma” criado pelo economista francês Jean
Baptiste Say de que “produtos são sempre trocados por produtos”. Este conceito
foi refraseado pelo economista inglês James Mill como “a oferta cria a sua
própria demanda”, que passou a ser conhecida como a Lei de Say. No fundo,
produz-se coisas (oferta) que são colocadas no mercado para auferir-se renda
para comprar outros produtos no mercado (demanda).
Nesse sentido, nunca
haveria uma depressão pelo fato de a produção criar suficiente renda para
comprar tudo o que é produzido. Igualmente, nunca poderia existir desemprego já
que os empresários, visando lucro, sempre seriam capazes de encontrar demanda suficiente
para a venda dos produtos produzidos pelos trabalhadores. Nesta visão, bens são
trocados por bens. O dinheiro seria só um meio de troca para facilitar as
transações. Mudanças na oferta de dinheiro não afetariam variáveis
macroeconômicas como o nível de emprego e o produto agregado, já que o dinheiro
nada mais seria do que um véu atrás do qual funcionaria a economia real.
Posteriormente, esta
questão foi reconceituada, enfatizando o axioma técnico de neutralidade do
dinheiro, ao não afetar o emprego e a produção dos bens e serviços. Nesse
sentido, o aumento da quantidade de dinheiro na economia afetaria somente os
preços, causando inflação, já que haveria muito dinheiro tentando comprar
poucos bens e serviços.
John Maynard Keynes
pensava diferente. Em sua obra, rejeitou o conceito de neutralidade do dinheiro
e a Lei de Say, conceitos vigentes sem qualquer questionamento por mais de um
século. Segundo ele, um sistema onde o dinheiro não teria nenhuma outra interferência
que não a de apenas meio de troca, teoricamente, seria uma economia real de
troca que, na prática, não existe, já que o dinheiro tem implicações próprias
na economia, afetando motivações e decisões de curto e de longo prazo, o que
caracteriza uma economia monetária, na qual são peculiares os picos e os vales,
onde a influência do dinheiro não seria neutra, mas, ao contrário, poderia
afetar a produção.
·
John Maynard Keynes e
a crise de 1929
Durante os quatro anos
da administração Hoover nos EUA (1929-33) a economia americana sofreu uma
significativa deterioração, apesar da “certeza” dos economistas neoclássicos
que o aconselhavam de que um sistema de livre mercado, sem interferência
governamental, voltaria sozinho ao equilíbrio. Os produtores descobriram que
qualquer coisa que produzissem e colocassem no mercado sofreria deflação de
preços causando-lhes prejuízos.
Enquanto as pessoas
das cidades passavam fome, os fazendeiros das cercanias destinavam sua produção
para alimentar os porcos. O desemprego aumentou e a produção continuou em
queda. Mesmo assim, o presidente Hoover continuou seguindo seus assessores
neoclássicos, acreditando que a melhor solução seria de não intervenção na
economia que, no longo prazo, se ajustaria sozinha.
Nas eleições de 1932,
predominava o receio da revolução socialista, do anarquismo. O povo começou a
se manifestar, exigindo medidas urgentes. Acampados perto do Rio Potomac, em
Washington, os hoovervilles, como eram conhecidos, muitos dos quais veteranos
da 1ª. Guerra Mundial, foram reprimidos violentamente pelo General Douglas
MacArthur, que os dispersou a força.
Em 1933, com a eleição
de Franklin Delano Roosevelt Jr., instaurou-se o “New Deal”, que nada
mais era do que um conjunto de medidas legislativas de políticas
compensatórias. Ele sabia que se não tomasse medidas urgentes, o próprio
sistema capitalista americano estaria em risco. Roosevelt descartou os
neoclássicos e convocou jovens que ele definiu como o seu “Brain Trust”,
dentre os quais, o economista Rexford Tugwell e o advogado Adolf A.Berle, que
implantaram algumas ideias keynesianas de estímulo à economia.
O emprego foi
estimulado visando a criação de renda. Saiu de 39 milhões em 1933 para 51
milhões em 1941. A renda per capita cresceu 70% neste período. Roosevelt foi
reeleito com sobras, em 1940, para um inusitado terceiro mandato. O povo
americano estava convencido do sucesso do New Deal e da nova
economia política keynesiana.
