segunda-feira, 22 de julho de 2024

Centro Histórico de Salvador sobrevive em meio à resistência cultural noturna, abandono e insegurança

O Centro Histórico de Salvador fervilha e traz consigo toda a essência do povo baiano. Durante o dia, as ruas estão cheias. As idas e vindas dos baianos e turistas mostram o fervor da capital baiana, os sons dos tambores e cores vívidas. Mas, ao cair da noite, nas ladeiras da região, as luzes amarelas dão um clima diferente do estilo urbano.

A iluminação com um ar vintage passa uma impressão de mistério, entre os becos mal iluminados, casarões pichados e alguns pontos com cara de abandono. Esse outro lado do Centro Histórico, aquele que poucos têm coragem de desvendar, é o principal cenário da segunda parte da série de reportagens "Da Decadência Urbana às Noites de Luxo no Centro de Salvador", produzida pelo BNEWS.

Durante uma caminhada nas ladeiras do Centro Histórico de Salvador, entre um samba e outro, festas LGBTQ+, batalhas de MCs, samba da resistência, além de outras ocupações da cena alternativa cultural baiana, é preciso estar atento, já que o passeio noturno guarda também “armadilhas”.

Quem anda por lá sabe que precisa estar atento à movimentação, já que furtos podem acontecer em um rápido vacilo. O ilustrador Daniel Daniel Cesart dá dicas do que fazer no Centro Histórico. “Use doleira, porque aqui é essencial usar a doleira e não dar mole com celular na mão. Ande em grupo e não entre nas vielas, fora isso dá para se divertir”, aconselha.

Depois de entender alguns pontos festivos para descontrair à noite, quando voltamos para o Terreiro de Jesus, o papo no Cravinho ficou mais sério com o músico e empresário, Diogo Sampaio. Ele conta que o centro precisa ser ocupado e sente que os soteropolitanos têm um estigma do espaço, um preconceito do que se pode encontrar no Pelourinho.

“A gente precisa tirar essa mancha que existe do Pelourinho. O país inteiro vem para cá e o mundo também. Se eu falar a você que o Pelourinho é violento, para mim não é isso”. O amigo que estava na companhia dele, João Danilo, também músico, conta que a violência urbana é encontrada em outros centros no território brasileiro.

“No centro de São Paulo, por exemplo, em qualquer capital do Brasil, se você estiver com uma corrente de ouro exposta, puxar seu iPhone e ficar se expondo demais, você está sujeito a ser assaltado. Isso em qualquer metrópole do Brasil”, afirma.

A dupla de baianos aborda um ponto importante: o esvaziamento e estigma na região. A reportagem, ao chegar no espaço que guarda as memórias do crescimento do Brasil, notou o vazio. Diferentemente do período dos festejos juninos e carnavalescos, momentos em que as ruas ficam lotadas de baianos e turistas, quando passa o tempo do forró e das serpentinas, o cenário fica deserto.

Homens e mulheres em situação de rua, carregando sacolas plásticas e pedindo esmolas, são cenas frequentes e visíveis. Além disso, os prédios antigos, sem revitalização, apresentam escoras, com janelas e portas fechadas por tijolos. A hostilidade também se faz presente nas esquinas. Homens que, ao avistar a equipe de reportagem, começam a fazer ameaças questionando “quem está mandando filmar? Eu não quero isso aqui, não”.

Até mesmo crianças, meninos que poderíamos vislumbrar na obra de Jorge Amado, Capitães de Areia, ficaram inquietos com nossa presença, falando que estavam sendo procurados por vários homicídios a fim de amedrontar a equipe. Por outro lado, a Polícia Militar e a Guarda Municipal ocupam o espaço circulando entre os becos e ruas principais do centro.

De acordo com os últimos dados publicados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), os números de roubos e furtos no Centro Histórico de Salvador apresentam uma redução. Uma queda de 56% no primeiro trimestre de 2024, na comparação com o mesmo período do ano passado.

A porcentagem confere com a realidade? Eis a questão! Durante as entrevistas com os frequentadores, eles alertaram que, para quem vai às primeiras vezes no lugar, é necessário tomar precauções e que já ouviram histórias de furtos. Porém, hoje, a maior reclamação é referente às pessoas que transitam na rua pedindo dinheiro.

Débora Barreto, vendedora ambulante, é cria do Pelô e tem muita história para contar. “A antiga faculdade de Medicina era onde ficava o Nina Rodrigues. Quando criança, na brincadeira, eu pulava o muro para olhar os estudantes examinando os corpos”, conta ao relembrar os tempos em que aprontava na infância.

Ela explica que as pessoas em situação de vulnerabilidade acabam espantando a clientela. “Os pedintes estão demais. Aqui deveria ter algum órgão que levasse eles e tomasse conta deles, para ver se melhorava. Fazer um curso ou dar uma profissão a eles. Porque, às vezes, isso [situação de vulnerabilidade] assusta as pessoas”, avalia a ambulante.

Outros donos de comércio também relatam para nossa equipe sobre o trabalho de assistência social e inclusão, já que alguns afirmam que a segurança vem melhorando; porém, os “pedintes têm sido uma dor de cabeça”.

Para quem circula pelas ruas, não é difícil comprovar essa situação citada pelos comerciantes. Em pontos mais luxuosos, como na Praça Castro Alves, em frente a um famoso hotel no prédio histórico, a reportagem flagrou, um homem dormindo na parada de ônibus, cercado por materiais recolhidos do lixo, entre papelões, enrolado em uma coberta cinza — imagem que contrasta com a grande e robusta hospedaria.

Além das atividades comerciais, hoteleiras, turísticas e das festividades, existe a ação de garotas de programa. As mulheres que andam à noite em busca de trabalho não são mais vistas comumente na região central. Hoje em dia, há outros meios de chamar a atenção da clientela.

Uma delas conversou brevemente com nossa equipe de reportagem e explicou sua situação. “Não dá para ficar no centro de bobeira, mas que a movimentação melhora mesmo no verão; enquanto isso, fico em outros lugares”, contou.

O vazio da energia dos baianos também é percebido por Edir Pereira, baterista que atua na região. Sempre que tem uma folga, continua no centro em busca de arte. No Samba da Resistência, encontrou o compasso, mas lamenta que nada tenha sido feito pelos poderes públicos nos tempos de “baixa estação”.

“Aqui no Pelourinho, quando chega o final de semana, a partir das 10h e à tarde, a praça não tem um evento cultural. Tem que ter, porque vem muita gente de outra cidade ou estrangeiros que só vêm ao Pelourinho durante o dia, à noite, eles não querem ficar aqui. O que eu quero dizer é que precisa de mais cultura”, avalia o músico.

A questão cultural e socioeconômica é uma sombra que paira sobre o Centro Histórico de Salvador há anos. O esvaziamento de vida e cultura na região reflete a necessidade urgente de revitalização e inclusão, para que o passado histórico possa novamente pulsar com a energia de seu povo.

 

Fonte: BNews

 

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