O porto nos EUA que foi palco de operação contra Salles por madeira
ilegal
Em janeiro de 2020, fiscais do Serviço de Pesca e
Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS) detiveram no porto de Savannah, na Georgia, três contêineres contendo
153.597 metros cúbicos de laminados de ipê e jatobá — duas madeiras nobres da
Amazônia — sob suspeita de irregularidades nos documentos de origem florestal.
Com origem no porto de Vila do Conde, no Pará, as cargas pertenciam à Tradelink
Madeiras Ltda., a subsidiária brasileira do grupo britânico Tradelink Wood
Products.
Nas semanas seguintes à apreensão, os agentes da
FWS perceberam uma proximidade incomum entre representantes da empresa e
membros da superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Pará, que interveio diretamente para
acelerar a liberação da carga. A Polícia Federal entrou no caso e abriu um
processo de investigação que levou à Operação Akuanduba, deflagrada em abril de
2021, tendo como alvo principal Ricardo Salles, então ministro do Meio
Ambiente, e Eduardo Bim, ex-presidente do Ibama. Os dois se tornaram
oficialmente nesta segunda-feira (28) réus por corrupção passiva, crimes
contra a flora e organização criminosa em esquema de “lavagem” de madeira.
O processo corre na 4ª Vara
Federal Criminal do Pará.
Nem a demissão de Salles — hoje deputado federal —
nem a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas frearam o fluxo de madeiras
nativas da Amazônia rumo aos Estados Unidos.
Um levantamento inédito do De Olho nos Ruralistas
mostra que, entre janeiro e julho de 2023, catorze empresas exportadoras
autuadas pelo Ibama — incluindo a própria Tradelink — exportaram, juntas,
4.640,62 toneladas de madeira ao país norte-americano, a despeito do
compromisso firmado em abril de 2022 pelo presidente Joe Biden em ampliar o controle ao comércio madeireiro oriundo de áreas de
desmatamento recente.
Ao longo de três meses, nossa equipe analisou 791
autuações ambientais enquadradas no Artigo 47 do Decreto nº
6.514/2008, relativo ao comércio ou transporte de madeira sem
licença ou com documentação irregular. As multas foram aplicadas pela
superintendência regional do Ibama no Pará entre janeiro e julho de 2023.
Juntas, as infrações somam R$ 18,2 milhões — cerca de 2% de todas as autuações
ambientais no estado.
As exportadoras de madeira compõem um filão
importante das autuações: 28% das multas aplicadas na categoria de compra e
venda de madeira irregular são de empresas filiadas à Associação das Indústrias
Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (Aimex), principal grupo de
representação e lobby do setor. Juntas, as infrações alcançam R$ 5,14 milhões.
As informações foram, então, cruzadas com os dados
de importação dos Estados Unidos, obtidos por meio da plataforma ImportGenius e
do Departamento
do Censo dos Estados Unidos. O observatório
identificou 176 operações originadas no porto de Vila do Conde, em Barcarena
(PA).
Das 4.640,62 toneladas exportadas por empresas
autuadas, 982 foram nacionalizadas no terminal de Savannah, na Georgia. O porto
que deu origem à operação contra Ricardo Salles recebeu 41 desembarques de
madeira e lidera, até o momento, as importações de chapas e perfis de árvores
nativas brasileiras. Em âmbito nacional, Savannah ocupa apenas o 10º lugar entre os principais atracadouros dos Estados Unidos.
Embora o comércio madeireiro seja rastreado pelo
Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), do
Ibama, um estudo da Rede Simex publicado no ano passado mostrou que 41% da exploração madeireira
ocorrida entre agosto de 2020 e julho de 2021 na Amazônia teve origem ilegal.
No Pará, principal exportador de madeira nativa do país, 23.390 hectares foram
extraídos sem autorização, afetando terras indígenas e unidades de conservação.
A GEORGIA QUE VIVE EM NOSSAS MENTES: DO PINHEIRO AO
IPÊ
Imortalizada na voz de Ray Charles, a música
“Georgia on my mind” evoca as paisagens naturais do Sudeste dos Estados Unidos
para expressar um sentimento quase universal: a saudade da terra natal.
Transformada em hino oficial do estado em 1979, a canção fala, em um de seus
versos, sobre os bosques de pinheiros, um dos principais (e mais ameaçados)
ecossistemas da região.