A principal medida foi
o aumento da renda dos trabalhadores (conhecido como “pump-priming”), o
que encorajaria o retorno à produção por parte dos empresários,
retroalimentando a criação de novos empregos. Tratava-se, portanto, de
priorizar o bombeamento do coração da economia através da criação de empregos,
o que deu certo.
·
Os pós-keynesianos e
os keynesianos neoclássicos
A lógica
pós-keynesiana continuou negando a mais importante assertiva neoclássica de
neutralidade do dinheiro e, como consequência, a falsa conclusão de que uma
economia de livre mercado, no longo prazo, sempre asseguraria pleno emprego
daqueles que querem trabalhar.
Mesmo assim, a
economia neoclássica ficou de pé. Isto porque jovens economistas americanos,
ganhadores de Prêmios Nobel, como Paul Samuelson, do MIT, James Tobin, da Yale
University, além de outros como Hicks, Debreu e Arrow, com domínio da teoria
neoclássica e muito afiados no formalismo e rigor dos modelos matemáticos, se
desvencilharam da ortodoxia dos economistas neoclássicos tradicionais (Wilfredo
Pareto, Leon Walras, James Mill, entre outros), e buscaram amalgamar a análise
teórica neoclássica com as políticas keynesianas de incentivo governamental ao
emprego, ao investimento agregado e tratamento dos níveis de preços da
economia, desenvolvendo uma estrutura analítica, fortemente pautada em complexo
simbolismo matemático, que eles denominaram de Síntese neoclássica do
keynesianismo.
No fundo, eles
reduziram a teoria keynesiana a um manual de cura para os desequilíbrios de
curto prazo do sistema econômico que, no longo prazo, continuaria se
autorregulando. Segundo eles, as políticas de curto prazo se faziam necessárias
somente pela demora na correção dos desequilíbrios pelo próprio mercado, sendo
necessárias pequenas doses dos remédios keynesianos.
Assim, no pós-guerra,
o keynesianismo ficou voltado para os agregados macroeconômicos e os princípios
neoclássicos continuaram dominando a microeconomia dos agentes econômicos.
Contudo, na década de 1970, as fundações teóricas da economia neoclássica ampliaram
seus domínios, expandindo-se da teoria microeconômica (teoria do comportamento
de consumidores e produtores) para a macroeconomia (o estudo do comportamento
dos sistemas econômicos). Isto foi possível em função do firme propósito de
muitos dos consagrados economistas neoclássicos de transformar a economia em
ciência exata, buscando diferenciá-la da sociologia e da ciência política.
O modelo neoclássico
ganhou nova roupagem com o artigo do economista inglês John Hicks, de 1937,
denominado “Mr.Keynes and the Classics” que consistiu numa tentativa de
síntese neoclássica do keynesianismo, com seu famoso Sistema IS-LM, pretendendo
sumarizar os quatro pilares básicos da teoria keynesiana: I para Investimento,
S para a poupança, L para a demanda pela liquidez e M para a oferta de moeda.
Segundo Hicks seu Sistema IS-LM de equações simultâneas fornecia o arcabouço
matemático para a integração da teoria keynesiana como a modelagem matemática
da economia neoclássica, conhecida como a Teoria Geral do Equilíbrio, ou
também, Análise Walrasiana do Equilíbrio, já que foi o economista francês Leon
Walras (1834-1910) que desenvolveu a primeira versão matemática da teoria
neoclássica. Sir Hicks, posteriormente, foi ganhador do prêmio Nobel de 1972.
O sistema IS-LM passou
a ser uma “verdade universal” para a maioria dos economistas americanos,
levando o professor Martin Bronfenbrenner, da Duke University, a batizá-la como
a religião ISLAMic dos economistas. As Universidades incorporaram na sua literatura
os escritos dos keynesianos neoclássicos, desaconselhando a seus estudantes a
leitura pesada e tediosa da Teoria Geral de Keynes. Em seu
lugar, deviam se aprofundar no sistema Hickisiano IS-LM, que continha todas as
ideias importantes de Keynes.
