As
promessas do novo premiê britânico: 'A mudança começa agora'
Em
seu primeiro discurso como o novo primeiro-ministro do Reino Unido nesta
sexta-feira (5/7), Keir Starmer prometeu
que o "trabalho de mudança" no país começa "agora", mas
ressaltou que não será como "acionar um interruptor".
O
Partido Trabalhista, do qual Starmer é o líder, venceu as eleições gerais britânicas
na quinta (4/7) com uma maioria esmagadora de assentos no Parlamento.
O
discurso de Starmer, já em frente ao número 10 de Downing Street, sede do
governo britânico, ocorreu pouco depois de ele se reunir com o rei Charles 3º no
Palácio de Buckingham.
Na
política britânica, tradicionalmente é o monarca quem convida o líder do
partido vencedor das eleições a formar um novo governo. Após o convite, Starmer
se tornou oficialmente o novo primeiro-ministro.
No
primeiro discurso à nação, Starmer começou elogiando o "árduo"
trabalho de seu antecessor, o conservador Rishi Sunak, como o primeiro chefe de
governo britânico de ascendência asiática.
"Agora,
nosso país votou decisivamente por mudanças e pelo retorno da política do
serviço público", disse Starmer.
"Quando
a diferença entre os sacrifícios feitos pelo povo e o serviço que eles recebem
dos políticos se torna tão grande, isso leva a um cansaço no coração de uma
nação, a um esgotamento da esperança, do espírito, da crença em um futuro
melhor."
O
novo líder continuou afirmando que seu governo terá o "país em primeiro
lugar, o partido em segundo", prometendo governar para todos os britânicos
e não apenas para os que votaram nos trabalhistas.
O
novo premiê também ressaltou a necessidade de escolas e casas acessíveis no
país e prometeu "reconstruir" a "infraestrutura de
oportunidades" do Reino Unido, fazendo isso "tijolo por tijolo".
"Porque,
não importa quão ferozes sejam as tempestades da história, uma das grandes
forças desta nação sempre foi nossa capacidade de navegar para águas mais
calmas."
Concluindo
seu discurso como primeiro-ministro, Starmer disse que as quatro nações do
Reino Unido (Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales) estão
"novamente unidas enfrentando, como fizemos no passado, os desafios de um
mundo inseguro".
"Nosso
trabalho é urgente e começa agora."
·
Derrota dos
conservadores
Os
resultados parciais mostram que Starmer terá 412 deputados trabalhistas — pouco
menos do que o total alcançado por Tony Blair, em 1997 —, obtendo maioria por
uma margem folgada de cerca de 170 assentos.
Os
conservadores, por sua vez, perderam o poder após 14 anos em uma derrota
catastrófica — e estão prestes a obter os piores resultados da sua história,
com 121 assentos até agora
O
agora ex-primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador, reconheceu a
derrota e parabenizou o adversário, antes de apresentar formalmente sua
renúncia ao Rei Charles 3º.
"O
povo britânico emitiu um veredicto preocupante esta noite. Há muito para
aprender e refletir. E assumo a responsabilidade pela derrota", afirmou
Sunak.
Entre
as baixas conservadoras, estão a ex-primeira-ministra Liz Truss e o secretário
de Defesa, Grant Shapps.
Os
Liberais Democratas ficaram em terceiro lugar com pelo menos 71 deputados, o
que representa um ganho de 63 cadeiras na Casa.
O
Partido Nacional Escocês deve ter seu número de deputados reduzido de 47 a 9, e
o Reform UK, de direita radical, representado por Nigel Farage, que antes não
tinha assento no Parlamento, obteve quatro.
O
Partido Verde, que só tinha uma cadeira, vai contar agora com quatro deputados,
mesmo número de representantes do Partido do País de Gales (Plaid Cymru), que
dobrou seu número de assentos.
