quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Após retrocessos com Bolsonaro, Lula ainda patina em promessas por transparência

A implementação de políticas na área de transparência no primeiro ano do governo Lula (PT) tem caminhado em ritmo mais lento do que o esperado por organizações da sociedade civil que monitoram a implementação da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Na campanha eleitoral, Lula prometeu derrubar sigilos impostos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e voltar a fazer a LAI ser cumprida no país.

Passado um ano, a avaliação é a de que houve avanço em termos de discurso, inclusive com a criação de uma política de transparência, e diálogo, com a implementação de um grupo de trabalho específico no Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção, retomado em maio, no aniversário de 11 anos da LAI.

Apesar disso, houve questionamentos a sigilos impostos pelo próprio governo Lula, entraves ainda não superados e falhas atribuídas a questões técnicas, mas com impacto na falta de transparência como mostrou a Folha de S.Paulo, a gestão petista ficou quase quatro meses sem divulgar dados do cartão corporativo da Presidência.

Lula também chegou a fazer em setembro uma defesa pública de sigilo de votos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), na contramão da Constituição, tornando-se alvo de críticas de especialistas e entidades.

Em maio, a CGU (Controladoria Geral da União) divulgou o resultado da reavaliação de 254 processos de sigilo da gestão Bolsonaro, apontando indícios do uso da máquina pública nas eleições presidenciais de 2022.

Também houve alteração do decreto que regulamenta a LAI para tornar obrigatórios enunciados divulgados pelo órgão.

“Por um lado a gente vê algumas normas e espaços sendo construídos e consolidados

em direção da expansão de diálogo e fortalecimento da transparência, mas por outro ainda parece que há algo segurando para que isso se converta em ações concretas e resultados”, diz a coordenadora de advocacy e pesquisa da Open Knowledge Brasil, Danielle Bello.

Um exemplo nesse sentido são as negativas indevidas de acesso à informação em razão da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que continuam a acontecer em diferentes pastas.

“A LGPD continua sendo um problema para nós e continuará sendo se não houver capacitação e clareza de discurso de cima para baixo de que não, a lei não é conflitante com o acesso à informação”, afirma Kátia Brembatti, presidente do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, que reúne organizações da sociedade civil.

Em uma pesquisa com servidores do governo federal em 2022, a organização identificou que muitos deles têm receio de fornecer informações e serem enquadrados por descumprir a LGPD.

Bruno Morassuti, cofundador da agência Fiquem Sabendo, afirma que a organização já teve negativas para pedidos sobre infrações de militares, desmatamento ilegal e agendas da Presidência.

“Temos questões em que já houve a recomendação, revisão, mas no final nada de concreto aconteceu. Isso acaba sendo frustrante considerando que a gente tem todo um discurso de transparência no presente”, afirma.

A diretora da Transparência Brasil, Marina Atoji, cita um levantamento feito pela organização sobre listas de TCI (Termos de Classificação de Informação) no Ministério da Saúde, na Casa Civil e na Secretaria de Relações Institucionais que eram desconhecidas pela CMRI (Comissão Mista de Reavaliação de Informações), última instância revisora da LAI.

“A CMRI tem um registro muito pobre da revisão dos sigilos e do registro da gestão deles, de quantos documentos ou quantas informações são classificadas em grau de sigilo”, diz Atoji.

A CGU informou que o desencontro sobre esses dados está sendo enfrentado pela primeira vez por este governo e que será resolvido com o lançamento de um sistema desenvolvido com a Casa Civil para obrigar todos os órgãos e entidades do Poder Executivo federal a registrarem suas informações classificadas.

O caso mais emblemático citado pelas organizações é a falta de solução para a interrupção da divulgação de microdados das avaliações de ensino e levantamentos oficiais pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). A ausência de dados tem prejudicado pesquisadores na área da educação.

A CGU afirma acompanhar de perto o debate. Em setembro, a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) afirmou que o principal risco apontado pelo Inep é o de reidentificação de crianças e adolescentes a partir dos microdados e que foram propostas duas medidas para resolver a questão.

A primeira é a modificação da estrutura dos arquivos, para generalizar categorias e retirar informações que possibilitem a identificação de pessoas. A segunda é estabelecer o controle de acesso aos dados.

A secretária Nacional de Acesso à Informação da CGU, Ana Túlia de Macedo, diz que ainda não há previsão para que as mudanças sejam colocadas em prática, mas que em janeiro haverá uma reunião com o Inep para discutir o tema.

Ela afirma ainda que cerca de 2.300 servidores federais receberam formação neste ano sobre as novas diretrizes para aplicação da LAI. Em outra frente, a administração trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta com uso de inteligência artificial para que os enunciados sejam sugeridos aos profissionais na hora de responder aos pedidos recebidos.

Em relação às negativas com base na LGPD, a CGU diz que busca identificar casos e temas em que a proteção de dados ainda é utilizada de forma equivocada e para estabelecer parâmetros para auxiliar os órgãos e entidades na análise dos casos concretos.

Nesse sentido, a Controladoria mantém canais de comunicação por email e telefone para solucionar dúvidas gerais de aplicação da LAI.

