sábado, 6 de julho de 2024

Bolsonaro indiciado: da fuga para os EUA às investigações sobre furto de joias e vacinas

Em dezembro de 2022, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva se preparava para assumir a Presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) viu seu plano de golpe, planejado pela cúpula, ser frustrado. À época, ele deixou o país rumo aos Estados Unidos, levando consigo jóias pertencentes à presidência e uma carteira de vacinação contra a Covid-19 falsificada para facilitar sua entrada no país.

O pedido de indiciamento do ex-mandatário foi concluído hoje e está programado para ser enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) nos próximos dias. Além de Bolsonaro, a Polícia Federal incluiu na lista de indiciamentos outros aliados e auxiliares do ex-presidente, como os advogados Fabio Wajngarten e Frederico Wasseff.

<><> Veja o cronograma da Polícia Federal que levou ao indiciamento de Jair Bolsonaro nesta quinta-feira, dia 4 de julho

•           Joias roubadas

Agora em fase final de investigação, o grande volume de material obtido pela PF em suas diligências fez com que o prazo para encerramento sobre o caso das joias obtidas ilegalmente por Jair Bolsonaro, a princípio previsto para maio desde ano, fosse adiado. Bolsonaro era investigado por apropriação indevida de joias e outros artigos de luxo dados como presente ao Estado brasileiro por governos de outros países em viagens oficiais.

De acordo com o que foi divulgado pela PF à época, o ex-mandatário e sua esposa, Michelle Bolsonaro, entraram no país da América do Norte em dezembro de 2022 com joias milionárias dadas pelo governo da Arábia Saudita, sendo que algumas delas teriam sido vendidas. Em depoimento recente à PF, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que trocou mensagens com um potencial comprador das joias e declarou que seguia as orientações de Bolsonaro. Disse, ainda, que chegou a ir pessoalmente a uma loja nos EUA para negociar um relógio de luxo, avaliado em R$ 350 mil na época.

Naquela ocasião, Cid foi detido. Quatro meses depois, ele firmou um acordo de delação premiada. O escândalo do esquema de venda de artigos de luxo nos EUA veio à tona a partir da Operação Lucas 12:2, realizada pela Polícia Federal em agosto de 2023, com mandados expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Os alvos, todos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, são suspeitos de terem se apossado de bens valiosíssimos do Estado brasileiro, dados por autoridades estrangeiras, que estariam sendo vendidos no exterior para que o dinheiro fosse entregue ao ex-ocupante do Palácio do Planalto. A ida dele para os EUA, em 30 de dezembro de 2022, ainda no cargo, teria sido para utilizar o avião presidencial no esquema, apontam os documentos do inquérito.

•           Diretor da PF: nova joia "robustece" investigação

Para Andrei Rodrigues, o diretor-geral da PF, a nova joia recentemente descoberta “robustece a investigação” que pode levar Bolsonaro à cadeia e pode resultar no indiciamento do ex-presidente por peculato, com pena de 2 a 12 anos de prisão e multa. Caso a sentença seja superior a 8 anos, Bolsonaro terá que cumprir pena em regime fechado - ou seja, na cadeia.

"A nossa diligência localizou que, além dessas joias que já sabíamos que existiam, houve negociação de outra joia que não estava no foco dessa investigação. Não sei se ela já foi vendida ou não foi. Mas houve o encontro de um novo bem vendido ou tentado ser vendido no exterior", explicou o diretor da PF. As investigações apontam que emissários de Bolsonaro tentaram vender quatro joias nos EUA: duas presenteadas pela Arábia Saudita e outras duas pelo Bahrein. Para a PF, trata-se de organização criminosa montada em torno do ex-presidente com o objetivo de desviar os objetos de luxo.

Relógios das marcas Rolex e Patek Philippe, avaliados em 68 mil dólares à época, ou R$ 347 mil, foram vendidos para a empresa Precision Watches. Mauro Cid esteve pessoalmente em Wilson Grove (Pensilvânia) pra fazer o negócio. Os federais estão em posse de um comprovante de depósito encontrado no celular do ex-ajudante de ordens. Leia mais nesta matéria da Fórum.

