O Natal está chegando e o Brasil segue
rachado
Às vésperas do Natal, as pesquisas de opinião pública revelam que o país
continua rachado. Os encontros das famílias, na noite do dia 24 de dezembro e
no almoço do Natal, tendem a ter ânimos menos agitados do que em 2022. Na
ocasião, alguns nem compareceram aos eventos de confraternização porque estavam
acampados diante dos quarteis militares. Esperavam o Messias (uma palavra de
ordem do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro), derrotado por 2,1 milhões de
votos de vantagem para Lula no segundo turno em 30 de outubro. Como se sabe,
após ter fracassadas suas iniciativas de desacreditar as urnas eleitorais,
Bolsonaro não reconheceu publicamente a derrota. Recluso em novembro e
dezembro, para evitar passar a faixa a Luiz Inácio Lula da Silva, embarcou para
Orlando (Flórida) em 30 de dezembro. Oficialmente, estava lá para descanso e
orientar os ajudantes de ordens (cujas viagens são bancadas pelo Tesouro
Nacional) a monetizar joias e relógios recebidos enquanto exerceu a Presidência
da República, que considerava como propriedades privadas, inclusive sem
declaração de entrada no país à Receita Federal. Os fatos mostraram que agia na
surdina. Insuflava à distância as ações de 8 de janeiro pelas quais os mais
radicais bolsonaristas acreditaram que estavam tomando o Poder ao depredar as
sedes do Executivo (Palácio do Planalto), do Legislativo (as dependências da
Câmara e do Senado, no Congresso) e do Judiciário (na sede do Supremo Tribunal
Federal).
A temperatura política esfriou um pouco – o que contrabalançou o aumento
do aquecimento climático desdenhado pelos terraplanistas e outros
negacionistas. Mas o radicalismo continua presente e pode se manifestar nas
duas últimas semanas de atividade do Congresso antes do recesso de Natal e Ano
Novo (de 23 de dezembro em diante, que se soma às férias de janeiro); o
Legislativo só retoma as atividades em 1º de fevereiro. Assim, além das
sabatinas, no Senado, das indicações do ministro da Justiça e Segurança Pública,
Flávio Dino, para a cadeira do STF vaga desde o começo de outubro, pela
aposentadoria da ex-ministra Rosa Weber, e de Paulo Gonet, como novo Procurador
Geral da República (o mandato de Augusto Aras venceu em 26 de setembro), estão
em pauta as votações da tributação das apostas esportivas, do Orçamento Geral
da União para 2024 e da Reforma Tributária. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, ainda precisa apresentar uma alternativa à reoneração dos encargos
sociais de diversos setores da economia, vetada pelo presidente Lula, por gerar
rombo fiscal de R$ 177 bilhões.
Meu colega jornalista Ricardo Noblat, em seu blog no site “Metrópoles”,
chega à conclusão, cotejando os dados da aprovação e rejeição ao presidente
Lula nas pesquisas do Ipec e do Datafolha com o resultado da última eleição,
diz que ele venceria hoje com 7 milhões de votos de vantagem. Considero, caro
Noblat, precipitada a conclusão. Essa foi a vantagem direta de Lula sobre
Bolsonaro no primeiro turno, em 3 de outubro. Sem Simone Tebet e Ciro Gomes no
páreo, Bolsonaro reduziu a distância no segundo turno. A reta final do
inquérito da Polícia Federal e do Tribunal Superior Eleitoral sobre a ação da
Polícia Rodoviária Federal, comandada por Sidney Vasques, com “blitz” rigorosas
nas estradas (concentradas no Nordeste, onde Lula teve maior vantagem no
primeiro turno), pode esclarecer sua influência real na queda da diferença.
·
Assuntos
desaconselhados
Um tema sensível segue sendo a guerra entre Israel e Hamas. O presidente
Lula, na ânsia de retomar o protagonismo do Brasil nos fóruns internacionais,
tentou mediar a suspensão dos ataques da Rússia na Ucrânia invadida, cujas
consequências foi o encarecimento dos alimentos e combustíveis para as nações
pobres, distante do problema. No exercício mensal da presidência brasileira do
Conselho de Segurança da ONU, propôs um armistício nas retaliações de Israel
aos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro. O veto dos Estados Unidos (o
presidente Joe Biden queria tirar partido político para sua campanha à reeleição,
em 2024, com as gestões de paz que ia iniciar no Oriente) impediu a validade da
proposta brasileira. A ideia de um cessar fogo humanitário ficou circulando na
ONU. Três semanas depois e após uma escalada de mais de 15 mil mortes, a
maioria de mulheres e crianças na faixa de Gaza, os EUA aceitaram a proposta de
Malta para um cessar fogo temporário. Durou sete dias a troca de prisioneiros
dos dois lados e a remoção de mortos e feridos. Depois, a rotina de 78 anos de
conflito foi retomada.
