Comunidade internacional entregou a Guiné "à própria sorte"
A resposta da
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) à atual crise na
Guiné-Bissau tem sido demasiada vaga. A crítica é do
vice-presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.
Em entrevista à DW, o jurista Bubacar
Turé considera que a organização, que este domingo (10.12) esteve reunida em
Abuja, "perdeu a oportunidade de cumprir a sua missão".
Na cimeira, que contou com a presença do Presidente
Umaro Sissoco Embaló, a CEDEAO expressou solidariedade com o povo guineense e
criticou mudanças de Governo inconstitucionais. Mas nada disse sobre a dissolução
do Parlamento do país, no passado dia 4 de dezembro.
Bubacar Turé também não poupa críticas ao silêncio
e "omissão" da restante comunidade internacional.
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Acha que a resposta da CEDEAO à situação da Guiné-Bissau foi demasiado
vaga?
Bubacar Turé (BT): Sim, eu acho que a CEDEAO
perdeu a oportunidade, mais uma vez, de cumprir a sua missão de organização
sub-regional, que tem como um dos seus princípios fundamentais a democracia e o
Estado de Direito. O comunicado final é vago, lacónico e inconsequente. Não
resolve nenhum problema. Pelo contrário, o país vai continuar mergulhado nesta
crise política que, infelizmente, vai ter consequências imprevisíveis ao nível
político, económico e social.
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Acha que o Presidente saiu com a moral reforçada deste encontro? Umaro
Sissoco Embaló anunciou que até esta
terça-feira deverá indicar um novo primeiro-ministro para
formar Governo…
BT: Para mim, é irrelevante se saiu
reforçado. O importante é que todos os titulares e órgãos de soberania devem
perceber, de uma vez por todas, que a lei deve ser o critério limite e o
fundamento de atuação de todos. Portanto, quando a Constituição da República
proclama a Guiné-Bissau como um Estado de Direito democrático, a atuação
de todos deve estar subordinada à Constituição e demais leis em vigor no país.
Infelizmente, não é o que está a acontecer. É por isso que a Guiné-Bissau
está nesta situação difícil, que vai continuar, ao que tudo indica.
·
Portanto, concorda com os especialistas que defendem que o Supremo Tribunal
de Justiça da Guiné-Bissau tem obrigação de declarar inconstitucional e
inválida a dissolução do Parlamento?
BT: Sim, é o que se espera. O Supremo Tribunal
deve, nos termos previstos na Constituição, pronunciar-se sobre este assunto e,
na nossa perspetiva, declarar o decreto [presidencial] inconstitucional.
Aliás, o próprio Presidente da República reconhece que a Constituição
prevê limites temporais para a dissolução da Assembleia Nacional Popular.
Resta saber se o Supremo Tribunal vai cumprir a sua missão constitucional de
administrar a justiça em nome do povo.
·
O líder do Parlamento, Domingos Simões Pereira, desafiou a decisão do
Presidente e anunciou que vai retomar
a sessão plenária na quarta-feira. Que cenário se avizinha? Qual é o
ambiente que se vive neste momento em Bissau?
BT: A resistência contra medidas ilegais é um
direito fundamental que assiste a todos os cidadãos, independentemente de serem
responsáveis políticos ou titulares de órgãos de soberania. Eu duvido que esta
sessão ocorra, mas é o procedimento que deve ser adotado por todos - resistir
contra aquilo que consideramos ilegal e inconstitucional.
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Acha que, face à situação que se vive na Guiné-Bissau, também a
comunidade Internacional tem reagido de forma vaga à situação?
BT: Nos últimos três anos, tem havido uma
espécie de unanimidade da parte da comunidade Internacional em abandonar a
Guiné-Bissau, entregando-a à sua própria sorte. É incrível os acontecimentos,
as violações dos direitos humanos ou os atropelos à legalidade que têm
acontecido e que não tiveram uma reação. Toda a comunidade internacional
manteve-se e continua em silêncio. Os pronunciamentos que temos ouvido são
posições lacónicas, vagas e que não resolvem nenhum problema. E isso compromete
os valores e os princípios que estas organizações internacionais dizem que
promovem. Nós lamentamos bastante esta omissão da comunidade Internacional.