¨
Os planos dos
trabalhistas para enfrentar pobreza crescente no Reino Unido
Quando Keir Starmer concorreu
à liderança do Partido Trabalhista inglês, o
segundo dos seus dez compromissos manifestava a ambição de "abolir o
Crédito Universal (auxílio mensal pago a pessoas de baixa renda e
desempregadas) e acabar com o cruel regime de sanções dos conservadores".
O
manifesto do Partido Trabalhista para as eleições gerais de 2024 apresentou uma
leitura muito diferente.
O
compromisso foi abandonado em 2023, e agora o partido fala simplesmente que
está "empenhado em rever o Crédito Universal para tornar o trabalho
compensador e combater a pobreza".
O Partido Trabalhista venceu as eleições gerais britânicas de
2024 com uma maioria esmagadora de assentos no Parlamento, após 14 anos de governo do Partido Conservador.
Em
2019, cerca de três semanas antes das eleições daquele ano, Keir Starmer
escreveu no Twitter: "Tenho orgulho de ser patrono do meu banco de
alimentos local. Ficarei ainda mais orgulhoso quando, sob um governo
trabalhista, os bancos de alimentos deixarem de ser necessários".
Com
o uso dos bancos de alimentos em nível recorde e sem qualquer ação iminente
planejada sobre o Crédito Universal, alguns candidatos do Partido Trabalhista
com quem falei antes das eleições e outros ativistas de combate à pobreza temem
que o partido não tenha sido suficientemente explícito, durante a campanha,
sobre o que planeja para ajudar os menos favorecidos.
"Não
estamos falando de pobreza", disse a candidata trabalhista Rosie Duffield,
antes da eleição. Ela foi reeleita em sua região (Canterbury, Kent), no sul da
Inglaterra.
Duffield
disse, na ocasião: “Deveríamos ter como objetivo eliminar a pobreza,
especialmente a pobreza infantil, o mais rapidamente possível. Temos medo de
prometer muito, a ponto de prejudicar nossa liderança nas pesquisas, mas temos
de ser a mudança que o país precisa”.
Em
2009-2010, o programa Trussell Trust distribuiu quase 41 mil cestas básicas de
emergência. No último ano fiscal (2023-2024), esse número aumentou para 3,1
milhões, um recorde.
O
Inquérito Britânico sobre Atitudes Sociais mostra que 73% das pessoas acreditam
que existe “bastante pobreza” na Grã-Bretanha, o nível mais elevado registrado
em quase quatro décadas de levantamento sobre a mesma questão.
O
manifesto trabalhista promete “desenvolver uma estratégia ambiciosa para
reduzir a pobreza infantil”, incluindo a introdução de locais para almoço
gratuito em todas as escolas primárias. Também afirma querer “acabar com a
dependência em massa de cestas alimentares de emergência”, mas não especifica
como isso vai acontecer.
“Ficamos
encorajados ao ver esse compromisso”, afirma Helen Barnard, diretora de
políticas do Trussell Trust, o maior fornecedor de bancos alimentares do país.
Barnard
diz que as promessas do partido de construir habitação social e reforçar a
segurança no emprego têm o potencial de reduzir a pobreza. Mas “o que
precisamos ver é uma ação rápida sobre como irão enfrentar as dificuldades,
logo no seu primeiro orçamento”, disse.
O
manifesto do partido em 2019 tinha uma seção inteira sobre o combate à pobreza
e à desigualdade, mas no documento de 2024 o foco do partido em melhorar a
situação das pessoas está enquadrado no objetivo mais geral de impulsionar o
crescimento econômico.
E
não é um caso isolado: nos quatro discursos em conferências partidárias que
Starmer fez como líder do partido, ele nunca falou especificamente sobre o
combate à pobreza e desigualdade.
É
claro que, em campanha, os trabalhistas ficam felizes em falar sobre os
problemas que dizem que os conservadores causaram, incluindo o uso crescente de
bancos de alimentos.
Não
havia referência alguma ao combate à pobreza no Reino Unido no manifesto do
Partido Conservador em 2024.
