A face agrária de Arthur Lira e seu clã
em Alagoas
Ao ser perguntado sobre a origem de seu patrimônio,
o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), costuma dizer que enriqueceu
graças aos bois. “Durante uma vida toda, desde os 16 anos de idade, tenho
atividade pecuária”, disse no programa Roda Viva, da TV
Cultura, em junho de 2023.
Gado e voto se misturam na trajetória de Lira: a
ocupação de prefeituras e estatais por primos do deputado retroalimenta os
negócios da família, que investe os lucros dos bois nas cavalgadas e vaquejadas
eleitorais do clã no Agreste. Do clientelismo ao coronelismo, do
patrimonialismo à truculência.
Durante seis meses, o núcleo de pesquisas do De
Olho nos Ruralistas investigou as conexões agrárias e políticas das famílias
Lira e Pereira, sobrenomes paterno e materno do presidente da Câmara. O
resultado é o dossiê “Arthur, o
Fazendeiro”, lançado nesta segunda-feira, 13 de novembro.
Com mais de 70 páginas, o documento detalha a
dimensão do império agropecuário construído pela família. A equipe identificou
115 fazendas, que somam 20.039,51 hectares. Com elas, um histórico de violações
de direitos humanos contado de forma inédita. Da criação de gado na Terra
Indígena Kariri-Xocó ao despejo de uma família de camponeses.
A pesquisa revela a criação de uma rede de
prefeituras e consórcios intermunicipais que atuam em benefício do clã, em
diálogo direto com as verbas federais: dos tratores às cavalgadas, das
escavadeiras às vaquejadas protagonizadas por Arthur e seu filho Alvinho.
Arthur César Pereira de Lira é filho de Benedito de
Lira, o Biu, um velho político ruralista que comanda os dois clãs. Vem da mãe o
sobrenome Pereira, tradicional família de fazendeiros e políticos de Alagoas.
As famílias possuem, juntas, 17.321,10 hectares em Alagoas e 2.718,31 hectares
no Agreste pernambucano, segundo levantamento do observatório.
CONFLITOS COM INDÍGENAS E CAMPONESES: O
LADO OCULTO DO CLÃ
Parte do patrimônio dos clãs Lira e Pereira tem
origem na compra de terras reivindicadas por povos indígenas e camponeses. É o
caso de seis fazendas administradas pelos herdeiros de Adelmo Pereira — primo
da mãe de Arthur — em São Brás (AL), às margens do Rio São Francisco. Os
imóveis estão sobrepostos a 2 mil hectares da TI Kariri-Xocó, homologada por
Lula em abril deste ano.
Liderada pelo filho mais velho de Adelmo — o
prefeito de Craíbas (AL), Teófilo Pereira — a família vende os bois criados
dentro da terra indíigena para o frigorífico Dom Grill, fundado por um dos
netos do patriarca. Esse gado é abatido em um matadouro público construído por
outra parente, a ex-prefeita de Campo Alegre Pauline Pereira.
“Quando eles compraram, o Adelmo sabia, porque
muita gente disse para que ele não comprasse essa terra”, diz o cacique
Nadinho, um dos líderes do território. “O Adelmo disse: “Eu vou pegar essa
briga com os índios”. Foi isso que nós soubemos”.
Em março de 2016, o Ibama embargou uma dessas
fazendas pelo desmatamento de 259,60 hectares dentro da TI, em área próxima do
Ouricuri, zona sagrada para a etnia. Em 2011, o MPF ajuizou uma ação civil
pública contra Adelmo e outros três fazendeiros por destruírem, com
“correntão”, 158,5 hectares de área indígena.
As fazendas dos Pereira são hoje o principal
obstáculo à expansão dos Kariri-Xocó, que vivem confinados em uma área de 600
hectares no município de Porto Real do Colégio. “Nós queremos nossa área
coberta é de mato”, conta o pajé Julio Queiróz Suíra. “O mato é o que garante a
terra e a sobrevivência de quem vive dentro dela”.
