quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Comunidade internacional entregou a Guiné "à própria sorte"

resposta da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) à atual crise na Guiné-Bissau tem sido demasiada vaga. A crítica é do vice-presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.

Em entrevista à DW, o jurista Bubacar Turé considera que a organização, que este domingo (10.12) esteve reunida em Abuja, "perdeu a oportunidade de cumprir a sua missão".

Na cimeira, que contou com a presença do Presidente Umaro Sissoco Embaló, a CEDEAO expressou solidariedade com o povo guineense e criticou mudanças de Governo inconstitucionais. Mas nada disse sobre a dissolução do Parlamento do país, no passado dia 4 de dezembro.

Bubacar Turé também não poupa críticas ao silêncio e "omissão" da restante comunidade internacional.

·        Acha que a resposta da CEDEAO à situação da Guiné-Bissau foi demasiado vaga?

Bubacar Turé (BT): Sim, eu acho que a CEDEAO perdeu a oportunidade, mais uma vez, de cumprir a sua missão de organização sub-regional, que tem como um dos seus princípios fundamentais a democracia e o Estado de Direito. O comunicado final é vago, lacónico e inconsequente. Não resolve nenhum problema. Pelo contrário, o país vai continuar mergulhado nesta crise política que, infelizmente, vai ter consequências imprevisíveis ao nível político, económico e social.

·        Acha que o Presidente saiu com a moral reforçada deste encontro? Umaro Sissoco Embaló anunciou que até esta terça-feira deverá indicar um novo primeiro-ministro para formar Governo…

BT: Para mim, é irrelevante se saiu reforçado. O importante é que todos os titulares e órgãos de soberania devem perceber, de uma vez por todas, que a lei deve ser o critério limite e o fundamento de atuação de todos. Portanto, quando a Constituição da República proclama a Guiné-Bissau como um Estado de Direito democrático, a atuação de todos deve estar subordinada à Constituição e demais leis em vigor no país. Infelizmente, não é o que está a acontecer. É por isso que a Guiné-Bissau está nesta situação difícil, que vai continuar, ao que tudo indica.

·        Portanto, concorda com os especialistas que defendem que o Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau tem obrigação de declarar inconstitucional e inválida a dissolução do Parlamento?

BT: Sim, é o que se espera. O Supremo Tribunal deve, nos termos previstos na Constituição, pronunciar-se sobre este assunto e, na nossa perspetiva, declarar o decreto [presidencial] inconstitucional. Aliás, o próprio Presidente da República reconhece que a Constituição prevê limites temporais para a dissolução da Assembleia Nacional Popular. Resta saber se o Supremo Tribunal vai cumprir a sua missão constitucional de administrar a justiça em nome do povo.

·        O líder do Parlamento, Domingos Simões Pereira, desafiou a decisão do Presidente e anunciou que vai retomar a sessão plenária na quarta-feira. Que cenário se avizinha? Qual é o ambiente que se vive neste momento em Bissau?

BT: A resistência contra medidas ilegais é um direito fundamental que assiste a todos os cidadãos, independentemente de serem responsáveis políticos ou titulares de órgãos de soberania. Eu duvido que esta sessão ocorra, mas é o procedimento que deve ser adotado por todos - resistir contra aquilo que consideramos ilegal e inconstitucional.

·        Acha que, face à situação que se vive na Guiné-Bissau, também a comunidade Internacional tem reagido de forma vaga à situação?

BT: Nos últimos três anos, tem havido uma espécie de unanimidade da parte da comunidade Internacional em abandonar a Guiné-Bissau, entregando-a à sua própria sorte. É incrível os acontecimentos, as violações dos direitos humanos ou os atropelos à legalidade que têm acontecido e que não tiveram uma reação. Toda a comunidade internacional manteve-se e continua em silêncio. Os pronunciamentos que temos ouvido são posições lacónicas, vagas e que não resolvem nenhum problema. E isso compromete os valores e os princípios que estas organizações internacionais dizem que promovem. Nós lamentamos bastante esta omissão da comunidade Internacional.

Tudo indica que isso não é um problema exclusivo da Guiné-Bissau. Se observarmos o retrocesso no que concerne aos indicadores democráticos, sobretudo na África Ocidental, e aquilo que tem sido o papel da comunidade Internacional, é sinceramente de lamentar.

 

Ø  Sissoco reconduz Geraldo Martins como primeiro-ministro

 

Geraldo Martins é vice-presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que lidera a coligação Plataforma Aliança Inclusiva (PAI - Terra Ranka), que venceu as últimas eleições legislativas na Guiné-Bissau, realizadas em junho passado.

O decreto, lido por Fernando Delfim da Silva, conselheiro político do chefe de Estado, surge depois de Sissoco Embaló ter anunciado a dissolução do Parlamento guineense, em 04 de dezembro, após confrontos militares que considerou tratar-se de uma tentativa de golpe de Estado.

O líder do PAIGC e da coligação PAI-Terra Ranka, Domingos Simões Pereira tem rejeitado que tenha ocorrido qualquer tentativa de golpe de Estado e afirmou que o parlamento não pode ser dissolvido à luz da Constituição do país.

A Constituição diz que o Parlamento só pode ser dissolvido 12 meses depois das eleições, sendo que as últimas realizaram-se em 04 de junho.

Simões Pereira, que também é presidente do Parlamento, prometeu retomar as sessões parlamentares na quarta-feira, dia 13.

Desde que o chefe de Estado anunciou a dissolução do Parlamento e a demissão do Governo, Geraldo Martins manteve-se em silêncio e a gerir os assuntos correntes do país, conforme a solicitação de Umaro Sissoco Embaló.

