Às vésperas da eleição na Venezuela, Maduro
sobe o tom e Brasil reage
O Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) anunciou, nesta quarta-feira (24), que não irá enviar
observadores para acompanhar a eleição presidencial da Venezuela, que
acontecerá no domingo (28). A decisão é uma reação às últimas críticas do
presidente venezuelano Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido) ao sistema
eleitoral brasileiro.
Na terça-feira (23), o
mandatário venezuelano afirmou que seu país tem “o melhor sistema eleitoral do
mundo”, com 16 auditorias. “Onde mais no mundo se faz isso? Nos Estados Unidos?
O sistema eleitoral é inauditável. No Brasil? Eles não auditam um único registro”,
disse em comício.
De fato, como já informado pela ComunicaSul, o
sistema eleitoral na Venezuela “trata-se, se não do mais seguro, de um dos mais
seguros em todo o mundo”. No caso do Brasil, Maduro afirmou que não há
auditoria uma vez que não há comprovante físico do voto, ao contrário da
Venezuela. Contudo, TSE brasileiro já explicou que, apesar disso, há vários
níveis de auditagem no país que tornam o sistema confiável.
“Em face de falsas
declarações contra as urnas eletrônicas brasileiras, que, ao contrário do que
afirmado por autoridades venezuelanas, são auditáveis e seguras, o Tribunal
Superior Eleitoral não enviará técnicos para atender convite feito pela
Comissão Nacional Eleitoral daquele país para acompanhar o pleito do próximo
domingo“, afirmou o TSE em nota.
Para o historiador,
Fernando Horta, Maduro foi equivocado ao subir o tom contra o Brasil, tendo em
vista o papel democrático do presidente brasileiro na América Latina.
“Na América Latina não
há hoje um fiel democrata, um símbolo designativo de estrutura democrática,
mais do que o apoio do presidente Lula e isso seria suficiente para que o
Maduro entendesse o tamanho da bobagem que fez (…) Maduro jamais deveria abrir
guerra contra o Brasil”, afirmou Horta, em entrevista ao jornalista Luís
Nassif, no programa TVGGN 20H, exibido na noite de ontem (24), no Youtube.
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Interpretações e equívocos
Diante da proximidade
das eleições venezuelanas, Maduro tem feito declarações um tanto quanto
polêmicas. No fim da semana passada, ele afirmou que se não ganhar a eleição,
haverá um “banho de sangue” na Venezuela.
A grande mídia
brasileira tem tratado a fala como uma ameaça. Horta, no entanto, pondera que
há outras interpretações, como tem colocado apoiadores do líder venezuelano. “O
Maduro disse exatamente isso: ‘se eles ganharem – obviamente a extrema direita
-, haverá um banho de sangue’. Agora, quem dará esse banho de sangue? Tudo fica
na péssima construção que o Maduro fez da frase“, pontuou o especialista.
“É possível se
interpretar essa frase da forma como os apoiadores de Maduro estão, dizendo que
ele denunciou a violência que virá por uma oposição caso ele perca a eleição.
Mas também é possível entender essa frase a partir da interpretação que a
imprensa brasileira está dando, ou seja, que Maduro ameaçou o povo”,
explicou.
“Se colocar as
vírgulas erradas, você interpreta de diferentes formas e um cara como Maduro,
com a experiência dele, não pode construir uma fala dessa maneira, porque não
fica claro se há uma denúncia que a violência virá pelos possíveis vencedores
da eleição ou se ele está criando um sentido de medo contra a oposição”,
acrescentou.
Horta destacou ainda
que, na sua avaliação, “quem está certo nessa história é o presidente Lula,
porque ou a jogamos por um sistema democrático em que não juntamos, sob
hipótese alguma, a ideia de eleição com a ideia de violência, ou jogamos pelos
sistemas ditatoriais”.
“O Maduro erra feio
quando passa a atacar o nosso sistema eleitoral, sem nenhum tipo de informação.
Isso não tem como defender e nós temos simplesmente que dizer ‘desculpa, mas
nessa dança eu não entro’”, completou.