Nas investigações conduzidas nos EUA, os agentes ainda conseguiram imagens inéditas do "kit ouro branco", com anel, caneta, abotoaduras e um rosário islâmico cravejados de diamantes, levadas em 2022 por Bolsonaro. O kit incluia ainda o Rolex que foi vendido ilegalmente na Pensilvânia e recomprado pela organização criminosa após o início das investigações. O conjunto, recebido em visita oficial a Arábia Saudita em outubro de 2019, foi avaliado em mais de R$ 500 mil.

As joias foram vendidas de forma ilegal para a loja "Goldie's", em Miami, na Flórida, pelo tenente coronel Mauro Cid, que chegou a ser preso duas vezes e firmou acordo de delação premiada com a PF. Os agentes conseguiram imagens de anúncios de revenda das joias, que comprova a negociata ilegal.  A operação, realizada em parceria com o FBI (Agência Federal de Investigação dos EUA), ainda obteve documentos que comprovam a ação da quadrilha comandada por Bolsonaro na venda das joias da União. Leia mais nesta reportagem da Fórum.

•           Fraude no cartão de vacina

Em maio de 2023, a Polícia Federal confirmou que Bolsonaro adulterou o cartão de vacinação e deflagrou a Operação Venire. Moraes assinou as ordens contra os alvos da investigação. O ex-presidente passou uma temporada em solo estadunidense com documento falsificado, o que, inclusive, é crime federal no país que o recebeu. Como mostra essa reportagem da Fórum. As adulterações aconteceram entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, quando Bolsonaro ainda era presidente. A corporação investigava uma quadrilha suspeita de inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e  Rede Nacional de Dados em Saúde.

As adulterações, de acordo com a PF, tiveram como objetivo "alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, a condição de imunizado contra a Covid-19 dos beneficiários". Na época, o ex-presidente teve os dados adulterados para conseguir viajar para os Estados Unidos, país que na época exigia a imunização para entrada de estrangeiros.

"Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de covid-19", disse a PF em nota, na época. Em janeiro deste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) confirmou que o único registro no cartão de vacinação contra a Covid-19 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi fraudado.

Mauro Cid, Jair Bolsonaro, Gutemberg Reis e familiares teriam se beneficiado do esquema. De acordo com os dados registrados no ConecteSUS, Bolsonaro teria se vacinado com duas doses da Pfizer. A primeira em 13 de agosto de 2022 no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias e a segunda em 14 de outubro no mesmo local.

Os dados foram inseridos apenas em dezembro daquele ano e apagados menos de uma semana depois. Gutemberg Reis seria um possível elo de conexão entre Bolsonaro e Duque de Caxias, segundo a PF. Além de também ter recebido um certificado de vacinação falso, Gutemberg é irmão do secretário de Transportes do município onde os dados falsos foram inseridos.

•           Minuta do golpe

Em fevereiro deste ano, a PF também deflagrou a Operação Tempus Veritatis e deu prosseguimento à investigação da tentativa de golpe em 2022. A investigação focou na elaboração de um documento que visava decretar estado de exceção no país e anular a eleição vencida por Lula. Em uma "manifestação na Paulista" no mesmo mês, o ex-presidente reconheceu a existência da minuta do golpe, mas afirmou que seu objetivo não era dar um golpe.

Além de longos ataques ao PT e ao governo Lula, o inelegível ainda aproveitou sua tentativa de demonstração de força na Paulista para defender os terroristas condenados no 8 de janeiro pedindo uma lei de anistia para os criminosos que, possivelmente, também o protegeria da iminente prisão. "Já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil. Agora pedimos a todos os deputados e senadores um projeto de anistia", disse Bolsonaro, se referindo à Lei da Anistia do pós-ditadura.

Sobre a minuta, o inelegível afirmou que "golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil". Afirmou que a minuta não quer dizer nada, porque era apenas a declaração de um estado de sítio depois das eleições em que a então oposição venceu. "Golpe usando a Constituição? Tenha santa paciência", disse Bolsonaro. Três minutas golpistas foram encontradas, nesse meio tempo, com Bolsonaro e seus aliados. Em 8 de fevereiro, ele foi alvo de busca a apreensão em sua residência de Angra dos Reis, no litoral fluminense. Na mesma data foram cumpridos 33 mandados de busca e apreensão e 4 de prisões preventivas.

