segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Ex-Odebrecht envolvido na Lava Jato colombiana é gestor de obras da Braskem em Maceió

Ex-diretor da Odebrecht na Colômbia indiciado por corrupção em agosto deste ano, é o responsável pela gestão do contrato milionário, firmado entre a Braskem e a MTSul Construções, para o fornecimento de areia para preencher as minas de sal-gema, que têm provocado o afundamento do solo em Maceió.

O engenheiro civil Eleuberto Martorelli trabalhou durante 22 anos, de 1997 a 2019, na Odebrecht – atual Novonor, que é a controladora da Braskem – e agora presta os serviços indiretamente para a ex-empregadora por meio da terceirizada.

A Agência Pública teve acesso exclusivo ao contrato, no valor estimado de R$62,9 milhões, firmado entre a mineradora e a MTSul Construções em junho de 2022, com vigência até dezembro de 2024.

De acordo com o documento, a empresa foi contratada para fornecer em 18 meses, um volume de areia de até 550 mil metros cúbicos. A mina 18 que está em risco de colapso, possui 116 mil metros cúbicos, segundo a prefeitura da capital alagoana. “O material será fornecido por demanda, não havendo obrigatoriedade do consumo no valor global do contrato”, diz o acordo.

Martorelli é o procurador da MTSul e gestor do contrato com a Braskem, conforme o documento. Ele foi diretor da Odebrecht na Colômbia de 2013 a 2017 e em agosto deste ano foi indiciado por corrupção pelo Ministério Público no país, numa investigação iniciada a partir dos desdobramentos da Operação Lava Jato no Brasil.

O engenheiro chegou a admitir em sua delação à Justiça colombiana em 2017, que pagou propina a políticos e servidores públicos, e que as campanhas do então presidente Juan Manuel Santos, e de seu opositor, o ex-candidato derrotado Óscar Iván Zuluaga, receberam dinheiro da Odebrecht por meio de caixa dois.

“Paguei (a Santos), em março de 2014, US$ 500 mil e, depois, com a conclusão dos serviços (da pesquisa de opinião) em abril, paguei outros US$ 500 mil”, afirmou Martorelli, referindo-se aos pagamentos ilegais realizados por meio do departamento da Odebrecht destinado à gestão e distribuição da propina.

O atual representante da MTSul Construções publicou em seu Linkedin que trabalha na empresa mato-grossense desde 2021. Ele registrou na rede que é o responsável pela abertura do mercado da empreiteira no Nordeste e por ter conquistado os contratos junto à Braskem.

Questionada pela Pública sobre os critérios na escolha de suas terceirizadas, a Braskem informou que “possui um sistema de conformidade onde avalia a integridade dos parceiros com os quais se relaciona”. “Os processos de contratação obedecem diretrizes empresariais rigorosas e são conduzidos exclusivamente pela companhia, sem qualquer participação do município de Maceió no processo”, destacou a mineradora em nota. A reportagem tentou contato com a MTSul, com o presidente da empresa Márcio Bozetti e com Eleuberto Martinelli, mas não obteve retorno.

Conforme apurou a Pública junto a fontes em Maceió próximas ao caso, Martorelli teria levado para trabalhar na MTSul em Alagoas outro nome que ficou famoso no escândalo da Lava Jato, o também ex-servidor da Odebrecht Carlos Berardo Zaeyen.

Em depoimento à Polícia Federal, Zaeyen apontou suspeitas de fraude na Construção da Cidade Administrativa, durante o governo do hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB). O caso acabou arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após as provas da Odebrecht terem sido consideradas inválidas.

Conforme informações do site do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (CREA/AL), a MTSul solicitou em outubro de 2022, a inclusão de Zaeyen como responsável técnico em uma obra da empresa no município de Arapiraca, a 220 quilômetros de Maceió.

•        Obras de mobilidade urbana

Além do fornecimento de areia para preencher as minas e evitar a movimentação de terra, a MTSul foi contratada pela Braskem para executar outras duas obras de mobilidade previstas no acordo socioambiental firmado entre a mineradora, os Ministérios Públicos Federal, Estadual e a prefeitura de Maceió: a terraplanagem da encosta do bairro Mutange – o mais atingido pela extração de sal-gema – e a ampliação da Avenida Durval de Góes Monteiro, uma das principais vias da cidade.

