Centro Histórico de Salvador sobrevive em
meio à resistência cultural noturna, abandono e insegurança
O Centro Histórico de
Salvador fervilha e traz consigo toda a essência do povo baiano. Durante o dia,
as ruas estão cheias. As idas e vindas dos baianos e turistas mostram o fervor
da capital baiana, os sons dos tambores e cores vívidas. Mas, ao cair da noite,
nas ladeiras da região, as luzes amarelas dão um clima diferente do estilo
urbano.
A iluminação com um ar
vintage passa uma impressão de mistério, entre os becos mal iluminados,
casarões pichados e alguns pontos com cara de abandono. Esse outro lado do
Centro Histórico, aquele que poucos têm coragem de desvendar, é o principal
cenário da segunda parte da série de reportagens "Da Decadência Urbana às
Noites de Luxo no Centro de Salvador", produzida pelo BNEWS.
Durante uma caminhada
nas ladeiras do Centro Histórico de Salvador, entre um samba e outro, festas
LGBTQ+, batalhas de MCs, samba da resistência, além de outras ocupações da cena
alternativa cultural baiana, é preciso estar atento, já que o passeio noturno
guarda também “armadilhas”.
Quem anda por lá sabe
que precisa estar atento à movimentação, já que furtos podem acontecer em um
rápido vacilo. O ilustrador Daniel Daniel Cesart dá dicas do que fazer no
Centro Histórico. “Use doleira, porque aqui é essencial usar a doleira e não
dar mole com celular na mão. Ande em grupo e não entre nas vielas, fora isso dá
para se divertir”, aconselha.
Depois de entender
alguns pontos festivos para descontrair à noite, quando voltamos para o
Terreiro de Jesus, o papo no Cravinho ficou mais sério com o músico e
empresário, Diogo Sampaio. Ele conta que o centro precisa ser ocupado e sente
que os soteropolitanos têm um estigma do espaço, um preconceito do que se pode
encontrar no Pelourinho.
“A gente precisa tirar
essa mancha que existe do Pelourinho. O país inteiro vem para cá e o mundo
também. Se eu falar a você que o Pelourinho é violento, para mim não é isso”. O
amigo que estava na companhia dele, João Danilo, também músico, conta que a violência
urbana é encontrada em outros centros no território brasileiro.
“No centro de São
Paulo, por exemplo, em qualquer capital do Brasil, se você estiver com uma
corrente de ouro exposta, puxar seu iPhone e ficar se expondo demais, você está
sujeito a ser assaltado. Isso em qualquer metrópole do Brasil”, afirma.
A dupla de baianos
aborda um ponto importante: o esvaziamento e estigma na região. A reportagem,
ao chegar no espaço que guarda as memórias do crescimento do Brasil, notou o
vazio. Diferentemente do período dos festejos juninos e carnavalescos, momentos
em que as ruas ficam lotadas de baianos e turistas, quando passa o tempo do
forró e das serpentinas, o cenário fica deserto.
Homens e mulheres em
situação de rua, carregando sacolas plásticas e pedindo esmolas, são cenas
frequentes e visíveis. Além disso, os prédios antigos, sem revitalização,
apresentam escoras, com janelas e portas fechadas por tijolos. A hostilidade
também se faz presente nas esquinas. Homens que, ao avistar a equipe de
reportagem, começam a fazer ameaças questionando “quem está mandando filmar? Eu
não quero isso aqui, não”.
Até mesmo crianças,
meninos que poderíamos vislumbrar na obra de Jorge Amado, Capitães de Areia,
ficaram inquietos com nossa presença, falando que estavam sendo procurados por
vários homicídios a fim de amedrontar a equipe. Por outro lado, a Polícia Militar
e a Guarda Municipal ocupam o espaço circulando entre os becos e ruas
principais do centro.
De acordo com os
últimos dados publicados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia
(SSP-BA), os números de roubos e furtos no Centro Histórico de Salvador
apresentam uma redução. Uma queda de 56% no primeiro trimestre de 2024, na
comparação com o mesmo período do ano passado.
A porcentagem confere
com a realidade? Eis a questão! Durante as entrevistas com os frequentadores,
eles alertaram que, para quem vai às primeiras vezes no lugar, é necessário
tomar precauções e que já ouviram histórias de furtos. Porém, hoje, a maior reclamação
é referente às pessoas que transitam na rua pedindo dinheiro.
Débora Barreto,
vendedora ambulante, é cria do Pelô e tem muita história para contar. “A antiga
faculdade de Medicina era onde ficava o Nina Rodrigues. Quando criança, na
brincadeira, eu pulava o muro para olhar os estudantes examinando os corpos”,
conta ao relembrar os tempos em que aprontava na infância.
Ela explica que as
pessoas em situação de vulnerabilidade acabam espantando a clientela. “Os
pedintes estão demais. Aqui deveria ter algum órgão que levasse eles e tomasse
conta deles, para ver se melhorava. Fazer um curso ou dar uma profissão a eles.
Porque, às vezes, isso [situação de vulnerabilidade] assusta as pessoas”,
avalia a ambulante.
Outros donos de
comércio também relatam para nossa equipe sobre o trabalho de assistência
social e inclusão, já que alguns afirmam que a segurança vem melhorando; porém,
os “pedintes têm sido uma dor de cabeça”.
Para quem circula
pelas ruas, não é difícil comprovar essa situação citada pelos comerciantes. Em
pontos mais luxuosos, como na Praça Castro Alves, em frente a um famoso hotel
no prédio histórico, a reportagem flagrou, um homem dormindo na parada de ônibus,
cercado por materiais recolhidos do lixo, entre papelões, enrolado em uma
coberta cinza — imagem que contrasta com a grande e robusta hospedaria.
Além das atividades
comerciais, hoteleiras, turísticas e das festividades, existe a ação de garotas
de programa. As mulheres que andam à noite em busca de trabalho não são mais
vistas comumente na região central. Hoje em dia, há outros meios de chamar a atenção
da clientela.
Uma delas conversou
brevemente com nossa equipe de reportagem e explicou sua situação. “Não dá para
ficar no centro de bobeira, mas que a movimentação melhora mesmo no verão;
enquanto isso, fico em outros lugares”, contou.
O vazio da energia dos
baianos também é percebido por Edir Pereira, baterista que atua na região.
Sempre que tem uma folga, continua no centro em busca de arte. No Samba da
Resistência, encontrou o compasso, mas lamenta que nada tenha sido feito pelos
poderes públicos nos tempos de “baixa estação”.
“Aqui no Pelourinho,
quando chega o final de semana, a partir das 10h e à tarde, a praça não tem um
evento cultural. Tem que ter, porque vem muita gente de outra cidade ou
estrangeiros que só vêm ao Pelourinho durante o dia, à noite, eles não querem
ficar aqui. O que eu quero dizer é que precisa de mais cultura”, avalia o
músico.
A questão cultural e
socioeconômica é uma sombra que paira sobre o Centro Histórico de Salvador há
anos. O esvaziamento de vida e cultura na região reflete a necessidade urgente
de revitalização e inclusão, para que o passado histórico possa novamente pulsar
com a energia de seu povo.
Fonte: BNews
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