¨ Mídia mente, Lula acredita e se equivoca; Maduro não disse que
se perder haverá banho de sangue, diz Vanessa Martina
“CNN, Folha,
Metrópoles… estão mentindo descaradamente”, afirma a analista política Vanessa
Martina-Silva sobre as matérias recentemente publicadas no Brasil sobre uma
declaração dada por Nicolás Maduro durante um comício em Caracas em 17 de
julho.
Na ocasião, o líder
venezuelano usou os termos “guerra civil” e “banho de sangue”.
Em vídeo publicado
nesta terça-feira (23) no canal da Diálogos do Sul Global no
YouTube, Martina-Silva denuncia como a grande mídia brasileira
descontextualizou a fala, que tem um total de 1 hora e 21 minutos, para
associar o chavismo e o atual presidente da Venezuela e candidato à reeleição à
ideia de um regime ditatorial e sanguinário.
“Precisamos analisar
as informações para não sermos enganados pelo que a grande mídia está
divulgando”, segue a jornalista, que está na capital venezuelana para cobrir as
eleições presidenciais que acontecem do próximo domingo, 28 de julho.
Para elucidar a
questão, Martina-Silva expõe o trecho do pronunciamento de Maduro, no qual o
presidente afirma:
“O destino da
Venezuela no século 21 depende da nossa vitória em 28 de julho. Se vocês não
querem que a Venezuela caia numa guerra civil ou num banho de sangue produto
dos fascistas, temos que garantir o maior êxito, a maior vitória da história
eleitoral do nosso povo”.
Conforme explica a
editora da Diálogos do Sul Global, Maduro fez referência a episódios do
passado recente da Venezuela, em 2014 e 2017, quando opositores do chavista
organizaram motins que deixaram dezenas de mortos.
Os protestos de 2014,
por exemplo, vieram após as eleições legislativas de 2013, quando Maduro venceu
por menos de 1% dos votos.
“O que aconteceu: a
oposição não reconheceu os resultados, foi pras ruas, houve protestos violentos
chamados Garimbas, mais de 100 pessoas morreram”, lembra Martina-Silva.
Na época, ruas foram
bloqueadas com arame farpado e houve casos de motociclistas degolados. “É a
isso que Maduro está se referindo: se a vitória não for contundente, vai ser
como em 2014, um banho de sangue”, explica a jornalista.
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Comentário de Lula sobre fala de Maduro
Vanessa Martina-Silva
também comenta a declaração de Lula sobre a fala de Maduro.
O presidente do Brasil
se disse “assustado” e afirmou que “quem perde as eleições, toma um banho de
voto” e que “Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica, quando você
perde, você vai embora”.
A jornalista aponta
que as palavras de Lula são corretas se analisadas de forma literal. Porém, com
uma observação mais atenta, é possível apontar que levam em conta as
informações disponíveis na internet e divulgadas pela grande mídia, e não o
panorama da política e da história venezuelanas.
“Espero que Lula tenha
se equivocado. Isso é muito triste, porque o Presidente da República precisa
ter responsabilidade, ainda mais no Brasil”, observa a repórter.
E acrescenta: “Maduro
tem estado em dois ou três estados por dia. Se as eleições fossem uma fraude,
ele poderia fazer campanha tranquilo em Caracas, e não estar viajando de forma
frenética como está”.
·
Divulgar para derrotar a manipulação
“As frases não podem
ser tiradas de contexto. Existe texto, contexto, subtexto, história. Nada está
isolado no mundo”, reforça Vanessa Martina-Silva no vídeo elucidativo.
Ela pede àqueles que
compreenderam a explicação e o contexto da fala de Nicolás Maduro que
compartilhem para que mais pessoas fiquem a par da realidade dos fatos e não
caiam nas alegações feitas pela grande mídia brasileira.
“Acompanhem a nossa
cobertura aqui na Venezuela, teremos nos próximos dias bastante conteúdo”,
finaliza.
¨ Vitória da oposição na Venezuela é discutível. Por Eduardo Vasco
Dez candidatos,
apoiados por 38 partidos, participam das eleições presidenciais deste ano na
Venezuela. É consenso, no entanto, que a disputa se centra em apenas dois: o
presidente Nicolás Maduro e o principal bloco opositor, a Plataforma de Unidade
Democrática (PUD), cujo candidato é Edmundo González Urrutia.
