Pesquisa da Ufal identifica pela
primeira vez regiões áridas no Nordeste brasileiro
O processo de desertificação no Semiárido
brasileiro está mais grave. Uma pesquisa inédita publicada recentemente
identificou, pela primeira vez, que áreas áridas severamente degradadas já
provocam redução das chuvas na região. Foi o que mostrou o meteorologista Humberto
Barbosa, cientista fundador do Laboratório de Análise e Processamento de
Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e
responsável pelo estudo.
Usando dados de satélite, o estudo do professor
Humberto Barbosa permitiu identificar que houve aumento da radiação de onda
longa e redução das nuvens, em áreas áridas severamente degradadas no Semiárido
brasileiro. Por consequência, houve diminuição das chuvas e aumento da aridez
em alguns municípios da região.
“Isso demonstra a ausência de chuvas, em paralelo
ao aumento das temperaturas. A tendência é de a região se tornar árida, como já
está acontecendo. É uma informação alarmante nesse cenário de retomada das
políticas para conter o processo de desertificação”, explica Humberto.
Os resultados sugerem que algumas áreas da região
estão particularmente susceptíveis a processos de desertificação. Esse processo
é impulsionado pelas secas recentes e pelas perturbações acumuladas ao longo do
tempo, decorrentes de impactos humanos e das mudanças no uso da terra.
O diferencial do mapeamento é ter utilizado uma
metodologia que permite comparar a relação entre a atividade da vegetação e da
atmosfera. Com os dados do satélite Meteosat, de alta frequência temporal, foi
possível analisar a troca de energia entre a superfície e a atmosfera,
percebendo que, em alguns locais muito secos e degradados, a vegetação não
responde mais aos fatores climáticos.
“Identificamos um processo no qual a ação humana de
degradação, associada às adversidades climáticas, perturbam a vegetação em um
nível de gravidade que ela não mais apresenta condições de se recuperar, mesmo
que ocorram chuvas suficientes”, ressalta o meteorologista.
No período de 2004-2022, a pesquisa analisou, na
superfície, a resposta da vegetação às secas, levando em conta a umidade do
solo e a temperatura. Em seguida, essas áreas foram comparadas com o balanço de
energia da atmosfera, olhando o indicador de onda curta (albedo) e o indicador
da radiação de onda longa (chuva).
As análises foram feitas a partir de índices de
vegetação, precipitação, umidade do solo e temperatura, baseados em dados de
satélites. No topo da atmosfera, foi analisado o sinal de satélite que estima a
energia em regiões específicas (albedo), e o balanço da radiação de ondas
curtas.
Os mapas processados com dezoito anos de dados do
satélite Meteosat-11 mostram o resultado do estudo do Laboratório Lapis.
Confira no anexo que do lado esquerdo, a imagem mostra a tendência de redução
das nuvens, principalmente na área central do Nordeste, onde já existem áreas
áridas. Já do lado direito, a imagem destaca a tendência de aumento das
temperaturas. No círculo em azul, na imagem "a", destacam-se os
locais onde foi identificada a relação direta da redução das nuvens com as
áreas severamente degradadas ou áridas, já existentes no Semiárido brasileiro.
“O que a gente percebeu é que na região central do
Semiárido, exatamente nas regiões já classificadas como áridas, há uma
tendência de redução das nuvens. Redução das nuvens, cientificamente ou do
ponto de vista meteorológico, é a redução da capacidade de chuvas na região. Se
eu falar isso para qualquer sertanejo, nenhuma novidade, eles já percebem. Em
compensação, a gente percebe o aumento das temperaturas", detalha
Humberto.
Esses mapas mostram uma tendência que
estatisticamente tem relevância, de significativa redução nas nuvens de chuvas.
“Isso é preocupante porque já temos no Brasil as três categorias de terras
secas da UNCCD [Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação]:
áreas áridas, subúmidas secas e as áreas semiáridas se expandindo. É o caso de
novos municípios do Maranhão, que passaram a fazer parte do Semiárido
brasileiro”, completa o meteorologista.
·
Avanço científico e detecção de regiões áridas
O estudo publicado recentemente, pelo pesquisador
Humberto Barbosa, propiciou avanços no estudo das terras secas no Brasil. Desta
vez, identificou-se que as áreas áridas que já existem no Nordeste brasileiro,
conforme Atlas da Unesco (2010), estão influenciando na redução de nuvens de
chuva na região. Essa avaliação foi possível por estudar as terras secas não
apenas do ponto de vista meteorológico, mas também do ponto de vista da sua
interação com o ambiente (das informações de degradação da superfície).
Essa análise permitiu reclassificar o mapa da
desertificação no Nordeste brasileiro, incluindo agora a categoria de
"regiões áridas", a partir da análise da aridez atmosférica, da
condição da cobertura vegetal e dos solos severamente degradados.