Tudo indica que isso não é um problema exclusivo da
Guiné-Bissau. Se observarmos o retrocesso no que concerne aos indicadores
democráticos, sobretudo na África Ocidental, e aquilo que tem sido o papel da
comunidade Internacional, é sinceramente de lamentar.
Ø Sissoco
reconduz Geraldo Martins como primeiro-ministro
Geraldo Martins é vice-presidente do Partido
Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que lidera a
coligação Plataforma Aliança Inclusiva (PAI - Terra Ranka), que venceu as
últimas eleições legislativas na Guiné-Bissau, realizadas em junho passado.
O decreto, lido por Fernando Delfim da Silva,
conselheiro político do chefe de Estado, surge depois de Sissoco
Embaló ter anunciado a dissolução do Parlamento guineense, em 04 de
dezembro, após confrontos militares que considerou tratar-se de uma tentativa
de golpe de Estado.
O líder do PAIGC e da coligação PAI-Terra
Ranka, Domingos
Simões Pereira tem rejeitado que tenha ocorrido qualquer tentativa de golpe de
Estado e afirmou que o parlamento não pode ser dissolvido à luz da Constituição
do país.
A Constituição diz que o Parlamento só pode ser
dissolvido 12 meses depois das eleições, sendo que as últimas realizaram-se em
04 de junho.
Simões Pereira, que também é presidente do
Parlamento, prometeu retomar as sessões parlamentares na quarta-feira, dia 13.
Desde que o chefe de Estado anunciou a dissolução
do Parlamento e a demissão do Governo, Geraldo Martins manteve-se em silêncio e
a gerir os assuntos correntes do país, conforme a solicitação de Umaro Sissoco
Embaló.
Quando deu posse, da primeira vez, a Geraldo
Martins, no dia 08 de agosto passado, enquanto nome proposto pela coligação
PAI- Terra Ranka para liderar o Governo saído das eleições, Sissoco Embaló
disse que não haveria problemas de coabitação entre os dois por serem
"pessoas amigas de há longa data".
"Conheço Geraldo Martins há mais de 30
anos", disse então o Presidente guineense.
·
Quem é o Geraldo Martins ?
Político do círculo restrito de amizade do líder do
PAIGC, Domingos Simões Pereira, Geraldo Martins licenciou-se em química e
física, na Moldávia, e mais tarde, já em Bissau, em direito pela Faculdade de
Direito, tendo ainda concluído um mestrado em Gestão e Políticas Públicas numa
universidade de Londres, Inglaterra.
Embora tenha sido ministro da Economia e Finanças
da Guiné-Bissau, por diversas vezes, a grande paixão de Geraldo Martins, como o
próprio o admite, é a condução de políticas no setor da Educação, pasta que
também já liderou no Governo guineense.
Também foi ministro da Ciência e Tecnologias da
Guiné-Bissau.
Entre 2005 e até entrar para o Governo do PAIGC, em
2014, Geraldo Martins foi quadro sénior do Banco Mundial, responsável pelos
dossiês de desenvolvimento humano de 25 países subsaarianos, entre os quais
Cabo Verde, Guiné-Bissau e Senegal.
Considerado idealizador técnico do "Terra
Ranka" (Terra arranca), Geraldo Martins disse acreditar que a aplicação
dos objetivos preconizados neste programa trará o desenvolvimento da
Guiné-Bissau.
Numa entrevista à Lusa para a assinalar os 100 dias
da governação, em finais de novembro passado, Geraldo Martins afirmou estar
convicto de que seria desta vez que um Governo eleito na Guiné-Bissau iria
concluir o seu mandato.