O próprio Hicks,
posteriormente, reconverteu-se ao keynesianismo, ao afirmar que não estava
satisfeito com as premissas de seu modelo, pois ele violentava a ordem que os
eventos ocorriam no mundo real.
O economista
neoclássico James Tobin, Prêmio Nobel em Economia, comenta: “na versão moderna
da teoria neoclássica, onde ficaria a Mão Invisível?” Segundo ele, a boa
notícia é que a intuição de Adam Smith e seus seguidores pode ser rigorosamente
formulada e comprovada matematicamente; a má noticia, é que o teorema depende
de condições e premissas especiais, dificilmente comprováveis nos dias de hoje.
Já quanto ao princípio
de neutralidade do dinheiro, James Tobin o reconhece como falacioso, bastando
apenas atentar para a política monetária de expansão ou enxugamento da oferta
de dinheiro, tão correntemente aplicada na economia dos dias de hoje.Mas, como
ele mesmo diz, a teoria do equilíbrio geral tem sido o maior desafio para os
profissionais mais preparados em economia. Elegante, rigorosa, poderosa
matematicamente, a teoria vai longe, diferenciando-se das outras ciências
sociais e encantando a todos, muito mais pelos desafios do que propriamente
pela sua capacidade de equacionar quebra cabeças e problemas do mundo real. E
conclui: por isso, “o reconhecido irrealismo das suas premissas não vem ao
caso”.
Por seu lado, os
Keynesianos ingleses, dentre eles Sir Roy Harrod, da Oxford University,
Joan Robinson, Lord Richard Kahn e Lord Nicholas Kaldor, de Cambridge,
observaram que a revolução keynesiana alcançava tanto o plano teórico como as
políticas econômicas. Alertaram que a Teoria Geral de Keynes
mostrava a importância das instituições monetárias e financeiras no
funcionamento da economia real, onde o dinheiro é um aspecto necessário de uma
economia na qual o futuro é incerto.
Estes e outros muitos
ensinamentos keynesianos foram esquecidos, com a volta da predominância da
ortodoxia econômica. Nesse sentido, Joan Robinson acusou o Sistema IS-LM de
keynesianismo bastardo, já que teriam distorcido os ensinamentos de Keynes ao
aceitarem políticas de governo só para intervenções pontuais para aliviar
desequilíbrios de curto prazo no emprego e na renda. Posteriormente, o
verdadeiro keynesianismo foi revivido nos EUA pelo economista Sidney Weintraub
da Universidade da Pensilvânia e por seu aluno Paul Davidson.
Contudo, a vasta
maioria dos economistas abraçaram a economia neoclássica, especialmente em
períodos de performance econômica satisfatória. Somente em
períodos de crises econômicas é que alguns poucos economistas voltavam a
frequentar os princípios keynesianos. Com o advento da inflação na década de
1960 e depois com sua aceleração na década de 1970, houve a caracterização de
três linhas de pensamento: a pós- keynesiana, a keynesiana neoclássica e o
pensamento neoclássico mais puro e menos híbrido, conhecido como monetarismo,
capitaneada pelo contemporâneo de Keynes, Frederick Von Hayek e seu sucessor
Milton Friedman.
Nos dias de hoje, o
debate ainda continua, com idas e vindas nas políticas econômicas públicas. Na
economia real, o equilíbrio macroeconômico continua sendo vulnerável a muitos
tipos de fatores. A estagflação, que ainda continua sem uma explicação adequada,
trouxe ao cenário os monetaristas.
Mas uma coisa é certa.
Os salários e preços não dispõem da flexibilidade requerida pelos modelos
matemáticos neoclássicos. A preferência pela liquidez, ocorrida na crise de
1930, foi e é um fato relevante, e os estímulos monetários e fiscais, no velho
estilo keynesiano, estão na ordem do dia em todo o mundo. E isso para não falar
da comprovação cabal do fracasso da teoria quantitativa da moeda, após a crise
de 2008.
·
Futuro previsível ou
incerto?