Em 15 de março deste ano, após o ministro Alexandre de Moraes levantar o sigilo de 27 depoimentos concedidos no âmbito do inquérito que abrange a Operação Tempus Veritatis, o teor exato do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que o ex-presidente Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças Armadas para dar um golpe de Estado no Brasil e implantar uma ditadura, rompendo com 37 anos de vigência democrática no país.

O texto do decreto de GLO tinha um aspecto surreal, citando uma miscelânia de delírios como “moralidade”, a “antiguidade clássica”, “jurista alemão da Segunda Guerra Mundial”, entre outros pontos desconexos, tudo num malabarismo retórico primário que pretendia dar um verniz para a ação golpista. O Supremo Tribunal Federal era o alvo central dos ataques, o tempo todo referido como “imoral” e protagonista de “ativismo judicial”.

•           Pela lei, Bolsonaro pode ser condenado a até 12 anos de cadeia por fraude em cartão de vacinas

A Polícia Federal concluiu nesta quinta-feira (4) os pedidos de indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) relativos aos inquéritos das joias e das fraudes nos cartões de vacinação – ambos correlacionados no contexto de sua fuga aos EUA às vésperas da posse de Lula (PT) em primeiro de janeiro de 2023. Os pedidos já estão programados para serem enviados à Procuradoria-Geral da República (PGR), que fará uma análise da documentação e decidirá se oferece ou não uma denúncia contra o ex-presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com a PF, a falsificação dos cartões de vacinação tinha como objetivo burlar regras sanitárias relativas à pandemia de Covid-19 e garantir que Bolsonaro pudesse entrar nos EUA, sem que tivesse maiores problemas. O país exigia a imunização de estrangeiros à época e, mesmo portando um passaporte diplomático, Bolsonaro preferiria não correr certos riscos.

Foi também nos EUA, onde o tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens, e outros assessores e aliados, teriam tentado vender as joias desviadas do acervo da Presidência da República.

Só o caso da falsificação dos cartões de vacinação, talvez a conduta mais leve dessa trama, Bolsonaro pode definitivamente correr o risco de passar longos anos na cadeia. Conforme seu indiciamento, ele responde pelo crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, estabelecido pelo artigo 313-A do Código Penal.

O crime prevê penas de 2 a 12 anos de prisão, e multa. As penas variam a depender dos agravantes e Bolsonaro pode ter dois acrescidos contra si: o fato de os dados fraudados serem de sistema público, do Ministério da Saúde, e a relação entre a falsificação e a ida aos EUA para vender as joias.

O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, deu seu parecer ao Estadão sobre o possível futuro do ex-presidente. "Existe toda uma gravidade diferenciada. Por exemplo, ele era chefe de Estado, supostamente usou para fins específicos, e isso pode aumentar a pena", explicou.

Kakay não acredita que o ex-presidente se safe com uma pena mínima e aponta que, caso a condenação seja maior que 4 anos, Bolsonaro terá de começar a cumprir a pena em regime fechado. Além disso, se condenado Bolsonaro fica inelegível automaticamente por 8 anos por conta da Lei da Ficha Limpa. A pena não é acumulativa, o que o mantém sem direitos políticos até 2030, conforme decisão do Tribunal Superior Eleitoral. No entanto, caso haja uma reviravolta no TSE

Bolsonaro também responde, no mesmo inquérito, pelo crime de associação criminosa, descrito pelo artigo 288 do Código Penal. Nesse caso, Kakay não tem dúvidas de que uma possível pena vá para mais de 6 anos de prisão. As penas previstas vão de 5 a 10 anos, e multa.

•           Bolsonaro pode pegar até 32 anos de prisão só no caso das joias

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) pegará entre 10 e 32 anos de reclusão se for condenado no caso das joias sauditas, de acordo com a legislação vigente.

Nesta quinta-feira (4) a PF finalizou o inquérito das joias sauditas e indiciou doze envolvidos, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro. A PF vê indícios de Bolsonaro e seus aliados “atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente para posteriormente serem vendidos no exterior”.