A questão agora é saber se o novo Governo que irá
liderar será formado pela coligação PAI-Terra Ranka, que venceu as legislativas
com maioria absoluta, ou pelo Presidente guineense.
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"Geraldo Martins vai liderar o meu Governo", diz presidente
O chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló,
esclareceu, esta terça-feira (12.12), que Geraldo Martins vai liderar um
Governo de iniciativa presidencial, para estabilizar o país.
"Brevemente vão conhecer o novo Governo de
iniciativa presidencial. O Geraldo foi a minha escolha pessoal enquanto quadro
deste país. Não será um Governo do PAIGC, do MADEM-G15 e nem do PRS. Será o meu
Governo. O Parlamento já caiu, já era", disse Sissoco Embaló, na
tomada de posse do primeiro-ministro reconduzido hoje.
Voltando a frisar que "o país não pode
parar", o Presidente guineense afirmou que um dos objetivos do novo
Executivo será realizar eleições legislativas antecipadas. "Mas
veremos se teremos condições para eleições", disse.
Mais de uma semana depois de ter
dissolvido a Assembleia Nacional Popular(ANP), Umaro Sissoco Embaló reconduziu e deu
posse a Geraldo Martins no cargo de primeiro-ministro.
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Violação da Constituição
Isto porque, explica o jurista guineense, "o
decreto [da dissolução do Parlamento] é inexistente e não há elementos e
motivos para o Governo de iniciativa presidencial. Aliás, a nível da nossa
legislação não existe essa nomenclatura e, portanto, ao avançar para um Governo
de iniciativa presidencial, [o Presidente da República] estaria, mais uma
vez, a violar gravemente a nossa Constituição da República".
Para Cabi Sanhá, em termos jurídicos, com Geraldo
Martins reconduzido no cargo de primeiro-ministro, a saída para a crise
política no país seria dar um passo atrás. Ou seja, "voltar à
situação anterior. Por ventura, o Presidente da República poderá, enquanto
garante da estabilidade, exigir uma remodelação a nível do Governo. Mas não há
outra saída, a não ser que continue a enveredar pelo caminho da
ilegalidade", explica.
Também em entrevista à DW, Celestino João Insumbo
lamenta as cíclicas instabilidades políticas da Guiné-Bissau. O sociólogo nota
que, "desde a independência, o país já teve quase vinte
primeiros-ministros e governos”. Por isso, prossegue, "é preciso repensar
a governação e a nova dinâmica, e é preciso ter pessoas comprometidas com a
população".
Celestino João Insumbo diz ainda que
"é necessário mais diálogo e abertura entre os órgãos da soberania,
envolvendo também a sociedade civil, para um diálogo mais profundo para
permitir o país voltar à normalidade e as populações conviverem na paz e
tranquilidade".
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Críticas a DSP
Numa curta nota publicada nas redes sociais,
Domingos Simões Pereira, presidente do Partido Africano da Independência da
Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e líder da PAI-Terra Ranka, confirmou que foi a
coligação vencedora das legislativas que deu o aval para a nomeação de Geraldo
Martins como primeiro-ministro, apelando à calma e à compreensão dos
militantes.
Mas, em conferência de imprensa, João Bernardo
Vieira, um dos destacados militantes do PAIGC, considerou que Simões Pereira já
não tem condições para continuar a liderar o partido, por causa das constantes
lutas políticas que se têm registado desde que assumiu a liderança dessa
formação política.
"Fizemos a luta de libertação nacional onze
anos e nós [no PAIGC], de 2014 a 2024, vamos completar dez anos da guerra
política. Não ajamos com o coração, mas sim com a razão”, disse João Bernardo
Vieira, frisando que "este é o fim de um ciclo, Domingos [Simões Pereira]
é um grande político e deu o que deu, mas chegou ao fim".
Contactado pela DW África, Domingos Simões Pereira
recusou-se a comentar as declarações do ex-secretário de Estado de
Comunicações.
Fonte: Deutsche Welle
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