A maioria dos
economistas reconhece que todas as teorias são abstrações e, portanto,
simplificações da realidade. A finalidade das teorias é buscar tornar o mundo
real compreensível, e não substituir o mundo real por um mundo ideal e
simplificado, somente para poder tratá-lo matematicamente. Milton Friedman,
autor da Metodologia da Economia Positiva parece não concordar
com isso. Segundo ele, a questão relevante a ser perguntada sobre as premissas
de uma teoria não é se elas são realistas, porque elas nunca são; mas, ao
contrário, é se elas são aproximações suficientemente boas do objeto em
questão.
Esta pergunta só pode
ser respondida ao se comprovar se a teoria funciona, ao produzir previsões
suficientemente acuradas do futuro. Para Friedman e seus seguidores, a
aceitação, sem questionamentos, dos axiomas e simplificações é condição básica
para a construção de qualquer teoria econômica de utilidade. O único teste é se
o modelo apresenta boas previsões sobre os eventos futuros. E, ainda, segundo
ele, os estudos realizados sobre mudanças nas quantidades de dinheiro, no longo
prazo, teriam efeito desprezível na renda; portanto, somente as variáveis não
monetárias teriam importância para a renda real, o que comprovaria a hipótese
da neutralidade do dinheiro sobre o produto.
Milton Friedman não
definiu e mensurou o que viria a ser longo prazo no seu modelo, deixando
obscuro o volume de evidências que teria de ser coletado para a comprovação da
hipótese da neutralidade do dinheiro na economia.
Os economistas
neoclássicos argumentam que, se a economia é uma ciência comparável à
astronomia (ou à física), ela também deve estar sujeita a regras ou leis
imutáveis e, portanto, sua posição futura poderá ser prevista. A pressuposição
básica é de que o futuro da economia já estaria predeterminado pela condição
existente no primeiro momento. É como se existisse na economia o princípio
determinístico do Big Bang de criação da existência, onde a
posição do instante inicial é determinante da posição de qualquer estrela ou
planeta no futuro. Por analogia, tendo em conta as expectativas racionais das
pessoas, também seria possível antecipar o futuro da economia.
O matemático inglês
Alan Turing, demonstrou que se a natureza sempre se comporta segundo regras e
leis matemáticas imutáveis, então, o futuro pode ser previsto lançando mão da
máquina de TURING, um aparato hipotético que funciona para qualquer cálculo matemático
em premissas e condições fixas. Os neoclássicos argumentam que descobriram e
desenvolveram um conjunto completo de leis econômicas exclusivas e imutáveis e
que, portanto, a pesquisa econômica pode e deve se dedicar a análises e
previsões à la Turing.
Desenvolveram-se
diversas teorias, todas baseadas nos mesmos princípios básicos, como o da
neutralidade do dinheiro, entre outros: equilíbrio geral Walrasiano, Sistemas
Arrow-Debrew, teoria das expectativas racionais, síntese neoclássica do
keynesianismo, monetarismo ou teoria do caos. Como definem Robert Lucas e
Thomas Sargent, a teoria neoclássica lida com modelos que constroem inferências
estatísticas sobre o comportamento futuro baseadas em séries temporais
passadas. A crença na possibilidade de uma economia empírica não experimental
fornece as bases para tais inferências, que permitem a construção de um modelo
decisório que pode ser confrontado com vários cenários e produzir respostas
para cada um.
Esta conceituação pode
ser entendida como darwiniana, onde só aqueles que, dispondo de intuições
corretas, teriam construído seus modelos decisórios baseados em expectativas
racionais. Aqui os empresários tomariam decisões como robôs lançando mão de
modelos matemáticos baseados em premissas comportamentais e séries históricas
passadas.
Para Keynes, ao
contrário, a economia é essencialmente uma ciência social e não uma ciência
natural. A crença na possibilidade de se prever condições econômicas futuras
como em leis estatísticas de probabilidade, subestima o papel e a importância
do erro humano e da ignorância sobre o futuro. Na verdade, o que deve ser
enfatizado é a evolução institucional e histórica do desenvolvimento econômico.
Para os keynesianos
não existem relações e correlações quantitativas imutáveis que permitam
previsões acuradas sobre o futuro. O lapso de tempo entre a decisão e o
resultado é um fato de fundamental importância. O lapso de tempo entre a
decisão de produzir e a efetiva disponibilidade do produto pode ser de semanas,
meses ou até anos. O tempo transcorrido entre a aquisição de um bem de capital
ou de consumo durável e seu efeito posterior produzindo lucro ou satisfação é
comumente medido em anos, para não dizer décadas.