Por meio do acordo Socioambiental, a Braskem se comprometeu a “adotar as medidas necessárias à estabilização e ao monitoramento da subsidência decorrente da extração de sal-gema”; “reparar, mitigar ou compensar potenciais impactos e danos ambientais decorrentes da extração de sal-gema” e “reparar, mitigar ou compensar potenciais impactos e danos socio urbanísticos decorrentes da extração de sal- gema, entendidos como os impactos nas áreas desocupadas, na mobilidade urbana e os impactos sociais”. De acordo com termo firmado, as ações de mobilidade urbana custarão à mineradora R$360 milhões.

Desde 2019, a operação da mineradora na cidade está suspensa, diante dos riscos dos tremores que começaram a ser registrados no ano anterior, após décadas de exploração. Ao menos quatro bairros foram afetados, de onde mais de 60 mil pessoas foram removidas.

Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores.

•        Do Mato Grosso para Alagoas

A MTSul Construções, responsável pelo fornecimento da areia para o preenchimento das minas, dentre as outras obras de reparação citadas acima, está sendo investigada  pelo Ministério Público Federal, por crimes contra o meio ambiente, o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. Procurada, a assessoria de comunicação do MPF informou à reportagem que não pode dar mais detalhes sobre a apuração “para  não prejudicar as investigações”.

A MTSul Construções foi fundada por Antoninho Bozetti, em 2005. A empresa tem sede em Cuiabá, onde divide o mercado com a empreiteira Agrimat Engenharia, que pertenceu ao sogro do prefeito de Maceió, Mário Roberto Candia Figueiredo até este ano. Em 2021, por exemplo, as duas empreiteiras venceram, com outras duas empresas, a licitação da prefeitura de Várzea Grande, região metropolitana da capital, para recuperação de vias.

Questionada se houve influência do prefeito João Henrique Caldas na indicação da MTSul junto à mineradora, a prefeitura respondeu que “cabe exclusivamente à Braskem a escolha de prestadores de serviços e fornecedores”, o que foi reforçado pela mineradora. A prefeitura também informou que as obras “são de responsabilidade da Braskem, executadas com recursos privados e estão sob supervisão dos órgãos de controle pactuantes do acordo socioambiental”.

Atualmente, a MTSul é administrada pelos filhos de Antoninho, Marcos Antonio, Márcio, Marcelo e Mileni Bozetti. A empresa faz parte de uma holding, a MB Participações S/A, que também tem braços nos setores de mineração e agropecuária.

Em vídeo corporativo da empresa publicado no Youtube sobre a história do Sr Antoninho e família, eles contam que trabalharam na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e na Usina de Santo Antônio e Jirau, numa época em que a empresa alugava maquinário para grandes construtores. Dentre as responsáveis do consórcio responsável por estas obras no Pará e Rondônia, respectivamente, estava a Odebrecht. 

•        Braskem será alvo de CPI no Senado

Está prevista para semana que vem a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que irá investigar a atuação da Braskem  em Maceió. Segundo o senador Renan Calheiros (MDB/AL), autor do pedido, sete dos 11 participantes já foram indicados. “A perspectiva agora é de que tenhamos a instalação na terça ou quarta-feira”, destacou, acrescentando que as primeiras reuniões públicas serão realizadas em fevereiro, no retorno do recesso parlamentar. Para o senador, a CPI deve começar ouvindo as vítimas. A Braskem também é alvo de um inquérito da Polícia Federal, desde 2019.

O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do mundo. A prefeitura de Maceió decretou estado de emergência em primeiro de dezembro, depois que o afundamento do solo acelerou aumentando o risco de colapso da mina 18. Por causa disso, a Braskem foi multada em R$ 72 milhões pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas.

O portal Uol revelou na última quarta-feira (6), que esse campo de exploração da cava, além de outras 10 minas de sal-gema, do total de 35, não tiveram o processo de fechamento concluído, conforme previa o acordo firmado entre a Braskem e a Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda em 2019.  

Segundo a Braskem, das 35 cavidades, 9 receberam recomendação de preenchimento com areia. “Destas, 5 tiveram o preenchimento concluído em outras 2 os trabalhos estão em andamento e uma já está pressurizada, indicando não ser mais necessário o preenchimento”, informou. “As atividades preparatórias para preenchimento da cavidade 18 estavam em andamento e foram suspensas preventivamente devido à movimentação atípica no solo”, acrescentou.  