Assim, diferentemente do mapeamento das áreas
áridas feito pela Unesco, a nova pesquisa apresenta análises mais abrangentes.
Ao integrar diferentes metodologias, permitiu analisar as condições das terras
secas e sua interação com a atmosfera.
"A nova metodologia do Laboratório Lapis
possibilitou identificar como áreas áridas já existentes no Nordeste
brasileiro, em terras severamente degradadas, têm influenciado na redução das
nuvens de chuva. Com isso, a degradação severa das terras já é um processo que
retroalimenta a tendência de aumento da aridez atmosférica e de expansão das
áreas áridas na região", explica Humberto.
A partir desse estudo, o Laboratório Lapis gerou um
mapeamento atualizado da desertificação no Semiárido brasileiro, com destaque
para a inclusão da categoria de áreas áridas na região. A nova metodologia
utilizada está alinhada às análises mais avançadas do IPCC e da UNCCD. Essas
agências intergovernamentais consideram a definição de terras secas
principalmente a partir da condição da cobertura vegetal. Em 1975, Charney já
chamava atenção para isso, em estudos sobre seca e desertificação no Sahel, na
África.
“As análises e os índices foram feitos com base em
dados robustos, obtidos por satélite. Essa metodologia abrangente permitiu
analisar a interação entre dados da atmosfera e da superfície - solos, umidade,
vegetação e temperatura -, estabelecendo a interação entre a condição ecológica
dessas áreas degradadas e a resposta da atmosfera. Consequentemente, houve
diminuição das chuvas, desencadeando o surgimento da aridez”, completa
Humberto.
·
Secas repentinas aumentam tendência de expansão das
áreas áridas no Nordeste
A pesquisa concluiu que a superfície severamente
degradada já influencia na diminuição das nuvens de chuva, nas áreas áridas e
semiáridas da região. E um fator agravante é que as secas aumentam a degradação
das terras, sendo todo esse processo agravado pela mudança climática. "As
secas têm agravado a degradação da cobertura vegetal na região e essa é uma
questão preocupante no processo. E não apenas as grandes secas convencionais,
como ocorreu no período 2011-2017, mas também as chamadas secas repentinas”, explica
Humberto.
No estudo, o pesquisador analisou pela primeira vez
as características dessa categoria especial de "seca repentina"
(flash droughts), no Semiárido brasileiro, que costuma ocorrer durante o verão.
Com início rápido e forte intensidade, esses extremos de seca e altas
temperaturas duram apenas alguns dias ou semanas. O efeito combinado da redução
na cobertura vegetal e do aumento das temperaturas, durante as secas, piora
ainda mais a condição de aridez na região.
No período 2004-2022, analisado na pesquisa, esses
eventos extremos de seca exerceram impactos dramáticos nos ecossistemas áridos
e semiáridos do Nordeste, com redução na quantidade de água no solo e aumento
da degradação da cobertura vegetal. A análise da cobertura vegetal foi feita
com base no Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), usando dados
diários de satélite.
Acontece que a diminuição das nuvens de chuva
coincide exatamente com os locais com cobertura vegetal severamente degradada,
culminando em uma situação de aridez atmosférica. Com essa evidência, Humberto
gerou um novo mapeamento da desertificação no Semiárido brasileiro, desta vez
incluindo uma nova categoria: áreas áridas (desertificação e degradação).
No último mapeamento da desertificação no
Semiárido, feito pelo Laboratório Lapis em 2016, a categoria "áreas
áridas" ainda não havia sido considerada na classificação. Nessas áreas
agora identificadas como áridas, já desertificadas pelo elevado nível de
degradação das suas terras, observou-se, nos dados do satélite Meteosat-11,
tendência de redução na radiação de onda curta e de aumento na radiação de onda
longa (emitida da superfície para o espaço).
Esses resultados sugerem que a degradação ambiental
ora em curso, nas áreas áridas e semiáridas do Nordeste do Brasil, já diminui a
formação de nuvens e as chuvas. A umidade atmosférica é capaz de absorver a
radiação de onda longa, chamada tecnicamente de infravermelha. Cada intensidade
de radiação infravermelha é associada a uma temperatura. Assim, dados derivados
de satélites permitem identificar as diferentes camadas de nuvens, a chuva e o
solo.
“Quando o ar está muito seco, poucas nuvens se
formam. Por isso, mais radiação infravermelha consegue chegar aos sensores dos
satélites que estão no espaço, ao redor da Terra. É como se o ar seco deixasse
a atmosfera mais transparente e, assim, os sensores conseguem "ver" a
superfície com mais nitidez. A redução nas nuvens diminui ainda mais as chuvas
no Semiárido, acarretando em uma situação dramática de aridez atmosférica”,
concluiu Humberto.