Todas as pesquisas de
intenção de voto colocam esses dois candidatos na ponta da disputa. Mas a
oposição radical, agrupada na PUD, e a imprensa internacional, só levam em
consideração as pesquisas que indicam a vitória de González Urrutia.
Alguns exemplos são o
instituto Delphos, que afirma que o opositor tem 59,1% das intenções de voto,
contra 24,6% de Maduro; Consultores 21, que dá entre 55% e 60% de preferência
para Urrutia e de 25% a 28% para Maduro; Hercon Consultores, que sugere que
68,4% votarão em Urrutia e somente 27,3% votarão em Maduro; e ORC Consultores,
que indica um apoio de 59,6% dos eleitores para Urrutia e apenas de 12,5% para
Maduro.
Embora se diga que
esses são os institutos mais confiáveis, “esquece-se” que são dirigidos por
pessoas com posições políticas acentuadamente antichavistas, como Saúl Cabrera,
da Consultores 21, Oswaldo Ramírez, da ORC Consultores, Luis Vicente León, da Datanálisis,
além de Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos da UCAB. Eles
vêm dando declarações públicas endossando o resultado questionável de suas
pesquisas, ou seja, que González Urrutia é franco favorito contra Nicolás
Maduro, e que só maquinações políticas com o uso do aparato do Estado podem dar
uma vitória ao atual presidente.
“As pesquisas estão
sendo sistematicamente usadas como arma de propaganda eleitoral para gerar um
clima de opinião sobre o possível resultado da eleição”, disse à agência
americana Voz da América (fundada pela CIA) o sociólogo Juan Manuel Trak. Ele
tem toda a razão.
Os resultados das
pesquisas acima diferem em muito dos publicados por outros institutos, que não
são noticiados pelos meios de comunicação internacionais. O instituto
Hinterlaces, que é tachado de chavista pela oposição e pelos jornais, mas que
vem acertando praticamente todas as suas previsões nos últimos anos, aponta que
Maduro tem 54,2% das intenções de voto, contra 24,1% de Urrutia. Ele é seguido
por outros institutos: o Data Viva prevê 55,2% dos votos para Maduro e 20,9%
para Urrutia; a Paramétrica indica 51,74% para Maduro e 29,06% para Urrutia; e
a International Consulting Services colheu 71,6% de intenções de votos para o
atual presidente e 23,9% para seu principal desafiador.
É claro que Trak
também considera que as pesquisas que indicam uma vitória de Maduro também são
enviesadas. Isso é bem provável. Mas elas estão muito mais próximas da
realidade do que as duvidosas pesquisas que favorecem a oposição. Se todos
votarem, só os 4,2 milhões de membros do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) que
ratificaram a candidatura de Maduro em março já representariam 19,6% dos 21,4
milhões de venezuelanos aptos a votar nestas eleições.
Após os anos de
intensa crise política, econômica e social causada pela morte de Hugo Chávez, a
queda nos preços do petróleo e a guerra econômica patrocinada pelos Estados
Unidos, a economia da Venezuela começou a se recuperar. O estudo do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) publicado em
abril informou de um crescimento de 2,6% do PIB da Venezuela em 2023 e estimou
que em 2024 o crescimento será de 4,2%. A inflação no primeiro semestre deste ano foi de 8,9% e em junho ela caiu para 1% segundo
o Banco Central da Venezuela – o menor índice mensal em 12 anos e o melhor da
era Maduro. Segundo o Observatório Venezuelano de Finanças, desvinculado do
governo, a inflação em junho foi de 2,4%. No mês anterior – maio –, a inflação
de 1,5% foi a menor desde 2004.
Os próprios
empresários deram uma trégua ao governo, que fez acordos com o setor privado
para resgatar a economia, diversificar a produção e investir nas exportações. A
Fedecámaras, famosa por liderar as sucessivas tentativas golpistas entre 2002 e
2004, não embarcou publicamente no discurso terrorista da PUD e os empresários
não estão coagindo (ao menos de maneira enfática) seus funcionários a votarem
na oposição, como fizeram anteriormente. O governo dos Estados Unidos voltou a
dialogar com Caracas, o que sugere um relaxamento na pressão externa – o que
pode mudar, caso Donald Trump seja eleito.
