Qual conflito vivenciado em 2023 tem potencial para ficar marcado na
história?
Em 2023, a comunidade internacional assistiu à
eclosão e ao agravamento de conflitos simultâneos. Especialistas analisam por
que alguns ganharam mais destaque que outros na mídia e quais têm potencial
para ficarem marcados na história.
O ano de 2023 foi marcado por conflitos simultâneos
travados ao redor do mundo. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik
Brasil, especialistas analisam qual conflito mais gerou impactos geopolíticos,
quais eram as tragédias anunciadas que poderiam ter sido prevenidas e quais têm
potencial para ficarem marcadas na história.
Karl Schurster, professor da Universidade de Vigo,
na Espanha, historiador e professor na Universidade Livre de Berlim, na
Alemanha, afirma que a imagem que possivelmente vai marcar o ano de 2023 será a
dos ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro, seguida das imagens da
ofensiva israelense na Faixa de Gaza.
"É impossível não falar do conflito
Israel-Hamas nesse momento, especialmente pela questão humanitária, pela
quantidade de mortos, pelo impacto, eu diria, na política mundial, até
inclusive na revelação de outros atores políticos no cenário."
Em seguida, ele lista o conflito Azerbaijão-Armênia
que, segundo ele, embora tenha sido pouco falado pela mídia, "é um
conflito que remonta historicamente às discussões sobre o genocídio
[armênio]".
Para o professor, completam o ranking de conflitos
que marcaram o ano de 2023 a continuidade do conflito ucraniano — que ele
afirma ter perdido um pouco de peso da mídia em detrimento da força do conflito
Israel-Hamas — e "a continuidade de conflitos em territórios que já estão
em conflito interno há muito tempo, como a Síria, o Iêmen, as questões no
Bahrein e o próprio Sudão".
"São muitas as questões que vão se colocando
do ponto de vista dos conflitos internacionais até chegar, eu diria, na mais
recente faísca que se colocou na América do Sul, que é a questão de Essequibo e
a questão da Guiana com a Venezuela."
Schurster argumenta que o que mais chama atenção em
todo esse processo é como a relação e a leitura desses conflitos se liga ao
próprio mapa geopolítico.
"Quer dizer, a forma de como os EUA, por
exemplo, começam a se envolver e intercedem dentro de alguns desses conflitos
também já está muito diretamente ligada a uma corrida presidencial antecipada
por conta da crise interna do governo Joe Biden. Ao mesmo tempo, […] a direita
radical ganha na Argentina e agora começa a nova especulação sobre o que seria
um governo [Javier] Milei fora do palco propagandista, ou seja, agora com a
máquina na mão", ressalta o pesquisador.
"Na França, a popularidade do [Emmanuel]
Macron despenca absurdamente. As questões populares se tornaram constantes o
ano inteiro. Aquilo que ficou conhecido como o manifesto dos coletes amarelos
acabou se tornando uma revolta social constante pelo aumento do custo de
vida", acrescenta.
Ele afirma que tudo isso mostra que 2023 foi um ano
praticamente de crise. No recorte do Brasil, no entanto, o especialista aponta
pontos positivos em relação ao retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à
presidência da República.
"A agenda do presidente foi […] efetivamente
muito pautada pela reaproximação do Brasil com muitos atores
internacionais."
Ele acrescenta que avalia o retorno de Lula como
positivo porque colocou o Brasil em uma situação similar à do contexto do filme
"Alemanha, Ano Zero", de Roberto Rossellini. "Teve que dar uma
'resetada' no país e refundar muita coisa do ponto de vista das
instituições."
Ele acrescenta "que a forma como o Brasil tem
se colocado para fora também parece ser o retorno do protagonismo".
Para Schurster, chama atenção o fato de 2023 ser
marcado por conflitos com raízes que datam de mais de 100 anos atrás, mas que
ainda não foram resolvidos.
"Tem uma historiadora americana, já falecida,
chamada Barbara Tuchman, que escreveu um livro nos anos 80 chamado 'A marcha da
insensatez'. O título é muito bonito, e ela define assim: o grande problema da
política é que os políticos sempre pensam em políticas de curto prazo que os
favorecem, mas que, em longo prazo, destroem as nações. Acho que isso é muito o
reflexo do que nós estamos vivendo hoje", diz o pesquisador.
"Quer dizer, você pega um conflito como
Azerbaijão-Armênia e […] pensa no mapa da geopolítica pós-Guerra Fria, no
desmonte da União Soviética. Você acha que esses problemas étnicos que vêm de
mais de 100 anos e que não foram resolvidos, e que foram resolvidos no apagar
das luzes de forma efetivamente não negociada, no colapso de um grande Estado
[a URSS]. […] E você acha que isso vai ser pacificado pra sempre? Uma hora isso
volta. Uma hora isso volta e volta com um outro contexto, com uma outra memória
sobre esse passado."
Adriano Cerqueira, professor de relações
internacionais do Ibmec, afirma que o conflito entre Hamas e Israel chamou
atenção em 2023 por conta da magnitude do ataque do grupo palestino e do alto
número de mortos relatados desde a eclosão do conflito.