De toda forma, há muitos temas mais amenos para a confraternização da
família. Aconselho deixar de lado o futebol. Até lá saberemos se o Fluminense
se junta ao seleto grupo das equipes brasileiras que conquistaram o mundial.
Quando a decisão era no Japão, entre o campeão europeu e o sul-americano, era
mais comum um brasileiro campeão. Depois que a Fifa organizou semifinais com
seis participantes, só os europeus venceram. Tivemos fiascos.
Espero que flamenguistas, botafoguenses, vascaínos, palmeirenses,
corintianos, são-paulinos e santistas já tenham virado a página das tristezas e
comemorações, deixando as provocações para o espírito alegre de outrora.
·
Dois
vizinhos trapalhões
Os esforços diplomáticos do Brasil ganharam novo eco na comunidade
internacional. Sem grandes vitórias, por enquanto. O BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul) aprovou a proposta de ampliação de mais nove
membros. Uma das intenções de Lula era amparar a Argentina, em crise, com
acesso aos créditos do Novo Banco de Desenvolvimento (o Bird dos BRICS). Mas o
candidato apoiado pelo presidente argentino Alberto Fernández perdeu para
Javier Milei. O presidente da ultradireita toma posse neste domingo e Lula,
precavido, após tantos insultos em campanha e ameaças de desligamento dos
vizinhos do Mercosul, não irá a Buenos Aires. Milei convidou o ex-presidente
Bolsonaro, que se fará acompanhar por ruidosa comitiva.
Se não bastasse o risco de racha no Mercosul, o acordo com a União
Europeia, que rola desde 1999 (governo FHC), e que seria o coroamento da gestão
do Brasil na presidência do Mercosul, foi rejeitado por Emmanuel Macron, da
França. A bola e o destino do Mercosul estão nas mãos de Milei.
E, para azedar de vez o clima, um convidado bem trapalhão, que estava
meio que afastado dos fóruns sul-americanos, o presidente Nicolás Maduro, que
se eterniza no poder da Venezuela por artimanhas eleitoreiras e pressões sobre
a Justiça, depois de ser reintegrado ao Fórum da Celac (encontro da América
Latina e Caribe) que o Brasil promoveu em maio, com defesa da “democracia
relativa”, acaba de ensaiar um aventura eleitoreira-militar na fronteira norte
de Roraima, com a declaração de anexação do rico território de Essequibo, onde
há enormes jazidas de petróleo, gás e minérios nobres.
Preparando uma onda popular para contornar sua rejeição eleitoral no
pleito previsto para 2024, Nicolás Maduro criou plebiscito para o povo
venezuelano decidir se concordava em anexar Essequibo ao seu território. Como a
produção de petróleo da Venezuela definhou desde que Hugo Chaves aparelhou a
PDVESA de militares amigos e expulsou as empresas estrangeiras do país, dono
das maiores reservas de petróleo do mundo, as prospecções se mudaram para o mar
e o território terrestre da vizinha Guiana (ex-Inglesa).
A Exxon-Mobil, dos EUA, maior companhia de petróleo do mundo, que
explora petróleo na Guiana e estava se preparando para voltar a atuar na
Venezuela (o mercado busca novas fontes fósseis após a crise da invasão da
Rússia à Ucrânia), aproveitando a suspensão temporária de sanções do presidente
Biden à Venezuela, pediu apoio às forças armadas dos EUA contra a pretensa
rapinagem de Maduro. Arvorando-se de senhor do território (cujo acesso depende
de transpor a fronteira do Brasil, em Roraima), Maduro alardeia que vai emitir
licenças de exploração de O&G no território alheio da Guiana. A disputa
pelo domínio de Essequibo (2/3 da Guiana, que ficou independente da Inglaterra
nos anos 60) rola nos tribunais internacionais desde fins do século 19. Era uma
disputa entre Inglaterra e a recém-independente Venezuela (da coroa espanhola).
Decisões recentes mantiveram a posse da Guiana.