Em
vez disso, os conservadores prometeram cortar £12 bilhões (R$ 84 bi) do aumento
previsto no orçamento da assistência social, reduzindo os benefícios pagos às
pessoas com deficiência em particular.
Poupar
esse montante, diz o Instituto de Estudos Fiscais, será “extremamente difícil”,
embora reconheça que “os cortes são certamente possíveis”.
Vários
daqueles com quem conversei antes da eleição disseram acreditar que, se o
candidato trabalhista ganhasse, seria mais ousado no poder em medidas
destinadas a ajudar os menos favorecidos do que tem sido em público até agora.
Eles incentivam as pessoas a olharem para resultados recordes do Partido
Trabalhista em governos anteriores, especialmente na redução da pobreza
infantil.
Mas
com a probabilidade de o partido herdar uma situação econômica difícil, um
candidato trabalhista experiente admitiu que estava “lutando para dar
esperança” às famílias mais pobres.
O
trabalhista Ian Byrne liderou uma campanha pelo “Direito à Alimentação” na
última composição do Parlamento. Ele produziu um vídeo para campanha eleitoral
no qual diz que “quando chegarmos ao poder, devemos erradicar os bancos de
alimentos”.
“Os
deputados veem diariamente o impacto da pobreza nos seus círculos eleitorais –
temos uma oportunidade inacreditável de definir um caminho diferente”,
acrescentou.
·
Política dos 'dois
filhos'
Os
trabalhistas estão determinados a evitar acusações de serem financeiramente
imprudentes e isto estendeu-se à recusa de abandonar a política dos “dois
filhos”.
Ela
prevê que os pais não podem obter benefícios essenciais para o seu terceiro
filho ou filhos subsequentes nascidos após abril de 2017.
O
fim do benefício foi considerado o “maior impulsionador” da pobreza entre as
crianças pelo Grupo de Ação contra a Pobreza Infantil. Atualmente, afeta 2
milhões de crianças.
O
Instituto de Estudos Fiscais calcula que, até o final do governo do próximo
Parlamento, mais 670 mil crianças serão afetadas, e afirma que o abandono da
política custaria 3,4 bilhões de libras (R$ 24,3 bilhões), o equivalente a
“congelar impostos sobre combustíveis durante o próximo Parlamento”.
Keir
Starmer disse que gostaria de abandonar essa política, mas afirmou que não
definiria “uma data para essas coisas”.
O
Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês) acredita que a cautela de
Starmer lhes deu a oportunidade de tomar o território tradicional do Partido
Trabalhista na Escócia. E apela para um futuro governo trabalhista que acabe
com a política dos dois filhos.
O
partido também introduziu o Scottish Child Payment (Pagamento Escocês Infantil,
em tradução livre) – no valor de £25 por criança (R$ 178), por semana, para famílias de baixa renda. A previsão é que isso evite que
100 mil crianças entrem na pobreza.
Uma pesquisa inicial sugere que a política também esteja reduzindo a
necessidade de bancos alimentares entre algumas famílias.
Ao
contrário dos Trabalhistas, os Liberais Democratas disseram que abandonariam
imediatamente a política dos dois filhos.
A
posição trabalhista sobre a política dos “dois filhos” causou um desconforto
interno. “Foi profundamente decepcionante que Keir tenha se comprometido com
essa política”, diz Rosie Duffield.
Stephen
Timms foi, até a eleição, presidente do Comitê de Trabalho e Pensões. Ele
também atuou como secretário-chefe do Tesouro durante o governo trabalhista de
Tony Blair.
No
geral, ele avaliou que a postura da liderança trabalhista durante a campanha
foi apropriada. “Acho que o partido está em um lugar sensato. É bastante
razoável que os detalhes não sejam definidos. Grandes mudanças precisam ser
feitas, mas a economia precisa ser reparada.”
No
entanto, ele não apoia a política dos “dois filhos”. Um futuro governo
trabalhista enfrentará “uma enorme pressão para abandoná-la”, disse Timms. “Eu
gostaria de vê-la descartada.”
Para
alguns no Partido Trabalhista, é particularmente irritante ver alguns membros
da direita também pedirem o abandono da política.
Tanto
Suella Braverman, ex-secretária conservadora do Interior, quanto o líder
reformista do Reino Unido, Nigel Farage, disseram que o limite de auxílio para
dois filhos deveria ser removido.
O
partido de Farage também disse que aumentaria o valor de isenção do imposto
sobre o rendimento para £ 20 mil (R$ 143 mil), beneficiando trabalhadores com
baixos salários.
·
Elo perdido
Além
das especificidades políticas, poderá haver também uma mudança deliberada no
posicionamento daqueles que estão na cúpula do Partido Trabalhista,
independentemente de quanto dinheiro estiver disponível.
Wes
Streeting, porta-voz do partido para a saúde, disse ao jornal Independent que
“a resposta à pobreza infantil, em última análise, não se resume apenas a
esmolas”. Disse que “o ideal seria uma rede de segurança social que também
funcione como um trampolim para ajudar as pessoas a trabalharem, tornando o
custo de vida acessível para todos.”
Em
artigo para o jornal Sunday Telegraph, Keir Starmer disse: “Servir os
interesses dos trabalhadores significa compreender que eles querem mais o
sucesso do que o apoio do Estado”.
Para
alguns, no entanto, há um elo perdido.
Helen
Barnard, do Trussell Trust, diz: “Quando olhamos para as ambições que o Partido
Trabalhista estabeleceu em torno da educação, em torno do NHS (sistema público
de saúde britânico), todas essas são realmente vitais. (Mas) diríamos que todas
elas seriam atrasadas ao se deixar tantas pessoas na miséria, pobreza e fome”.
“A
menos que libertemos as pessoas da pobreza e fome, elas não poderão aproveitar
as oportunidades para trabalhar ou avançar em sua educação, porque estão
lutando dia a dia para sobreviver.”
A
Fundação Joseph Rowntree afirma que o nível do Crédito Universal está num
mínimo histórico, após anos de restrições, congelamentos e cortes.
A
organização calcula que o valor básico atual de £ 91 (R$ 650) por semana para
uma pessoa solteira com 25 anos ou mais representa £ 30 (R$ 215) por semana a
menos do que o necessário para viver no país.
O
relator especial das Nações Unidas sobre a pobreza extrema, Olivier De
Schutter, foi ainda mais longe, sugerindo que as taxas de Crédito Universal
deveriam subir pelo menos 50% “para proporcionar um padrão de vida digno”.
Os
níveis dos benefícios subiram acompanhando a inflação em apenas cinco dos
últimos 14 anos.
Os
Liberais Democratas disseram que iriam rever os níveis de benefícios anuais
durante o próximo mandato no Parlamento para garantir que os valores sejam
suficientes para as pessoas viverem.
No
entanto, a trabalhista Liz Kendall, do gabinete paralelo trabalhista para temas
de trabalho e pensão, disse ao Times há algumas semanas que queria “um sistema
de benefícios mais eficaz”, em vez de um sistema mais generoso.
Com
o gabinete paralelo trabalhista pedindo soluções “de baixo ou nenhum custo”, de
acordo com um ativista anti-pobreza, o antigo primeiro-ministro Gordon Brown
ofereceu algumas alternativas.
Ele
sugeriu que um fundo anti-pobreza de £3 bilhões (R$ 21,4 bi) poderia ser
estabelecido através de mudanças, por exemplo, no Banco da Inglaterra.
Combater
a pobreza é muitas vezes difícil e caro, o que pode explicar a cautela do
Partido Trabalhista na campanha
Até
aqui, a esperança que o partido pode oferecer aos mais pobres da Grã-Bretanha
está mais na promessa de crescimento econômico geral do que em políticas
dirigidas especificamente a eles.
Fonte:
BBC News Mundo
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