Ø Assassinatos
de quilombolas quase dobraram no governo Bolsonaro, aponta estudo
A média anual de quilombolas assassinados de 2018 a
2022, que inclui o último ano do governo de Michel Temer e os quatro anos do
governo de Jair Bolsonaro, quase dobrou em relação ao período de 2008 a 2017,
aponta um estudo divulgado pelas organizações não governamentais Conaq
(Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas)
e Terra de Direitos.
No período analisado de cinco anos (2018-2022) pela
segunda edição do levantamento “Racismo e violência contra quilombos no
Brasil”, de 163 páginas, foram assassinados 32 quilombolas (média anual de 6,4
casos ao ano). Nos dez anos anteriores, o número total havia sido de 36 (média
anual de 3,4). Os dados do período anterior a Bolsonaro foram distorcidos pelo
ano de 2017, também durante o governo Temer, quando morreram 18 quilombolas em
apenas 12 meses – destacaram-se duas chacinas, uma no Quilombo Iúna (BA), com
seis mortos, e outra no Quilombo Lagoa do Algodão (AL), com quatro mortos.
Dados sobre os 32 homicídios registrados de 2018 a
2022 mostram que quase a metade dos mortos foi de “lideranças reconhecidas
pelas comunidades” (15 casos); em 10 das 26 comunidades em que esses crimes
ocorreram não há processo de regularização do território aberto no Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Os números indicam,
segundo a Conaq e a Terra de Direitos, que territórios à espera de
regularização, a ser definida pelo governo federal, estão mais vulneráveis à
violência.
De acordo com as entidades, conflitos fundiários
foram a motivação de 43% dos 32 crimes analisados. Foi o caso de Juscelino
Fernandes Diniz e de Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes, pai e filho que
viviam no Quilombo Cedo, em Arari, no Maranhão, o estado campeão nos
assassinatos, com nove casos, seguido por Bahia, Pará e Pernambuco, com quatro
homicídios cada um. Em 5 de janeiro de 2020, Juscelino e Wanderson foram
assassinados em casa, na frente da família, por um grupo de pistoleiros
encapuzados. No ano anterior ao crime, pai e filho haviam sido presos depois
que retiraram cercas elétricas instaladas no território por invasores e que
impediam o livre acesso à comunidade.
“Dentre os 269 quilombos pesquisados, 190 (71%)
registraram algum tipo de conflito territorial promovido por diferentes
atividades econômicas, por obras de infraestrutura, ou atos administrativos dos
órgãos municipais, estaduais ou federal que resultam em sobreposição aos
territórios”, apontou o estudo. “Conflitos envolvendo latifúndios atingem mais
de um terço (37%) dos quilombos analisados. Especulação imobiliária ou turismo
e as atividades do agronegócio também impactam grande parte das comunidades que
registraram a ocorrência de conflito.”
Segundo as entidades, que citam um levantamento da
Fundação Palmares, há hoje 1.805 processos inconclusos em tramitação no Incra
para regularização de territórios quilombolas. A violência contra quilombolas
no ano de 2023 deverá continuar alta. De janeiro até a semana passada, pelo
menos onze assassinatos ocorreram em territórios quilombolas ou vinculados à
luta quilombola.
O caso de maior repercussão foi o assassinato de
Maria Bernadete Pacífico Moreira, a Mãe Bernadete, de 72 anos, em 17 de agosto
passado, em uma comunidade na região metropolitana de Salvador (BA). Nesta
quinta-feira (16), a Justiça acolheu a denúncia apresentada pelo Ministério
Público contra cinco homens. O MP concuiu que o assassinato ocorreu porque
Bernadete “lutava contra o tráfico de drogas na região”.
·
Nove casos de feminicídio
O levantamento relativo a 2018-2022 observa ainda
que “a garantia do território é essencial para a amenização da violência
resultante de conflitos fundiários”, mas observa que também “é preciso avançar
na efetivação de outras políticas públicas para proteção das famílias”. A
violência de gênero, por exemplo, é constante em todas as fases do processo de
titulação”.
Dos 32 assassinatos, pelo menos nove foram
identificados como feminicídios. As vítimas tinham de 19 a 62 anos. Só em 2019
ocorreram cinco casos do gênero. A liderança quilombola Elitânia de Souza da
Hora, por exemplo, foi morta a tiros em 27 de novembro daquele ano após sair de
uma aula na Faculdade de Serviço Social na UFRB (Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia). As suspeitas da investigação e da família recaem sobre um
ex-companheiro de Elitânia que chegou a ser preso logo depois do crime, conforme
a imprensa noticiou na época.
Fonte: Tribuna Hoje/Agencia Pública
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