Mas quem irá conter Maduro em sua caminhada para um novo mandato? Só
Lula, que ressuscitou diplomaticamente a criatura, poderia dissuadi-lo. Na
cúpula do Mercosul, mandou o recado de que a América do Sul quer paz (será que
Nicolás Maduro entendeu?). Pelo sim, pelo não, nesta quarta-feira, 13, o Brasil
faz leilão de áreas de petróleo no pré-sal. Será a oportunidade de avaliar se o
clima de insegurança política e jurídica criado pela Venezuela e pelos abalos
do Mercosul estão fazendo marolas nas bacias de Santos e de Campos.
·
Nossa
guerra particular
A preocupação com as iniciativas oficiais dos nossos vizinhos de
fronteira não deve deixar de lado uma questão bem mais séria. O tráfico diário
e corriqueiro de armas, drogas em escambo com o contrabando de recursos
naturais de nossa floresta através das fronteiras com a Colômbia, Peru, Bolívia
e o Paraguai, deveria merecer atenção redobrada. Sua enorme movimentação
financeira alimenta a guerra diária do narcotráfico que, após uso inicial do
Brasil como rota de “exportação” para a África e a Europa, transformou as
principais cidades brasileiras no segundo mais importante mercado consumidor do
mundo. O desmantelamento, na semana passada, pela Polícia Federal, de uma rede
que contrabandeava, a partir do Paraguai, armas de grosso calibre vindas da
Europa Central (com as numerações devidamente raspadas em oficinas paraguaias),
dá pistas para a dimensão do megaproblema, que pede vigilância redobrada das
forças armadas na nossa vasta fronteira oeste.
Segundo a PF, que investiga, desde 2020, a atuação do grupo chefiado
pelo argentino Diego Hernan Dirísio, que operava do Paraguai e continua
foragido, o grupo vendeu mais de 43 mil armas às principais facções do
narcotráfico brasileiro, movimentando mais de R$ 1,2 bilhão. Para se ver a
extensão do problema que gera a onda de crimes nas grandes cidades brasileiras,
além de armas desviadas do Exército e demais forças armadas, das PMs estaduais,
e os desvios feitos pelos CACs incentivados no governo Bolsonaro, com a
intenção de ter uma milícia de reserva para apoio em golpe militar, durante
toda a investigação em dez estados brasileiros foram apreendidas apenas 659
armas (sendo 67 nesta última operação) nos estados Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Espírito Santo, Bahia e Ceará. A exclusão de outros 16 estados e o Distrito
Federal não significa garantia de paz. Apenas que o foco da PF não chegou lá.
As mais de 42 mil armas vendidas pelo grupo e não capturadas seguem causando
mortes e ampliando o poder do narcotráfico pelo país afora.
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A marca
da corrupção
Tomo emprestado o nome do filme de Orson Welles “A Marca da Maldade”,
que descobri, nesta sexta-feira, ter sido lançado nos Estados Unidos em 31 de
janeiro de 1958, quando fazia oito anos e era ainda um menino inocente, para
abordar a extensão dos danos da corrupção no Brasil e abaixo (e acima) da linha
do Equador. O filme tinha como astros principais Charlton Heston e Janet Leigh,
com participação ainda de Marlene Dietrich. Na vida real, a marca da corrupção
é estrelada dia e noite por agentes públicos que dilapidam o Erário ou se
deixam levar pela corrupção de agentes privados, fazendo vista grossa a
irregularidades que deveriam reprimir.
Duas notícias desta semana chamaram particular atenção. Uma diz que o
Tribunal Penal Federal da Suíça determinou a repatriação para o Brasil de US$
16,3 milhões (R$ 78,5 milhões ao câmbio atual) que estavam bloqueados em
diversas contas bancárias do ex-prefeito de São Paulo e ex-deputado federal,
Paulo Salim Maluf. Maluf foi acusado de desvios nas obras e desapropriações que
deram origem à avenida Águas Espraiadas, quando foi prefeito de 1993 e 1996.
Condenado em maio de 2017, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a
pena de 7 anos 9 meses e 10 dias, pelas práticas de lavagem de dinheiro, Paulo
Maluf perdeu o mandato de deputado federal e ainda foi multado em R$ 1,3
milhão. Ele chegou a ficar preso na penitenciária da Papuda, em Brasília, de
dezembro de 2017 a março de 2018, quando obteve liberdade condicional. Em maio
do ano passado, foi um dos beneficiados pelo indulto do ex-presidente Jair
Bolsonaro e ficou em liberdade. A repatriação do dinheiro fora solicitada pelo
Ministério Público Federal e pela Advocacia Geral da União. A sentença do
tribunal suíço é de 19 de setembro, mas os resultados das tratativas só foram
divulgados na quinta-feira, 7 de dezembro, pela AGU. Espera-se que o caso Maluf
– que era um símbolo da impunidade - sirva de exemplo a gestores públicos pelo
país afora.
