Produtores do Mercosul criticam falta de diálogo com UE
Agronegócios da Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai afirmam que exigências ambientais podem isolar Europa e esperam que
Lula destrave impasse do acordo comercial entre os blocos.
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Para mais de trinta entidades que formam o Grupo de
Países Produtores do Sul (GPS), a União Europeia (UE) corre o risco de se
isolar do continente americano. A rede, que agrega associações e empresários do
setor na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, afirma que o bloco quer impor
políticas discriminatórias e que geram novas barreiras.
"Historicamente, temos tido um problema de
diálogo com a União Europeia. Eles decidem regras importantes do jogo não em
negociação, mas por conta própria", critica à DW Marcelo Regúnaga,
coordenador-geral GPS e ex-secretário da Agricultura da Argentina.
As críticas mais recentes se baseiam nas exigências
do Pacto Ecológico Europeu, o Green Deal. A estratégia para guiar o velho
continente rumo à uma economia neutra em carbono, na prática, também determina
o que é ou não sustentável – e isso se aplica aos parceiros que vendem produtos
para o bloco.
"Fizeram um decreto de como deve ser a
exportação para a Europa e de como se deve demonstrar determinados parâmetros.
Mas não houve nenhuma oportunidade de diálogo de demonstrar o que é viável, o
que é racional e o que não é", justifica Francisco Lezama, coordenador do
GPS no Uruguai.
Por conta disso, o acordo de livre comércio entre
Mercosul e União Europeia corre o risco de não ser ratificado, caso a Europa
permaneça inflexível, avalia Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da
Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). "O Green Deal tem falhas, e
não somos só nós que dizemos. Uma das maiores é que eles não consideram a
realidade nossa de produção, que é de clima tropical", exemplifica.
Ingo Plöger, empresário que acompanha há décadas a
negociação do acordo e atualmente está na vice-presidência da Abag, ressalta que
a UE é um importante provedor de conceitos mundiais, de regulamentações, mas
que sua atual estratégia pode provocar um isolamento. "É um bloco, um
continente estratégico, não podemos reduzir sua importância. Mas esta
inflexibilidade pode levar a um afastamento efetivo da Europa do continente
americano", opina.
Representantes europeus no Brasil alertam para o
risco de a UE perder a janela de oportunidade. "Entendemos que o acordo
entre a União Europeia e o Mercosul trará benefícios para ambos os lados e significará,
principalmente para a Europa, uma diversificação de sua cadeira de
fornecedores", pontua Barbara Konner, vice-presidente da Câmara
Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK São Paulo), à DW, mencionando as mudanças no
cenário geopolítico agravado pelo ataque russo à Ucrânia.
• Queda
de braço
Negociado ao longo de vinte anos, o acordo entre
Mercosul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela –
atualmente suspensa – e os 27 países da União Europeia foi assinado em 2019. A
partir daquele ano, o Brasil do então presidente Jair Bolsonaro ganharia fama
internacional pelas elevadas taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, o
que criou um impasse para a ratificação do acordo com os europeus.
Em março, já sob administração de Luiz Inácio Lula
da Silva, que assumiu a presidência do Mercosul, o bloco recebeu uma carta da
UE pedindo novas garantias de que os sul-americanos não destruiriam o meio
ambiente para turbinar as trocas comerciais.
Analistas apontam que o agronegócio é o setor que
mais deve se beneficiar com o acordo. Em 2022, o Brasil foi o principal
vendedor de produtos do setor para UE – soja, café e carne foram os mais
comercializados. Para o Mercosul, por outro lado, a Europa ficou menos
interessante nas últimas décadas. A China se transformou no principal destino
das exportações do bloco, com 29% de participação.
Para Lezama, a potência asiática oferece algo a
mais que os europeus: escuta. "Nós conseguimos discutir o estabelecimento
de padrões com chineses. Um exemplo foi o padrão para contaminação de
sorgo-de-alepo na soja. Foi uma discussão difícil, mas conversamos e chegamos a
um ‘final feliz'", pontua Lezama.
O sorgo-de-alepo, ou capim-massambará, é uma planta
invasora que afeta cultivos como o de soja e milho. No Brasil, um novo
protocolo fitossanitário foi implantado em 2022 para atender as demandas de
exportação de milho para o mercado chinês.
• Peso
das metas ambientais
A preocupação ambiental e facilidade para fechar,
ou não, alguns negócios marcam diferenças importantes entre europeus e
chineses, pontua Leandro Consentino, professor de Ciência Política e Relações
Internacionais no Insper. "Na
China, há uma predisposição maior de se fazer negócio por vários motivos. Não
só porque há uma necessidade maior das nossas commodities. Há uma
institucionalidade mais baixa de proteção ao meio ambiente também",
comenta.
DW Revista: Por que o acordo UE-Mercosul não sai do
papel?
Na análise do especialista, a falta de uma
sociedade civil organizada no país governado por uma ditadura precisa ser
considerada. "Na Europa, até por conta da pressão da sociedade civil, é
mais difícil que o bloco tenha quaisquer parceiros que não atendam essas
características mais duras de proteção ambiental", pondera Cosentino.
Alguns interesses, por outro lado, podem se
camuflar neste cenário, pondera o pesquisador. "Vale mencionar que há uma
boa dose de protecionismo por parte do agronegócio europeu que também
influencia a negociação com o Mercosul", adiciona.