"Na verdade, é um evento antigo esses
conflitos no Oriente Médio, mas dada a magnitude daquele atentado terrorista
com milhares de mortos, envolvendo um Estado contra uma organização, isso
reacendeu a questão árabe-palestina e a questão também do terrorismo naquela
região, que é uma coisa antiga e que mobiliza muito a opinião pública mundial,
inclusive centros de pesquisa."
Questionado sobre as críticas a Israel por conta da
ofensiva na Faixa de Gaza que, segundo analistas, vem cometendo uma série de
crimes de guerra, Cerqueira diz que é preciso ter cautela em relação ao
assunto.
"Claro que tem muitos mortos, com certeza é
uma guerra. Israel fez a reação esperada no sentido de que dificilmente um
Estado, numa situação dessa, atingido por uma ação desse tipo, faria
nada."
Ele acrescenta que o apoio da população palestina
ao Hamas é dividido. "Nem todo palestino, de fato, apoia a causa do Hamas,
que é uma causa que apela para ações terroristas, como a gente viu. Muitos
palestinos defendem outras formas de luta e de resistência. Mas, com certeza, a
tendência é esse conflito se arrastar por muito tempo, e aí pode novamente
entrar em mais um evento, mais um episódio dessa longa história de conflitos
envolvendo o Oriente Médio."
Sobre o apoio incondicional dos EUA a Israel — alvo
de críticas da comunidade internacional —, Cerqueira aponta que isso chamou
atenção porque "num primeiro momento, pela composição do partido democrata
americano, era de se esperar uma maior pressão em favor da causa palestina
contra Israel, por conta de todo o histórico que esse partido tende a
absorver".
"Mas mesmo dentro do partido, a gente tem um
apoio também histórico à causa israelense. Do lado republicano, a gente não vê
também uma maior cisão nesse sentido. Acredito que o que vai estar em jogo nas
eleições americanas, com certeza, é o tamanho do apoio que os americanos vão
expressar a Israel."
O professor cita também o conflito entre Rússia e
Ucrânia, afirmando que o conflito "perdeu aquele impacto, que foi também
um pouco exagerado, das pessoas se manifestarem todo dia, querendo saber o que
está acontecendo".
"As pessoas vão meio que se cansando do
assunto. E aí, se aparece um outro assunto, e sempre vai aparecer algum outro
assunto impactante, isso tende a diminuir a atenção, [como] no caso do conflito
russo-ucraniano."
Questionado sobre o porquê de os conflitos entre
Israel e Hamas e entre Rússia e Ucrânia angariarem a maior parte da atenção da
mídia, ofuscando conflitos atualmente em curso no Iêmen, Congo e Sudão,
Cerqueira explica que isso acontece por conta de dois fatores: pelos possíveis
desdobramentos de ambos os conflitos e pelo contexto histórico envolvido.
"Acredito que, no caso desse conflito da
Rússia com a Ucrânia, há um temor subjacente de que você tem o envolvimento de
uma grande superpotência nuclear, que é a Rússia […]. O conflito em si é mais
representativo do que pode vir a acontecer com o envolvimento de outras nações
do que qualquer outra coisa", explica.
"No caso do conflito que estamos assistindo
agora, entre o Estado de Israel contra o Hamas, é porque é um conflito também
muito histórico, que envolve diversos países árabes, envolve questões
religiosas, muçulmanos, judeus", explica o professor.
Ø 'Não há
diferença entre ações de Netanyahu e Hitler', diz Erdogan; premiê rebate: 'Não
tem moral'
Líder da Turquia afirma que além de ser parecido
com Hitler, Netanyahu é ainda mais rico, uma vez que "recebe apoio do
Ocidente". Premiê israelense responde dizendo que Erdogan não tem moral
para fazer tais declarações e que as FDI são "o Exército mais moral do
mundo".
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse nesta
quarta-feira (27) que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu não era
diferente de Adolf Hitler ao comparar os ataques de Israel na Faixa de Gaza ao
tratamento dispensado ao povo judeu pelos nazistas.
"Eles costumavam falar mal de Hitler. Que
diferença você [Netanyahu] tem de Hitler? Eles vão nos fazer olhar para Hitler
também. O que esse Netanyahu está fazendo é menos do que o que Hitler fez? Não
é. Ele é mais rico que Hitler, recebe o apoio do Ocidente. Todo tipo de apoio
vem dos Estados Unidos. E o que eles fizeram com todo esse apoio? Mataram mais
de 20 mil habitantes em Gaza", declarou o líder turco, citado pela agência
Anadolu.
Erdogan disse que hoje, assim como há 80 anos na
Alemanha nazista, acadêmicos de todo o mundo que têm a coragem de condenar a
opressão e a perseguição em Gaza enfrentam pressões e ameaças, referindo-se a
acadêmicos nos EUA e outros lugares que foram despedidos ou censurados por
defenderem palestinos.