Para a PF, há indícios de que Bolsonaro e aliados atuaram para desviar os presentes recebidos em razão do cargo que ocupavam.

A pena mais rígida é de associação criminosa (art. 288-A, do Código Penal). Quando três ou mais pessoas se associam para prática criminosa, poderão pegar entre cinco e dez anos de reclusão e multa.

Caso fique comprovado que Bolsonaro ocultou ou dissimulou “a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, poderá ser condenado entre três e 10 anos. Há ainda previsão de pagamento de multa para lavagem de dinheiro.

Por fim, o crime de peculato está previsto no artigo 312 do Código Penal. “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”, diz a lei. Para o crime, a pena varia entre dois e 12 anos de reclusão.

Além do ex-chefe do Executivo, foram indiciados o próprio Wajngarten, o advogado Frederick Wassef e outros 9 investigados:

•           Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, ex-ministro de Minas e Energia – indiciado por peculato e associação criminosa;

•           José Roberto Bueno Junior, ex-chefe de gabinete de Bento Costa – indiciado por peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa;

•           Julio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal – indiciado por peculato, lavagem de dinheiro, crime funcional de advocacia administrativa perante a administração fazendária;

•           Marcelo da Silva Vieira, capitão de corveta da reserva ex-chefe do setor de documentação histórica da presidência Rio – peculato e associação criminosa;

•           Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e delator – peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa;

•           Marcos André dos Santos Soeiro, ex-assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque – peculato e associação criminosa;

•           Osmar Crivelatti, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro – lavagem de dinheiro e associação criminosa;

•           Mauro César Lourena Cid, general pai de Mauro Cid – lavagem de dinheiro e associação criminosa;

•           Marcelo Costa Câmara, coronel ex-ajudante de ordens de Bolsonaro – lavagem de dinheiro.

<><> “Conselho jurídico não é crime”

Fabio Wajngarten, advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, classificou seu indiciamento pela Polícia Federal no caso das joias sauditas como uma iniciativa “arbitrária, injusta e persecutória”. Enquadrado pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, ele diz que foi indiciado “por cumprir a lei”. “Conselho jurídico não é crime”, reagiu.

O advogado postou um longo texto em seu perfil no X endereçando pesadas críticas à PF e ao delegado que o indiciou, de quem não citou o nome. “Recorrerei a todas as instâncias da Justiça para conter o abuso de poder e essa atitude arbitrária de um integrante da PF, que não pode ser confundido com a corporação como um todo”, narrou.

O advogado de Bolsonaro sustenta que foi indiciado por “defender um cliente”.

“Sendo específico: fui indiciado pela razão bizarra de ter cumprido a Lei! Explico. Minha orientação advocatícia foi a de que os presentes recebidos pelo ex-presidente da República fossem imediatamente retornadas à posse do Tribunal de Contas da União, em defesa de qualquer dúvida sobre questionamentos em relação ao interesse público. E conselho jurídico não é crime. Minha sugestão foi acolhida e os presentes entregues imediatamente e integralmente recolhidos ao TCU”, narrou.

Wajngarten afirma que vai recorrer à Ordem dos Advogados do Brasil para “garantir seu direito constitucional de trabalhar sem intimidações”.

“A PF sabe que não fiz nada a respeito do que ela apura, mas mesmo assim quer me punir porque faço a defesa permanente e intransigente do ex-presidente Bolsonaro. Se a intenção é a de me intimidar, não conseguirão”, diz.

<><> O que diz Frederick Wassef

“Como advogado de Jair Messias Bolsonaro, venho a público reafirmar que não foi Jair Bolsonaro e nem o coronel Cid quem me pediram para comprar o Rolex. Eu estava em viagem nos Estados Unidos por quase um mês e apenas pratiquei um único ato, que foi a compra do Rolex com meus próprios recursos, para devolver ao governo federal. Entreguei espontaneamente à Polícia Federal todos os documentos que provam isto. Nem eu e nem os demais advogados do ex-presidente tivemos acesso ao relatório final, o que choca a todos, o vazamento à imprensa de peças processuais que estão em segredo de justiça. Estou passando por tudo isto apenas por exercer advocacia em defesa de Jair Bolsonaro.”

 

Fonte: Fórum/CNN Brasil

 

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