Ainda de acordo com a mineradora, a conclusão dos trabalhos está prevista para 2025. “Todo o trabalho segue prazos pactuados no âmbito do plano de fechamento, que é regularmente reavaliado com a ANM”, defendeu.

 

Ø  Maceió: Prefeito e governador de AL não se falam desde anúncio de colapso de mina

 

Uma semana após o anúncio do risco de colapso de uma mina da Braskem em Maceió, o prefeito da cidade, João Henrique Caldas (PL), e o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), não se falam. A falta de contato se deve a discordâncias sobre indenizações pagas pela mineradora e pela rixa política no Estado.

O prefeito é ligado ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), enquanto o governador é aliado do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Renan é autor do pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Braskem. A abertura da comissão foi lida em plenário pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 24 de outubro, mas os trabalhos ainda não começaram pela falta de definição dos integrantes. A criação do colegiado não é apoiada por Lira.

Na última quinta-feira, 30, João Henrique Caldas disse, ao lado do presidente da Câmara, que havia tentado contato com Paulo Dantas por telefone, mas que o governador não havia atendido a ligação. Nesta quarta-feira, 6, o prefeito disse à CNN que tentou ao longo da semana falar com o emedebista por chamadas telefônicas e mensagens, mas que não teve sucesso.

A assessoria do governador afirmou ao jornal O Globo que ele não está em contato direto com Caldas, mas que não houve "nenhuma negativa ou dificuldade imposta" pelo governo estadual à prefeitura.

O Estadão procurou o governo de Alagoas e a Prefeitura de Maceió, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

•        Estado e município trabalham em comitês de crise separados

A ruptura entre Dantas e Caldas fez também que os governos estadual e municipal criassem os seus próprios comitês de emergência para gerenciar a situação. Não há um órgão que concilie os trabalhos das duas gestões.

Na terça-feira, 5, o governador se reuniu com o presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), para discutir formas de combater a crise em Maceió. No mesmo dia, estava prevista uma reunião entre Alckmin e Caldas, porém, o prefeito não foi ao compromisso.

Por sua vez, Lira, padrinho do prefeito de Maceió, é quem intermedeia o contato entre o município e o governo federal. Na última sexta-feira, 1º, o deputado afirmou que discutiu com Alckmin a criação de uma medida provisória para elaborar efeitos saneadores para ajudar a cidade como obras, moradias populares e rearrumação de áreas. Segundo o presidente da Câmara, o ministro das Cidades, Jader Filho, concordou em iniciar a construção de 2.300 casas para abrigar vítimas.

•        Acordo bilionário motiva divergência

Os dois mandatários divergem sobre um acordo que foi firmado entre a Prefeitura de Maceió e a Braskem em julho deste ano, e que contou com a participação de representantes do Ministério Público Federal (MPF). A decisão estabelece o pagamento de R$ 1,7 bilhão da empresa para a administração do município de forma parcelada.

Após os tremores em Maceió na semana passada, Caldas disse que a Braskem, a partir de uma "exploração gananciosa e predadora", provocou um "dano material e social sem tamanho". A assessoria do município, por sua vez, disse que "pode" vir a discutir novos termos de reparação após o novo alerta de risco.

Já o governador alagoano disse em uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto nesta terça que o acordo entre o município e a mineradora é "ilegal", "imoral" e "inconstitucional". O mandatário também afirmou que pediu para a Advocacia-Geral da União (AGU) uma revisão da decisão e a elaboração de um "encaminhamento justo para as vítimas". "Essa indenização tem que ser feita por quem cometeu o crime, quem cometeu um crime foi a Braskem", afirmou Dantas.

Ao Estadão, Renan Calheiros disse que a relação entre Dantas e Caldas é institucional e afirmou que não houve ligações por parte do prefeito ao governador. "Ele tem se colocado publicamente à disposição, mas o prefeito encaminhou uma solução individual", afirmou. Segundo o senador, a decisão é o principal divisor na relação entre os mandatários.

"Nunca houve essa intenção de acordo por parte do governador. É isso que coloca a gente de um lado e eles do outro", disse o emedebista, citando também o presidente da Câmara. Procurado pelo Estadão, Lira não respondeu.

 

Fonte: Por Alice Maciel, da Agencia Pública/Agencia Estado

 

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