Para os acadêmicos que enfrentam pressão para
defender a dignidade humana em Gaza, as portas das universidades turcas estão
abertas, sublinhou Erdogan.
"Percebemos que as instituições que falam alto
e gastam grandes orçamentos são completamente vazias quando se trata de Israel
e das suas atrocidades. Do Conselho de Segurança das Nações Unidas às
organizações de imprensa, da União Europeia aos grupos de jornalistas, todas as
instituições que servem como apóstolos da democracia falharam [por causa dos
ataques israelenses a Gaza]", afirmou o presidente turco.
Netanyahu rebateu Erdogan dizendo que ele
"seria a última pessoa que poderia pregar moralidade" a Israel.
"Erdogan, que comete genocídio contra os
curdos, que detém um recorde mundial de prisão de jornalistas que se opõem ao
seu governo, é a última pessoa que pode nos pregar a moralidade", disse o
premiê, segundo o The Times of Israel.
O primeiro-ministro acrescentou que "as Forças
de Defesa de Israel [FDI] são o Exército mais moral do mundo, que está
combatendo […] a organização terrorista mais desprezível e brutal […], o
'Hamas-Daesh' [ligando o Hamas ao Daesh, que é uma organização terrorista
proibida na Rússia e em outros países], que cometeu crimes contra a humanidade,
e Erdogan elogia-a e acolhe os seus altos funcionários", afirmou.
O ministro israelense do Gabinete de Guerra, Benny
Gantz, também reagiu às declarações do líder turco dizendo que as suas
observações "são distorções flagrantes da realidade e uma profanação da
memória do Holocausto".
Condeno as declarações feitas pelo presidente turco
Erdogan. Declarações que são distorções flagrantes da realidade e uma
profanação da memória do Holocausto. O Hamas foi a organização que perpetrou um
massacre desprezível. Remover a ameaça do Hamas dos cidadãos de Israel é uma
necessidade existencial e um imperativo moral sem paralelo
O confronto entre Israel e Hamas já matou mais de
20 mil pessoas e deixou mais de 55 mil feridas do lado palestino. Em Israel,
1.200 foram mortas e cerca de 240 sequestradas.
Em sua maior parte, as vítimas na Faixa de Gaza são
mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza. Mais de 1,5
milhão de pessoas foram obrigadas a deixarem suas casas e dezenas de milhares
estão sem acesso à água potável e comida.
Ø EUA
anunciam inclusão de novas áreas do Ártico em seu mapa e analista cita 'terreno
perigoso'
O governo do presidente democrata Joe Biden
divulgou na última semana novos mapas que expandem a plataforma continental
americana no Mar Ártico, no Atlântico Norte, e também no Mar de Bering, nas
regiões do Golfo do México próximas às Ilhas Marianas.
A expressão plataforma continental refere-se à
porção territorial de um país que alcança as regiões marítimas e, no caso
norte-americano, tem a pretensão de avançar ainda mais sobre regiões do Ártico
e do Golfo do México. O biólogo e professor da Universidade do Alasca, Rick
Steiner, que é especialista em conservação marinha, disse em entrevista à RIA
Novosti que as novas reivindicações deveriam ser retiradas.
O país quer anexar uma região de cerca de um milhão
de quilômetros quadrados nos dois oceanos, sendo a maior parte no Atlântico
Norte, que são ricas em minerais e recursos energéticos. Conforme o
Departamento de Estado dos EUA, as novas fronteiras não vão criar disputas
territoriais com a Rússia, porém exigirão acordos com Canadá e Japão.
Para o especialista, a gestão Biden está
"andando em terreno perigoso" ao fazer reivindicações unilaterais no
Ártico, uma vez que não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês). Ao contrário de competir pelos
recursos marinhos na região polar, o biólogo defendeu que os países deveriam se
unir para "proteger completamente e para sempre o Ártico" e retirar
reivindicações da plataforma continental expandida.
·
Proposta norte-americana não deve ser reconhecida
Já o veterano diplomata dos Estados Unidos e
ex-secretário assistente de Defesa para assuntos de segurança internacional,
Chas Freeman, também afirmou à RIA que não há nenhuma chance das novas
fronteiras propostas serem reconhecidas internacionalmente. Isso por Washington
a convenção da ONU.
"Mesmo que os americanos não estivessem
envolvidos em um conflito por procuração com a Rússia e em uma guerra econômica
com a China, fazê-los concordar com essas ações unilaterais seria quase
impossível", disse o ex-diplomata. Ele também argumentou que é
"difícil entender" como as reivindicações dos EUA a uma plataforma
expandida no Ártico são consistentes com suas objeções a reivindicações
semelhantes de países como a China.
Enquanto isso, Moscou condenou a ampliação da
plataforma continental por Washington: "Inaceitáveis". O chefe do
Comitê Estatal da Duma sobre o Ártico, Nikolai Kharitonov, alertou que as
tentativas dos EUA de expandir seu território poderiam aumentar as tensões no
Ártico.
Fonte: Sputnik Brasil
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