Os eventos econômicos
são assimétricos; a verificação de eventos passados não pode assegurar sua
repetição no futuro, que é criado pela ação humana não sendo determinado por
qualquer lei econômica imutável e muito menos sendo passível de ser calculada
por qualquer máquina TURING. Aqui, os empresários vivem um cenário econômico de
incertezas sobre o futuro, não dispondo de modelos confiáveis para determinação
dos riscos de sucesso ou fracasso dos empreendimentos. Projetos de investimento
criam emprego e, em consequência, renda, ou demanda, para aquisição dos
produtos da própria e de outras indústrias. Segundo Keynes, o espírito
empresarial, que se caracteriza pela decisão de investir em longo prazo em
ambiente de incerteza, é a condição indispensável para a prosperidade numa
economia monetária.
Quando o investimento
declina, a economia se deteriora, trabalhadores perdem empregos, negócios são
fechados, e a produção decresce. Assim, para Keynes, a compreensão dos ciclos
econômicos de crescimento e depressão está intimamente ligada aos fatores que
levam os empresários a investir ou, alternativamente, postergar suas decisões
de investimento, preferindo a liquidez, o que tem a ver com o otimismo ou o
pessimismo dos empresários. Segundo Keynes, a postura mais ou menos arrojada
dos empresários deriva da emoção e cultura empresarial, denominadas por ele
como “espírito animal”, e não de modelagens matemáticas baseadas em medias
ponderadas de resultados multiplicadas pelas respectivas probabilidades
quantitativas de ocorrência.
Receios de perdas e
expectativas de lucro podem se alternar, não existindo nenhuma base real para
sua mitigação através de cálculos matemáticos. Portanto, investidores não são
máquinas TURING. As decisões de investimento são tomadas com base no espírito
animal, sabendo-se que não existem fórmulas para mitigação das incertezas sobre
resultados que só ocorrerão no futuro. As expectativas dos investidores são
dadas em ambiente de incerteza futura. Nesse contexto, elas podem ser
cautelosas, de espera, com clara preferência pela liquidez; ou arrojadas, seguindo
suas intuições, de escolha dos investimentos produtivos, ambas não
necessariamente plenamente racionais.
John Hicks, já na sua
fase final de reconhecimento da teoria keynesiana, diz que a economia se
diferencia das ciências naturais já que, em economia, diferentemente daquelas,
não se pode estar seguro de que um evento ou uma correlação existente no
passado permanecerá no futuro. Segundo ele, a economia está nas fronteiras da
ciência e da história.
Este entendimento
reforça a necessidade do estudo da evolução ao longo do tempo das instituições
e processos econômicos para o efetivo estabelecimento das políticas.
Os neoclássicos
keynesianos tentaram pacificar o impasse conceitual entre os neoclássicos e os
keynesianos, ao aceitarem as críticas keynesianas ao modelo de equilíbrio
reconhecendo a possibilidade de desequilíbrios no curto prazo, com a volta
autoajustável da economia ao equilíbrio no longo prazo. Mas isto está longe de
ser aceitável para os keynesianos.
De fato, para os
neoclássicos, a teoria keynesiana não substitui a teoria neoclássica. Para os
keynesianos a teoria neoclássica se baseia em axiomas inaplicáveis, não sendo
capaz de poder resolver problemas do mundo real. Mas continua valendo a máxima
imbatível keynesiana de que não adianta ficar esperando que a mão invisível
traga de volta a economia ao equilíbrio no longo prazo, pois, até lá, “todos já
estaremos mortos”.
Que fique bem claro
que os neoclássicos, no seu intento de desenvolvimento de uma análise precisa,
rejeitaram a realidade e verdades óbvias universais, agarrando-se na ficção,
pela fraqueza das premissas utilizadas, torturando os modelos matemáticos para
se “alcançar” os resultados por eles desejados.
Fonte: Por Marcos de
Queiroz Grillo, em A Terra é Redonda
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