“A cada decisão aqui na CGU e a cada orientação que damos ao servidor que entra em contato com a gente, a gente vai dando segurança para os órgãos ficarem mais tranquilos na hora de fornecer informação, mesmo que o documento tenha um dado pessoal”, diz Macedo.

A secretária acrescenta que, no começo do ano, o governo deve passar a usar uma ferramenta, desenvolvida pela Petrobras, para tarjar automaticamente dados pessoais sensíveis, com a expectativa de equalizar o problema em relação à LGPD.

“Se eu tenho em um contrato o endereço da pessoa, isso é um dado pessoal sensível, então preciso tarjar. Mas se é um servidor público, o salário dele está no Portal da Transparência e isso vai continuar público”, diz.

 

Ø  Governo quer rever programa de Bolsonaro e criar novo marco legal de ferrovias

 

Pouco mais de dois anos após o lançamento do programa Pró-Trilhos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elabora um novo marco legal para o transporte ferroviário no Brasil, com foco em concessões de chamados “trechos estruturantes”.

O programa de Bolsonaro criou a figura da autorização ferroviária, que deu aos empreendedores autonomia para sugerir trechos à ANTT (Agência Nacional dos Transportes Terrestres). As autorizações são dadas aos primeiros a sugerir cada trecho.

Foi elogiado pelo setor, já que garante à iniciativa privada a possibilidade de construir suas próprias ferrovias, de acordo com o interesse de cada empreendedor. Houve uma enxurrada de projetos nos primeiros meses após a criação do programa, mas o avanço ainda é lento.

Das 76 requisições de novos trechos, 46 evoluíram até agora para contratos assinados com a ANTT. Desse total, apenas 14 deram início ao processo de licenciamento ambiental, segundo relatório divulgado pela agência.

Só um projeto iniciou processos de desapropriação, uma das etapas mais complicadas na construção de uma ferrovia no país, segundo investidores.

“O principal efeito da Medida Provisória conhecida como Pró-Trilhos foi o de criar uma desordenada corrida de pedidos de autorizações ferroviárias”, avalia o Ministério dos Transportes, que promete mudanças no modelo.

“As empresas apresentavam ao governo projetos que preenchiam requisitos mínimos sem necessariamente ter condições ou real intenção de levar o empreendimento adiante”, continua. “Isso gerou a falsa ilusão de que o setor passava por uma revolução.”

O mercado já esperava alguma mortandade de projetos e esperava que apenas aqueles dedicados a cargas específicas ou de conexão com a malha existente teriam mais chance de sair do papel.

Neste caso estariam, por exemplo, trecho ligando produção de celulose no Mato Grosso do Sul à malha ferroviária em São Paulo, ou trecho dedicado a operações de mineração na Bahia. Nestes casos, o governo Lula pretende manter o modelo de autorização.

A ideia, diz o ministério, é diferenciar ferrovias estruturantes de linhas mais curtas. “Ferrovias mais curtas terão regulação mais simplificada, similarmente ao modelo americano. Por outro lado, as estruturantes precisam passar por uma carga regulatória mais convencional, similar às concessões”, diz.

Essa última classificação, alega, se assemelha aos corredores estruturantes da União Europeia. “Por exemplo, trechos estratégicos, de grande porte ou que dão acesso a porto organizado seriam obrigados a compartilhar a malha.”

O Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) traz 15 projetos de novas concessões em estudo, entre eles a Ferrogrão, trecho que levaria a produção agrícola do Centro-Oeste ao Pará e é alvo de resistência de organizações ambientalistas e povos indígenas.

Empreendedores com projetos já autorizados pela ANTT sob o modelo do Pró-Trilhos não veem risco de reversão das autorizações. É o caso do grupo GPM, que desenvolve a Estrada de Ferro Alcântara-Açailândia, no Maranhão.

Com 536 quilômetros de extensão, o ramal ligará o terminal maranhense à Ferrovia Norte-Sul, apresentando-se como alternativa para o escoamento de grãos da região Centro-Oeste, com previsão de início das operações em dezembro de 2031, segundo a ANTT.

“Devido às suas águas profundas, [o terminal de Alcântara] movimentará elevados volumes de carga de diversos tipos, destacando-se os grãos o minério de ferro”, diz a empresa, em nota enviada à Folha de S.Paulo.

A obra mais avançada sob o modelo de autorização foi autorizada pelo Mato Grosso, e não pelo governo federal, para a construção do malha norte da Rumo Logística, que ligará terminal de Rondonópolis, no Mato Grosso, a Cuiabá e Lucas do Rio Verde, no mesmo estado.

As obras estão em andamento desde novembro de 2022 e a previsão é que a primeira fase, com 200 quilômetros de extensão, seja concluída em 2024, segundo a companhia. A ferrovia completa, com 734 quilômetros, deve ser concluída em 2030.

A ANTT diz que, a partir das autorizações, “cabe a cada empresa conduzir as tratativas para tirar o projeto do papel, assumindo todos os riscos do negócio” e a responsabilidade de obter desenvolver o projeto, obter licenças e financiamento.

O programa institui prazos para o cumprimento de etapas, como a obtenção de licenças prévia (três anos), de instalação (cinco anos) e de operação (dez anos). Caso não haja justificativa para atrasos, a ANTT pode cassar as autorizações.

 

Fonte: FolhaPress
 

Nenhum comentário: