quinta-feira, 25 de julho de 2024

Agro, boi e barragens: entenda as causas da seca e dos incêndios que assolam o Pantanal

O Pantanal atravessa uma crise sem precedentes em 2024. O bioma, conhecido por suas áreas alagadas por até seis meses ao ano, enfrenta uma seca histórica, a qual contribui com a proliferação de incêndios.

Só no primeiro semestre deste ano, 468 mil hectares de vegetação queimaram no Pantanal – maior área já registrada no monitoramento via satélite realizado pela organização MapBiomas desde 1985. A área queimada foi 529% maior do que a média de 40 anos.

Durante esse tempo, a área alagada diminuiu cerca 60% também na comparação com a média. Entre todos os biomas existentes no Brasil, o Pantanal foi o que mais secou.

Tudo isso, segundo estudiosos ouvidos pelo Brasil de Fato, tem a ver com a ação do homem na região e também fora dela.

•        Aquecimento global

As mudanças climáticas, intensificadas pela emissão de gases causadores do efeito estufa, mudaram o regime de chuvas. Segundo o engenheiro agrônomo Eduardo Rosa, do MapBiomas, já não chove mais como chovia na área da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa área de planalto é crucial para o Pantanal porque lá nascem os rios que cruzam a planície inundável.

Com menos chuvas, porém, esses rios já não transbordam. Não inundam, portanto, as áreas pantaneiras que costumavam alagar todo ano.

“Secas episódicas têm efeitos muitas vezes duplicados em função do aquecimento global”, acrescentou Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). “Os rios voadores da Amazônia foram desviados do Centro-Oeste pelo domo de calor da seca. Acabaram atingindo duramente o Rio Grande do Sul”.

•        Uso do solo

Bocuhy disse ainda que, mesmo quando chove, a água já não chega ao Pantanal como costumava chegar. Isso, segundo ele, tem a ver com a mudança na ocupação da região nas últimas décadas. “O desmatamento, a retirada das florestas e o uso expansivo da agricultura e da pecuária. Isso tem contribuído para a fragilização dos ecossistemas”, disse.

Sem vegetação nativa, a água da chuva penetra menos no solo. Evapora mais rapidamente ou corre diretamente para os rios levando com ela mais sedimentos, que contribuem para o assoreamento dos cursos d’água.

Com menos água no subsolo, as nascentes ficam menos abundantes. Em épocas de seca, elas já não dão conta de manter os níveis d’água em sua média histórica.

Eduardo Rosa, do MapBiomas, ratifica o problema. Segundo ele, o planalto que abastece o Pantanal tinha 23% do seu território usado para agricultura e pecuária em 1985. Hoje, tem 42%. A ocupação do território por lavouras e pastagens causou a eliminação de 2,1 milhões de hectares de área de floresta e 2,7 milhões de hectares de savana, que hoje fazem falta para o regime de cheias da planície alagável.

“Há um problema climático, mas também tem a questão da desproteção do solo e da diminuição de vegetação nativa”, afirmou ele.

•        Barragens

Soma-se a isso o fato de várias barragens terem sido construídas em rios que abastecem o Pantanal principalmente para a geração de energia. Um estudo publicado em 2022 já alertava para o efeito cumulativo dessas estruturas sobre o bioma, comprometendo os regimes de cheias.

Uma publicação da organização Ecoa (Ecologia e Ação) listava 50 barragens já existentes em rios pantaneiros, sendo sete delas de grande porte. Lembrava ainda que outras 13 estavam em construção e 125 estavam planejadas para a região.

•        Incêndios

Rosa acrescentou que a falta d’água mudou a dinâmica do fogo no Pantanal. Ele explicou que os incêndios sempre foram usados para o manejo de terras na região. Hoje, contudo, eles têm um potencial destrutivo muito maior, pois avançam sobre um ambiente mais seco.

“Antigamente, era um incêndio muito mais ligado a essa vegetação campestre na área do entorno do bioma. Agora, você tem focos no entorno do rio Paraguai, que é essa área que antigamente era permanentemente alagada”, afirmou. “Essas áreas antigamente não pegavam fogo, mas hoje pegam, afetando mais os animais silvestres.”

Dados da Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul apontam que 90% dos incêndios do Pantanal são provocados pela ação humana. Rosa disse que, com as mudanças no bioma, eles tendem a se tornar cada vez mais incontroláveis. A queimada chegou a ser proibida na região em maio para contenção dos incêndios.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, cerca de 96% dos incêndios registrados no Pantanal foram apagados ou controlados até a semana passada. Dos 55 incêndios registrados no bioma até 14 de julho, 31 foram extintos. Já 22 de 24 incêndios que continuavam ativos foram controlados.

Mais de 830 profissionais do governo federal atuaram no combate aos incêndios na região, apoiados por 27 embarcações e 14 aeronaves.

 

•        Ameaças mantêm retomada indígena sob tensão no MS: ‘estamos nos organizando para o grande conflito’, diz fazendeiro

Na noite desta segunda-feira (22), indígenas Guarani Kaiowá viveram mais uma cena de terror em Douradina (MS). Dezenas de caminhonetes com cerca de 100 fazendeiros acenderam os faróis em direção à retomada de uma área ancestral da Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica, ameaçando um ataque. Os indígenas retomaram o território, sobreposto pela fazenda de Cleto Spessatto, no último 13 de julho. A TI já foi reconhecida e delimitada, mas está com o processo demarcatório estagnado desde 2011.

Desde a ocupação desta parte do território, os Guarani Kaiowá sofreram um ataque no qual um indígena foi baleado na perna. A tensão é permanente, com um acampamento de produtores rurais a poucos metros da retomada.

“Essa é nossa área. Somos indígenas Guarani Kaiowá e há centenas de anos esperamos a demarcação da nossa terra”, afirma uma das lideranças da retomada. “Aqui está cheio de ruralistas. Falam que somos invasores. Não somos invasores. Somos a natureza da terra. Essa aqui é nossa fonte”, destaca.

“Eles mataram, massacraram, derramaram sangue do nosso povo indígena Guarani Kaiowá. E nesse ano de 2024 continua essa problemática. Precisamos de mais segurança. Eles estão armados ali”, alerta a liderança Kaiowá. “Não queremos briga, só queremos a nossa terra. Até agora nada foi resolvido. Então estamos ocupando e daqui ninguém sai porque essa área é nossa. Não estamos aqui para brincar”, ressalta.

A Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani Kaiowá, “pede socorro” e afirma que os indígenas estão “sob ataque”. Em nota, denuncia que “fazendeiros estão destruindo barracas na retomada Panambi”. “Fazendeiros roubam nossas terras, roubam nossos objetos e utensílios. Queremos justiça”, diz a Aty Guasu.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as comitivas do Ministério dos Povos Indígenas “e as tentativas de negociação com proprietários e políticos locais para a interrupção das hostilidades” não têm sido suficientes.

“Não houve a presença de um aparato mais sólido do Estado em busca de soluções reais – e até mesmo a ida às regiões de autoridades públicas com peso político. A atuação da Força Nacional é criticada”, salienta o Cimi.

<><> “O bambu vai envergar”, diz fazendeiro

Um vídeo que circula pelas redes sociais mostra a cena da noite desta segunda-feira (22). A filmagem é feita por um homem que está ao lado das caminhonetes enfileiradas. “O bambu vai envergar”, diz o autor do vídeo: “Vamos avançar. Todo mundo se organizando aí para o grande conflito. Lá está (sic) os índios”.

“Pollon está chegando com a liderança aí. Vamos chegar para cá, vamos chegar”, convoca o homem. Ele se refere ao deputado federal Marcos Pollon (PL-MS). Em seu perfil no Instagram, o parlamentar postou vídeos na vigília de fazendeiros, confirma que a fazenda sobreposta à terra indígena é do agropecuarista Cleto Spessatto e diz que os “supostos indígenas” estão “causando o terror”.

O Brasil de Fato entrou em contato com o deputado pedindo uma posição sobre a situação e os ataques aos indígenas no Mato Grosso do Sul. Não houve resposta até o fechamento desta matéria, mas o espaço segue aberto caso o fundador do movimento Proarmas queira se manifestar.

A reportagem também procurou Cleto Spessato. O seu consultor contestou a tese de que a terra é indígena e teria sido invadida por fazendeiros. “Todos aqui têm documento”, afirmou. Declarou, ainda, que a escritura é do tempo de Getúlio Vargas. Foi justamente na década de 1940 que o Estado brasileiro expulsou os indígenas de seus territórios no Mato Grosso do Sul para confiná-los em reservas.

A retomada no município de Douradina é uma de outras 12 que foram atacadas por fazendeiros apenas no mês de julho. Além do tekoha Kunumi, na cidade de Caarapó (MS), conflitos acontecem neste momento contra os povos Kaingang e Guarani Mbya no Rio Grande do Sul, Avá-Guarani no Paraná, Parakanã no Pará e Anacé no Ceará.

 

•        Criação de Grupo de Trabalho entre diversos atores visa resolução de conflitos fundiários no Oeste do Paraná

Com o objetivo de resolver o conflito que se originou no oeste do Paraná ao longo de julho, entre os Avá Guarani e ruralistas, um Grupo de Trabalho (GT) será criado nesta segunda-feira (22) para que os atores envolvidos na disputa pensem juntos uma maneira de promover a regularização fundiária na região. Como principal foco, será discutida a participação direta da Usina Hidrelétrica Itaipu na aquisição de terrenos como forma de reparação histórica ao povo indígena.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Fernando Prazeres, membro da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias no CNJ, divulgou uma nota pública na quinta-feira (18) em nome do presidente da Itaipu, Dr. Ênio Verri. A nota afirma que há o compromisso da empresa na compra de áreas que possam atender às necessidades das comunidades Avá Guarani e que, em breve, os procedimentos necessários para tanto serão disponibilizados.

“A Itaipu Binacional assume, ainda, o compromisso de continuar na sua política de dar suporte institucional às comunidades indígenas, de modo a garantir a elas a infraestrutura necessária para a ocupação das referidas áreas”, diz a nota.

O GT será composto pelo governo do estado do Paraná, prefeituras de Terras Roxa e Guaíra, Polícia Militar, Polícia Federal, Força Nacional, Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério Público Federal (MPF), Funai, representantes dos povos indígenas locais e representantes dos ruralistas, indicados pelo Sindicato Rural de Terra Roxa.

<><> Transparência

Em consonância com os povos indígenas que habitam a região, o MPI reforça a necessidade de que haja total transparência em relação à aquisição de áreas que foi anunciada em nome de Itaipu, a fim de que a solução emergencial a ser adotada não configure violação ao direito de participação dos povos ou sua remoção forçada para áreas que não desejam ocupar.

É importante lembrar que a solução a ser encontrada pelo GT integra um conjunto de esforços para permitir a reparação histórica aos povos indígenas e que, com esse intuito, já existe uma mesa de negociação aberta por decisão do STF na Ação Cível Originária (ACO) 3555, composta por diversos atores, incluindo a usina, para resolver definitivamente a situação.

<><> Histórico

No dia 5 de julho, o Ministério dos Povos Indígenas recebeu os primeiros pedidos de apoio dos Avá Guarani, após serem ameaçados por fazendeiros ao iniciarem dois processos de retomada de territórios no município de Terra Roxa. As retomadas ocorreram em uma área que já foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) por meio de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). O resultado desse relatório foi contestado pelos fazendeiros, ainda em 2018, e o processo demarcatório está suspenso.

Na terça-feira (16), uma equipe do MPI chegou ao município de Guaíra para agir junto ao Ministério dos Direitos Humanos, Funai, Sesai, órgãos de segurança pública e do estado do Paraná. Na data, uma reunião foi realizada com a Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai, a Força Nacional e a PM do Paraná, responsável pela guarnição em Terra Roxa, município em que estão ocorrendo as retomadas, mais especificamente na Fazenda Brilhante.

As duas retomadas realizadas pelos Avá Guarani foram visitadas pela equipe em missão, ainda na terça, para uma conversa inicial com os indígenas. Pela manhã de quarta-feira (17), a equipe se deslocou à Terra Roxa para estabelecer um diálogo com os ruralistas envolvidos no conflito na sede do Sindicato Rural do município.

Participaram da reunião no Sindicato o prefeito de Terra Roxa e o vice-prefeito de Guaíra, assim como representantes da PM, da Polícia Federal, da Força Nacional, o secretário de segurança pública do Paraná, deputados, entre outras autoridades. A população do município esteve presente no encontro.

<><> Novas retomadas

Na quinta, a equipe do governo federal precisou agir em outra retomada no município de Guaíra. Com mediação, um novo confronto entre fazendeiros e indígenas foi evitado. No dia seguinte, uma reunião entre as partes foi realizada pela equipe e foi estabelecida uma mesa para que negociem com Itaipu, Conselho Nacional de Justiça e MPF.

Na madrugada de quinta para sexta, mais duas retomadas tiveram início no estado. Em função da movimentação, o MPI dialogou com o secretário de segurança e o efetivo estadual foi reforçado com contingente vindo de Curitiba. A Força Nacional também enviou reforço, que chegou na sexta-feira (19).

<><> Força Nacional

Atualmente, a presença da Força Nacional foi reforçada e a portaria que autoriza sua presença para apaziguar os conflitos, que resultaram em uso de armas de fogo contra os indígenas, tem validade até o início de agosto. O Ministério dos Povos Indígenas pedirá, ainda, a renovação da portaria para manter e ampliar o contingente no local ao menos por mais 90 dias.

O Ministério dos Povos Indígenas enfatiza que a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei 14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas.

 

•        Liderança comunitária tem a casa destruída por incêndio criminoso no Amazonas

Um crime acontecido na madrugada do domingo (14 de julho) deixou amedrontada a comunidade rural de Santo Antônio do Mucajá, região do Rio Parauary, município de Maués, no Amazonas. Uma das lideranças da comunidade teve a casa incendiada por criminosos, com perda total de seus pertences. Após o crime, um dos suspeitos permaneceu no local, ameaçando e causando transtornos para a comunidade inteira, que o imobilizaram enquanto chamavam a Polícia Militar.

Foi feito um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Maués, e depois de muito apelo a Polícia chegou ao local e prendeu o suspeito na tarde da segunda-feira (15) por Ameaça e Destruição de Patrimônio Particular, mas ele acabou sendo solto na quinta-feira (18) pela manhã. O crime teve bastante repercussão, e os comunitários e comunitárias estão a mercê, temendo represálias.

Uma pessoa da comunidade, que prefere não se identificar pelo medo e a insegurança do local, relata a falta de apoio do poder público à comunidade. “Percebemos que as autoridades não estão sensíveis a isso. Fazemos apelo para que as autoridades tomem providências mais severas em relação a esse caso. Nós tememos represálias, por ele estar solto”, relata.

A comunidade afirma que a vítima é uma liderança atuante na luta em defesa do território, e que por denunciar furtos e outras situações que venham trazer violência e prejuízos à comunidade, teria sofrido retaliação por parte dos mandantes da agressão.

 

Fonte: Brasil de Fato/MPI/CPT

 

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