China e Rússia estão
muito envolvidas com o governo venezuelano e isso é um importante pilar de
sustentação de Maduro, cujo governo vem colhendo bons frutos dessa aliança – e
dos acordos com outros países, como Índia, Turquia e Irã. Ao contrário da última
crise, em 2019, os dois principais vizinhos (Brasil e Colômbia) hoje são
governados por presidentes aliados de Maduro, o que dificulta a
desestabilização do país nas fronteiras e o suporte a grupos radicais da
oposição autoexilada.
Um indício da
recuperação e estabilização na Venezuela é o fato de que o país saiu das
manchetes do noticiário internacional nos últimos anos. Os grandes veículos de
comunicação internacionais são nitidamente antichavistas e aproveitam qualquer
evento minimamente negativo para realizar uma ampla campanha de propaganda
contra o governo. Isso não tem sido possível nos anos mais recentes.
Motivo importante é
que a oposição não se recuperou da derrota de 2019 com o fracasso de Juan
Guaidó e não conseguiu se reunificar de maneira efetiva. Não há mais grandes
manifestações antigovernamentais, até porque a direita não encontrou mais
nenhuma oportunidade de sair às ruas e colocar o governo sob pressão. A ala
radical da oposição, entretanto, continua com o mesmo discurso irrealista de 20
anos atrás (acusando o governo de ser uma ditadura, de reprimir e censurar e de
cometer fraude eleitoral). As propostas de González Urrutia para privatizar as
terras, indústrias, saúde e educação são altamente impopulares, o que o afasta
das grandes massas da população. O próprio Urrutia era um político totalmente
desconhecido três meses atrás e não passa de um boneco manipulado por María
Corina Machado, histórica líder opositora fabricada nos laboratórios da CIA
e escandalosamente financiada pelo governo
dos EUA.
Por sua vez, o
chavismo continua forte e organizado, apesar de suas contradições e
dissidências, como a do Partido Comunista. Além da presidência da República,
governa 19 dos 23 estados, 213 das 335 prefeituras, tem 222 de 277 deputados na
Assembleia Nacional, a maioria em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais
e em 224 dos 335 conselhos municipais. O poder judiciário e demais instituições
públicas nacionais, bem como o alto escalão da Força Armada Nacional
Bolivariana e das polícias são, em geral, legalistas.
Contudo, apesar de um
cenário real favorável para a 31ª vitória eleitoral em 25 anos de chavismo no
próximo domingo (28), ela provavelmente não será tão fácil como indicam as
pesquisas que o beneficiam. A situação econômica não está tão ruim como antes e
o país está relativamente pacificado, mas o povo continua vivendo em uma
situação social instável. Embora provavelmente vença as eleições, o seu
resultado deverá indicar que as tentativas de conciliar com a oposição, com a
burguesia venezuelana e com o imperialismo americano não estão trazendo grandes
ganhos políticos para o chavismo diante de sua base social, especialmente a
juventude.
Por outro lado, a
oposição radical dá a vitória como favas contadas, utilizando as pesquisas que
lhe favorecem e negando a realidade. A imprensa internacional compra esse
discurso. Essa é uma campanha que vende uma ilusão de forma proposital e
certamente a direita utilizará essas pesquisas e a cobertura enviesada da
imprensa como “prova” de que houve fraude, caso o resultado das urnas seja
contrário a essas previsões, e, aproveitando esse clima, volte ao seu
repertório tradicional de não reconhecer a vitória do chavismo.
O governo dos EUA,
diferentemente de todas as eleições anteriores, decidiu ser mais cauteloso e
não emitir declarações em apoio à oposição. Porém, uma vitória de Maduro que
seja rotulada como fraudulenta pela oposição e pela imprensa internacional pode
levar a uma mudança de postura dos EUA em relação ao apoio público à
desestabilização. Afinal, um governo moribundo e em transição, como é o de Joe
Biden, é imprevisível.
Fonte: Jornal
GGN/Viomundo
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