Em Quipapá (PE), na outra ponta do império
agropecuário do clã, é o próprio Arthur Lira quem promove as violências. Em
agosto de 2023, os agricultores Cícero e Maria José Silva foram obrigados a
sair do seu sítio, onde viviam há mais de 50 anos, por causa de uma
reintegração de posse movida pelo presidente da Câmara.
A área de cinco hectares faz parte da Usina Engenho
Proteção, comprada por Lira em 2008. “Meus sete filhos foram quase todos
criados lá”, contou o agricultor ao De Olho nos Ruralistas. Os camponeses foram
despejados e agora são obrigados a pagar aluguel na cidade.
EMPRESAS DOS PEREIRA LUCRAM COM
PREFEITURAS COMANDADAS PELA FAMÍLIA
De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos treze
licitações para fornecimento de carne e outros materiais em benefício do clã.
Os contratos foram firmados entre empresas do clã Pereira e seis prefeituras
comandadas por familiares. As atas de registro de preços já totalizam pelo
menos R$ 8,31 milhões.
A primeira licitação encontrada foi entre o
frigorífico Dom Grill e a prefeitura de Campo Alegre. No dia 17 de junho de
2020, foi publicada no Diário Oficial dos Municípios de Alagoas uma ata de
registro de preços para a aquisição de 8,55 toneladas de carne de boi moída e
resfriada da Dom Grill, pelo valor de R$ 102.514,50.
A Dom Grill, uma marca gourmet com lojas em
Arapiraca e Maceió, é a mesma que compra bois de terras indígenas e patrocina
os leilões de gado e as vaquejadas da família. Seu dono é Nicolas Agostinho
Pereira, filho de Noêmia Pereira, prima de Pauline Pereira, que era prefeita de
Campo Alegre na ocasião. Antes de vencer a licitação, Nicolas contou com o
apoio da reforma do abatedouro municipal do mesmo município.
A prima Pauline, apontada no relatório como
principal elo entre os negócios e a política, é irmã de Joãozinho Pereira,
superintendente regional da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em Alagoas.
Ex-prefeito de Teotônio Vilela, outro município com
licitações entre parentes, Joãozinho Pereira tornou-se peça fundamental para a
política de Arthur Lira, garantindo a concentração de poder no Estado a partir
do orçamento federal.
NA CODEVASF, PRIMO DE LIRA GARANTE
PALANQUE CONTRA OS CALHEIROS
A relação entre Codevasf e Arthur Lira vem de antes
da entrada do primo Joãozinho na estatal. A companhia foi o veículo para o
“tratoraço”, o braço agrário do orçamento secreto, que distribuiu R$ 3 bilhões
em equipamentos superfaturados para os aliados do governo Bolsonaro.
Entre os beneficiários estava o município de
Junqueiro, onde o pai de Joãozinho, conhecido pelo apelido “Prefeitão”,
comandou por quatro mandatos. Seu sucessor foi o próprio filho, Fernando
Pereira (PP), hoje deputado estadual. Joãozinho entrou na Codevasf um mês após
estourar o escândalo.
Com a eleição de Lula, em 2022, Lira traçou uma
nova estratégia para manter o fluxo de emendas parlamentares para sua base
eleitoral. Enquanto os tratores e obras da Codevasf continuavam sendo entregues
por Joãozinho, o presidente da Câmara fortaleceu as ações junto ao Consórcio
Intermunicipal do Agreste Alagoano (Conagreste), comandado por dois aliados
regionais — um deles, seu primo Teófilo Pereira.
“Todo o desenvolvimento foi feito na Câmara para
que os consórcios recebam as emendas diretamente, sem passar mais pelos
governos dos estados”, explicou o próprio Arthur Lira durante um evento de
entrega de tratores e equipamentos agrícolas para prefeituras em 28 de junho,
em Arapiraca (AL).