Quando deu posse, da primeira vez, a Geraldo Martins, no dia 08 de agosto passado, enquanto nome proposto pela coligação PAI- Terra Ranka para liderar o Governo saído das eleições, Sissoco Embaló disse que não haveria problemas de coabitação entre os dois por serem "pessoas amigas de há longa data".

"Conheço Geraldo Martins há mais de 30 anos", disse então o Presidente guineense.

·        Quem é o Geraldo Martins ?

Político do círculo restrito de amizade do líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, Geraldo Martins licenciou-se em química e física, na Moldávia, e mais tarde, já em Bissau, em direito pela Faculdade de Direito, tendo ainda concluído um mestrado em Gestão e Políticas Públicas numa universidade de Londres, Inglaterra.

Embora tenha sido ministro da Economia e Finanças da Guiné-Bissau, por diversas vezes, a grande paixão de Geraldo Martins, como o próprio o admite, é a condução de políticas no setor da Educação, pasta que também já liderou no Governo guineense.

Também foi ministro da Ciência e Tecnologias da Guiné-Bissau.

Entre 2005 e até entrar para o Governo do PAIGC, em 2014, Geraldo Martins foi quadro sénior do Banco Mundial, responsável pelos dossiês de desenvolvimento humano de 25 países subsaarianos, entre os quais Cabo Verde, Guiné-Bissau e Senegal.

Considerado idealizador técnico do "Terra Ranka" (Terra arranca), Geraldo Martins disse acreditar que a aplicação dos objetivos preconizados neste programa trará o desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Numa entrevista à Lusa para a assinalar os 100 dias da governação, em finais de novembro passado, Geraldo Martins afirmou estar convicto de que seria desta vez que um Governo eleito na Guiné-Bissau iria concluir o seu mandato.

A questão agora é saber se o novo Governo que irá liderar será formado pela coligação PAI-Terra Ranka, que venceu as legislativas com maioria absoluta, ou pelo Presidente guineense.

·        "Geraldo Martins vai liderar o meu Governo", diz presidente

O chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, esclareceu, esta terça-feira (12.12), que Geraldo Martins vai liderar um Governo de iniciativa presidencial, para estabilizar o país.

"Brevemente vão conhecer o novo Governo de iniciativa presidencial. O Geraldo foi a minha escolha pessoal enquanto quadro deste país. Não será um Governo do PAIGC, do MADEM-G15 e nem do PRS. Será o meu Governo. O Parlamento já caiu, já era", disse Sissoco Embaló, na tomada de posse do primeiro-ministro reconduzido hoje.

Voltando a frisar que "o país não pode parar", o Presidente guineense afirmou que um dos objetivos do novo Executivo será realizar eleições legislativas antecipadas. "Mas veremos se teremos condições para eleições", disse.

Mais de uma semana depois de ter dissolvido a Assembleia Nacional Popular(ANP), Umaro Sissoco Embaló reconduziu e deu posse a Geraldo Martins no cargo de primeiro-ministro.

·        Violação da Constituição

Isto porque, explica o jurista guineense, "o decreto [da dissolução do Parlamento] é inexistente e não há elementos e motivos para o Governo de iniciativa presidencial. Aliás, a nível da nossa legislação não existe essa nomenclatura e, portanto, ao avançar para um Governo de iniciativa presidencial, [o Presidente da República] estaria, mais uma vez, a violar gravemente a nossa Constituição da República".

Para Cabi Sanhá, em termos jurídicos, com Geraldo Martins reconduzido no cargo de primeiro-ministro, a saída para a crise política no país seria dar um passo atrás. Ou seja, "voltar à situação anterior. Por ventura, o Presidente da República poderá, enquanto garante da estabilidade, exigir uma remodelação a nível do Governo. Mas não há outra saída, a não ser que continue a enveredar pelo caminho da ilegalidade", explica.

Também em entrevista à DW, Celestino João Insumbo lamenta as cíclicas instabilidades políticas da Guiné-Bissau. O sociólogo nota que, "desde a independência, o país já teve quase vinte primeiros-ministros e governos”. Por isso, prossegue, "é preciso repensar a governação e a nova dinâmica, e é preciso ter pessoas comprometidas com a população".

Celestino João Insumbo diz ainda que "é necessário mais diálogo e abertura entre os órgãos da soberania, envolvendo também a sociedade civil, para um diálogo mais profundo para permitir o país voltar à normalidade e as populações conviverem na paz e tranquilidade".

·        Críticas a DSP

Numa curta nota publicada nas redes sociais, Domingos Simões Pereira, presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e líder da PAI-Terra Ranka, confirmou que foi a coligação vencedora das legislativas que deu o aval para a nomeação de Geraldo Martins como primeiro-ministro, apelando à calma e à compreensão dos militantes.

Mas, em conferência de imprensa, João Bernardo Vieira, um dos destacados militantes do PAIGC, considerou que Simões Pereira já não tem condições para continuar a liderar o partido, por causa das constantes lutas políticas que se têm registado desde que assumiu a liderança dessa formação política.

"Fizemos a luta de libertação nacional onze anos e nós [no PAIGC], de 2014 a 2024, vamos completar dez anos da guerra política. Não ajamos com o coração, mas sim com a razão”, disse João Bernardo Vieira, frisando que "este é o fim de um ciclo, Domingos [Simões Pereira] é um grande político e deu o que deu, mas chegou ao fim".

Contactado pela DW África, Domingos Simões Pereira recusou-se a comentar as declarações do ex-secretário de Estado de Comunicações.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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