Para Charles Pennaforte, coordenador do Laboratório
de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos da
Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), é preciso ter cautela com as
assimetrias do acordo e algumas previsões muito otimistas. "Não é possível
que o impacto seja mensurado desta maneira, não dá pra prever todas as
variáveis porque não se trata de um processo linear. No cômputo geral, a UE vai
ser a maior beneficiada", analisa.
• Quem
ganha e quem perde
Depois dos anos de "afluxo do
antiambientalismo" do governo Bolsonaro, como define Pennaforte, o atual
presidente brasileiro parece empenhado em reverter a situação, diz o
pesquisador. A queda na taxa de desmatamento da Amazônia e o retorno de
compromissos na área enviam sinais positivos ao mundo.
Entre os produtores rurais, a esperança de que Lula
resolvesse o impasse provocado pelas políticas da UE com rapidez está se
enfraquecendo, opina Plöger. "Isso pode estar sendo provocado em parte às
posições ambíguas de Lula frente ao confronto entre Rússia e Ucrânia, que é uma
questão importante para os europeus", analisa.
Segundo Plôger, os produtores reunidos na Abag
estariam dispostos a contribuir com a meta de acabar com o desmatamento ilegal
e adotar medidas conjugadas que visem a redução das mudanças climáticas. Para
convencer as partes envolvidas nas negociações do acordo comercial, o GPS tem
trabalhado com representantes do Mercosul na finalização de um documento mais
detalhado que será entregue à União Europeia.
Carlos Rittl, diretor de políticas públicas para
florestas e mudanças climáticas da Wildlife Conservation Society que acompanhou
de perto as negociações, avalia que as críticas feitas pelo agronegócio
brasileiro vêm também do incômodo do setor em relação às adequações ambientais
necessárias.
"É um acordo de longo prazo. Por mais que haja
compromisso muito forte, e o presidente atual sempre fala do compromisso
ambiental nos fóruns internacionais e o trabalho da Marina Silva já está
entregando resultado, o acordo tem efeito no longo prazo. Se houver mudança do
governo, o acordo tem que assegurar que ele mesmo não sirva de incentivo para
quem está desmatando", argumenta Rittl.
Venezuela
espera que uso 'coercitivo' do dólar termine em breve, com moedas locais
ganhando destaque
O dólar é frequentemente usado como uma arma de
coerção a nível estatal, mas isso acabará em breve, pois surgirão outras opções
para o comércio internacional, disse o ministro das Relações Exteriores da
Venezuela, Yván Gil, à Sputnik, à margem da semana de alto nível da Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas em Nova York.
Na cúpula do BRICS em Joanesburgo, no final de
agosto, os líderes do bloco adotaram uma declaração que prevê o uso de moedas
locais no comércio mútuo e o "fortalecimento das redes de correspondentes
bancários entre os países do BRICS, permitindo liquidações em moedas
locais".
"O estabelecimento de uma nova ordem mundial
certamente contribuirá para que o dólar deixe de ser a única moeda no comércio
internacional. Já podemos ver como, dia após dia, produtos como portadores de
energia estão sendo cada vez mais negociados em outras moedas que não o
dólar", disse Gil.
Os principais exportadores de alimentos da América
Latina, como Argentina e Brasil, também estão começando a usar cada vez mais
moedas que não sejam o dólar, acrescentou o ministro.
"Acredito que em breve veremos outras opções
no comércio internacional, e a hegemonia do dólar diminuirá, o que todos nós
queremos. Como o dólar hoje está sendo usado como uma arma de coerção contra os
países, esse equilíbrio, essa cesta de moedas emergentes, será muito bom para o
comércio global exatamente porque proporcionaria estabilidade a todos os nossos
países", de acordo com ele.
No início de setembro, o analista geopolítico Pepe
Escobar disse à Sputnik que os países do grupo BRICS das principais economias
emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – deveriam trabalhar
em uma unificação dos sistemas de pagamento e em um mecanismo de comércio em
moedas nacionais para impulsionar o comércio mútuo e ser mais independentes.
• MRE
da Venezuela: expansão do BRICS criará uma nova ordem e equilíbrio mundial
A expansão do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul) criará uma nova ordem mundial e contribuirá à criação de um
mundo mais equilibrado, disse à Sputnik o ministro das Relações Exteriores da
Venezuela, Yván Gil.
"Esta é uma nova ordem, não só política, mas
também econômica, e, claro, se conseguirmos garantir com o tempo a
desdolarização do comércio de energia e produtos industriais, por exemplo, das
tecnologias que são produzidas na China, Índia, vamos realmente contribuir para
a criação de um mundo mais equilibrado", disse o chanceler venezuelano à
margem da Assembleia Geral da ONU em Nova York.
A Venezuela aspira se tornar membro do BRICS em um
futuro próximo e vê apoio para sua candidatura por parte de todos os países,
incluindo a Rússia.
"A Venezuela está buscando se tornar o mais
rápido possível um membro oficial do BRICS. Somos fortemente apoiados por
Brasil, Federação da Rússia, China e pela própria África do Sul. Todos os
países apoiam a nossa candidatura", disse Gil à margem da Assembleia Geral
da ONU.
O chanceler acrescentou que em Caracas estão
"muito satisfeitos com a expansão que o BRICS tem nesta fase ou terá a
partir de janeiro, quando a Rússia se tornar presidente".
Em agosto, durante a cúpula na África do Sul, os
líderes dos países do BRICS decidiram convidar a Argentina, o Egito, o Irã, a
Etiópia, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita para se tornarem membros
plenos da organização. O grupo se expandirá formalmente em 1º de janeiro de
2024.
Fonte: Deutsche Welle/Sputnik Brasil
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