Degradação dos recursos naturais
Publicado em março de
2024, o Relatório Panorama de Recursos Globais aponta que a extração de
recursos naturais triplicou nas últimas cinco décadas. Se no último artigo
tratamos dos angustiantes recordes nos indicadores climáticos, registrados em
2023 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), o presente estudo oferece
outra preocupante dimensão sobre a degradação do meio-ambiente: o acelerado
consumo e degradação dos recursos naturais.
O consumo global de
recursos cresceu de 30 bilhões de toneladas em 1970 para 106 bilhões em 2024 –
ou de 23 para 39 quilos de materiais usados em média por pessoa por dia. Sendo
que somente 10% destes recursos são reciclados, é perceptível como o modelo de
produção e consumo mundial ainda se baseia na necessária e contínua extração de
recursos naturais.
Conforme o relatório,
a construção dos equipamentos urbanos e dos sistemas de transporte, a produção
de alimentos e a geração de energia são responsáveis por aproximadamente 90% da
demanda global de material. Portanto, a pressão da demanda agregada de recursos
mundial tem sido reflexo do crescimento populacional e da economia, da
ampliação da urbanização e de sua “classe média”.
Entre 1970 e 2020, a
população urbana cresceu de 37% para 56%: uma população que exige maior consumo
de energia, água e materiais – inclusive para a construção da ampla
infraestrutura urbana –, como também gera maiores desperdícios de recursos e
poluição.
O relatório é
produzido desde 2007 pelo Painel Internacional de Recursos Naturais do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e os indicadores estão se
tornando cada ano mais críticos. A diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen,
não deixa margem à dúvida sobre a perigosa rota que a economia mundial segue:
“Neste momento (…) os recursos são extraídos, processados, consumidos e jogados
fora de uma forma que impulsiona uma tripla crise planetária – a crise das
alterações climáticas, a crise da perda de natureza e biodiversidade, e a crise
da poluição e desperdício. Devemos começar a usar os recursos naturais de forma
sustentável e com responsabilidade”.
O uso sustentável e
responsável dos recursos naturais transporta a temática para um campo movediço
das escolhas políticas e da distribuição dos recursos entre os indivíduos. Num
mundo em que a desigualdade econômica ainda preserva violenta diferença tanto
entre países, como também entre grupos sociais dentro dos próprios países, o
relatório advoga claramente contra o desigual acesso aos recursos. Países com
altas rendas, por exemplo, consomem em média seis vezes mais materiais per
capita e produzem dez vezes mais impacto climático do que os países de baixa
renda.
Assim, para atingir os
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a dissociação entre uso dos
recursos e a produção do bem-estar é condição fundamental para garantir a
melhoria de indicadores sociais, sem pressionar ainda mais o meio ambiente.
Conforme as modelagens
apresentadas pelo relatório é possível produzir reduções absolutas do consumo
dos recursos naturais em países de renda alta e média-alta, compensando o
aumento exigido para que países de renda baixa e média-baixa possam atender suas
demandas de bem-estar. Com maior eficiência energética, na produção de
alimentos e na extração de recursos, é possível alcançar taxas maiores de
crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano do que do crescimento do PIB
Global.
Nesse sentido, ainda
que o relatório não defenda as teses de decrescimento, suas considerações
apontam a necessidade de redistribuir as taxas (e os benefícios) do crescimento
econômico entre países de rendas mais altas para os de renda mais baixa.
A distribuição dos
usos dos materiais deve envolver uma segunda e complexa dimensão do
crescimento: a distinção entre os processos de produção e de consumo.
Observando os dados de produção e consumo de recursos naturais, a “pegada
material”, a participação da Ásia e dos países do Pacífico cresceu de 41% em
2000 para 56% em 2020. Vale lembrar das elevadas de taxas de crescimento da
economia chinesa na transição para o século XXI, o que explica essa elevada
demanda de material para a região.
Não obstante, ainda
que os países da Europa e da América do Norte tenham reduzido sua participação
de 19% para 11% no mesmo período, tendo deslocado parte de sua produção para
outras regiões, ainda são os maiores consumidores mundiais de materiais. Essa é
uma das questões centrais trabalhadas por autores que estudam a “pegada
ecológica”, que explicita a diferença entre espaços de extração dos recursos
materiais e os mercados consumidores destes materiais.
No sentido de reduzir
o stress na extração de recursos naturais, um conjunto de recomendações são
oferecidas no relatório: revisão do modelo agrícola dominante – monocultor e
intensivo em uso de produtos químicos – que é responsável pela perda de 90% da biodiversidade
mundial e pelo aprofundamento de crises hídricas; transição para uma
bioeconomia circular e sustentável, reduzindo o desperdício e os impactos
ambientais; e a descarbonização do sistema energético.
O desafio para
promover a reversão dessa tendência de elevação do consumo de recursos naturais
é enorme e depende de uma política efetivamente internacional. Considerando que
ainda nos baseamos em indicadores de crescimento econômico que estimulam o
intensivo uso de novos recursos, a manutenção do bem-estar dos países ricos,
como também a condição para a elevação do bem-estar dos países pobres parece
exigir a manutenção deste modelo predatório de interação no meio-ambiente. O
custo político para intervir no modelo parece alto, uma difícil equação entre
interesses nacionais e necessidades globais.
Não obstante, o
relatório aponta para um cenário possivelmente otimista que, em contraste com a
estrutura produtiva do século XX, a transição para um modelo sustentável parece
oferecer condições mais favoráveis para equilibrar taxas de crescimento econômico
com a moderação da pressão sobre os recursos naturais. Com a formulação e
articulação dos policymakers nas esferas locais, nacionais e internacionais, é
possível produzir uma agenda global de sustentabilidade, reduzindo os impactos
ambientais e garantindo a redução das desigualdades econômicas e sociais
mundiais.
Ao prefaciar o
relatório, Janez Potočnik e Izabella Teixeira, copresidentes do PNUMA,
sintetizam o desafio que temos pela frente: “Não devemos aceitar que a
satisfação das necessidades humanas tenha que exigir muitos recursos e devemos
parar de estimular o sucesso econômico baseado na extração”.
Fonte: Por Alexandre
Macchione Saes, em A Terra é Redonda
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