Por trás dos bois e tratores está a disputa
política pelo controle de Alagoas, cujo governo está hoje em mãos do grupo
político do senador Renan Calheiros (MDB), principal rival de Lira no estado.
Em 2022, o Conagreste criou um serviço consorciado
de inspeção sanitária municipal (SIM) que prescinde da anuência da Agência de
Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal). A operação beneficia os
próprios negócios da família: o matadouro municipal de Campo Alegre, onde o
frigorífico Dom Grill abate seus bois, é um dos estabelecimentos fiscalizados
pelo SIM Conagreste.
TRUCULENTO, PRIMO DE LIRA COMANDA O
INCRA E PROJETA A PREFEITURA DE MARAGOGI
Wilson César de Lira Santos é filho de Eliete de
Lira Santos, uma das irmãs mais próximas de Benedito de Lira. Foi do tio — e
não de Arthur — a indicação para que ele chefiasse o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas. A esposa de César, Livia
Costa Saleme, foi secretária parlamentar de Biu no Senado.
César Lira assumiu o órgão, em 2017, no governo
Michel Temer. Seis anos depois, ele continua no cargo, mesmo enfrentando
protestos de movimentos sociais e repetidas acusações de agressão.
De Olho nos Ruralistas ouviu diversos relatos de
intimidação a camponeses protagonizados pelo primo de Arthur Lira. Inclusive
com violência física. Em 10 de agosto de 2020, o camponês Gilvan Emidio da
Silva, ex-presidente do Assentamento Prazeres, de Flexeiras (AL), participava
de uma reunião, quando foi interrompido com empurrões e tapas por César Lira.
Enquanto se mantém no Incra, ele prepara terreno
para disputar as eleições de 2024, substituindo outro primo. Em seu segundo
mandato em Maragogi, Sérgio Lira (PP) tenta fazer de César seu sucessor na
prefeitura de um dos principais destinos turísticos do litoral alagoano. O
superintendente tem dado atenção especial ao município: em sete anos, as
ações do órgão cresceram 980% e mais de 500 títulos de terra foram
distribuídos.
Ao mesmo tempo em que enfraquece os movimentos de
luta pela terra, César reproduz outra prática comum da família: a entrega de
serviços públicos em troca de apoio político.
ARTHUR LIRA APOSTA NO FILHO CAÇULA PARA
CONTINUAÇÃO DA DINASTIA
Dentro da lógica coronelista, Arthur Lira prepara
os filhos para a pecuária e a política, assim como fez seu pai. Arthurzinho, o
mais velho, passa boa parte de seu tempo em Brasília, onde negocia verbas de
publicidade através de sua agência, a Omnia360º.
O caçula Álvaro, ou Alvinho, aparece quase sempre
no pódio dos torneios realizados no Parque Arthur Filho. Apaixonado por cavalos
e, como o pai, puxador de vaquejadas, ele acompanha de perto os negócios da
família, dividindo o tempo entre as visitas ao pai e o dia a dia nas fazendas
em Alagoas. Os dois jovens são fruto do relacionamento de Lira com Julyenne
Lins e romperam relações com a mãe.
É em Alvinho que Arthur deposita as esperanças de
perpetuar o clã político. Prestes a completar a maioridade, ele deve debutar na
política ainda em 2024: ele quer disputar uma vaga de vereador em Maceió.
Para seguir os passos do pai, Alvinho conta com o
apoio incondicional do clã Pereira. Nas redes sociais, ele exibe sua habilidade
em cima do cavalo, durante provas de vaquejada disputadas no Parque Evânio
Higino, em Campo Alegre. Ao fundo, em destaque, um balão exibe a logo do
frigorífico Dom Grill — aquele dos contratos com prefeituras.
Seja dentro ou fora da vaquejada, a família Pereira
patrocina Arthur Lira.
Fonte: De Olho nos Ruralistas
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