O segundo caso diz respeito ao divórcio judicial de um casal de
ex-fiscais da Fazenda do Estado de São Paulo, que quer repartir, com acusações
mútuas, um patrimônio avaliado em R$ 51 milhões. O fiscal se aposentou em 2015,
depois de um inquérito sobre corrupção dos agentes fiscais paulistas. A mulher,
só em 2019. Ainda relativamente jovens, o casal amealhou patrimônio que inclui
uma mansão no Parque do Ibirapuera, apartamentos em São Paulo e a sociedade
numa enorme casa de veraneio numa ilha de Angra dos Reis (RJ), depósitos e
aplicações financeiros, além de veículos, entre os quais está uma enorme lancha
da qual desfrutavam nas horas de lazer na Costa Verde. Aposentados, montaram
empresas para atuar na advocacia empresarial. Por coincidência, além de um sócio
que é ex-agente da Receita Federal, o terceiro sócio é um ex-juiz do Tribunal
de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo. Um dos principais negócios do
escritório são os casos tributários, na sua maior parte (além da Receita
Federal), contra a própria Fazenda de São Paulo.
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A
milícia faz escola
Em escala menor, mas não menos importante e deseducativa, é a ação das
milícias que passam a ser integradas por ex-policiais civis e da PM, além de
bombeiros militares. Sempre estranhei a enorme procura pelos concursos para
ingresso na Polícia Civil, na PM, nos Bombeiros (dos estados) ou até na Guarda
Municipal (das prefeituras). Na Polícia Federal (normal ou rodoviária), os
salários são proporcionais ao poder. Mas assim como na Receita Federal e na
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, os agentes do Estado querem aumentos
exorbitantes. Agora mesmo o Ministério da Fazenda vetou os pedidos. Mas não
bastam os altos salários. Há um movimento na surdina para obterem participação
no valor arrecadado para o Erário. Ou seja, honorários recebidos pelos
advogados que atuam em causas do lado privado. Além de altos salários, querem
prêmios pela execução do dever cumprido.
Vale lembrar que o agente público que faz corpo mole no cumprimento do
seu dever incorre no crime de concussão (cujo passo adiante é a corrupção
passiva). E quem não cumpre o dever diante de um crime está sujeito ao crime de
prevaricação. Aparentemente, quem entra em um concurso público está em busca de
uma carreira estável no serviço público (sem os sobressaltos das demissões no
setor privado). Esse é o ideal da maioria. Entretanto, as práticas desonestas
que os novatos percebem nos veteranos, que ostentam, tendem a desvirtuar
ideais. Criar milícias ou integrar seus feudos viram alvo de muitos. A ética dá
lugar à cobiça, e o primeiro lesado é o Erário. Mas, no fundo, os lesados somos
nós contribuintes, cumpridores de nossos deveres, que ainda ficamos privados
dos serviços do Estado pelo desvio das receitas.
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Reforma
ou justiça tributária?
A reforma tributária, com a simplificação da pilha de impostos (em todas
as esferas administrativas – União, estados e Municípios) tende a diminuir o
espaço de manobra para os que se valem da “estrela de xerife” para intimidar o
contribuinte. Mas é preciso deixar claro. Quanto mais a tributação estiver
atrelada à renda do contribuinte e a seu patrimônio resultante (e não à sua
estrutura de consumo), mais próximo caminharemos para a justiça tributária.
No sistema atual, quem paga a conta mesmo é o consumidor. Os impostos,
reclamados pelos comerciantes, prestadores de serviços e industriais, já estão
embutidos, junto com margem de lucro, nos preços dos produtos e serviços, pagos
pelo consumidor. Chega a ser farisaísmo um comerciante encher a boca e reclamar
que paga até 47% de carga tributária. Como toda a cadeia de produção e
serviços, incluindo o rico sistema financeiro, ele só recolhe a fração de
impostos (quando não sonega), a parte de impostos que já pagamos.
Por isso, a verdadeira justiça fiscal será feita quando avançar no país
a cobrança de tributos sobre a renda e patrimônio, que não chega 33%, o inverso
da Europa e países da OCDE, onde supera os 70%. Aqui, o grosso (mais de 65%)
recai sobre o consumo. Lá, além de estar discriminado o que é imposto para o
consumidor, a carga tributária sobre o consumo é inferior a 30% do total.
Fonte: Por Gilberto Menezes, no Jornal do Brasil
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