Além de seu valor simbólico, o pinheiro serviu de
base para o fortalecimento da indústria madeireira da Georgia. O estado possui
a maior área de florestas plantadas dos Estados Unidos e abriga algumas das
maiores fabricantes e distribuidoras de produtos madeireiros do mundo. Segundo
a Associação
Florestal da Georgia, em 2020 o setor movimentou, sozinho, US$ 39,1
bilhões — um crescimento de 7% em relação ao último levantamento, de 2018,
mesmo diante da pandemia de Covid-19. O valor corresponde ao PIB total do Pará,
o décimo maior do Brasil.
Esse crescimento da indústria madeireira fez cada
vez mais empresas do setor procurarem na Amazônia paraense matérias-primas
alternativas ao tradicional pinheiro da Georgia, hoje ameaçado de extinção.
Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior
e Serviços (MDIC) mostram que o Pará respondeu, em 2022, por 13,9% das exportações
brasileiras de perfis e laminados de madeira para os Estados Unidos. Ao todo,
32,8 mil toneladas — em sua maioria, de espécies nativas como o ipê (Handroanthus)
— saíram do estado amazônico em direção ao mercado estadunidense. Segundo
o Departamento do Censo dos Estados Unidos, pelo menos 7,5 mil toneladas foram
nacionalizadas via porto de Savannah. Isto é, 23% do volume total.
Esse fluxo comercial foi diretamente beneficiado
pela flexibilização nas regras para o comércio de produtos florestais imposta pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que permitiu a liberação de cargas suspeitas
de irregularidades detidas no porto de Vila do
Conde. Entre 2021 e 2022, enquanto outros estados
sofriam os efeitos da pandemia, as exportações de madeira serrada do Pará para
os Estados Unidos deram um salto de 48,6%.
TRADELINK CONCENTRA OPERAÇÕES NO PORTO DE SAVANNAH
Apesar de liderar as importações de madeira nativa
de empresas autuadas pelo Ibama entre janeiro e julho de 2023, o porto de
Savannah concentra poucos atores. Das 41 operações identificadas no
levantamento, 29 foram enviadas pela mesma empresa: a Tradelink Madeiras Ltda,
braço paraense do império madeireiro fundado por Leon Robert Welch em 1989. Com
sede em Londres, o grupo possui sete escritórios de vendas, espalhados por
Estados Unidos, Canadá, China, França, Portugal e África do Sul, responsáveis
por comercializar a madeira produzida na Amazônia.
A partir de sua planta em Ananindeua (PA), a
empresa enviou 752 toneladas de madeira para Savannah, consignados à filial
estadunidense Tradelink Wood Products, com sede em Greensboro, na Carolina do
Norte. O porto da Georgia é, pelo menos desde 2016, a principal base logística
do grupo britânico e, em 2023, responde por metade do volume de cargas enviadas
pela empresa aos Estados Unidos. Uma das principais clientes é a Lowe’s,
segunda maior cadeia varejista de materiais de construção do país.
Além das operações diretas, a Tradelink Wood
Products recebeu contêineres de outras duas empresas brasileiras: a Amazônia
Florestal Ltda, autuada em R$ 186,5 mil, e a Laminados de Madeira do Pará Ltda,
que acumula R$ 775,9 mil em multas. A descrição das faturas comerciais aponta o
foco em madeiras nobres como jatobá (Hymenaea courbaril l.), cumaru (Dipteryx
odorata) e muiracatiara (Astronium lecoinducke).
No Brasil, a Tradelink recebeu 24 autuações
ambientais, que somam R$ 762,1 mil, colocando-a em terceiro lugar entre as
exportadoras de madeira amazônica mais multadas em 2023. O histórico de infrações
da empresa é ainda mais amplo.
Com base em dados do Ibama, a Polícia Federal
aferiu que, até 2021, a empresa possuía pelo menos R$ 7
milhões em débitos resultantes de multas ambientais
por falta de controle de sua cadeia de fornecimento.
Segundo a Repórter
Brasil, a Tradelink Madeiras já comprou produtos da
Bonardi da Amazônia, madeireira flagrada em 2012 com nove pessoas em situação
de trabalho escravo. O grupo alegou que visitara a serraria quatro meses antes
e não encontrou irregularidades. Um relatório de 2015 do Greenpeace conta que a Tradelink foi uma das empresas que compraram produtos
da Madeireira Santo Antônio, que por sua vez tinha 95% de abastecimento da
Agropecuária Santa Ifigênia, suspeita de esquentar madeira ilegal a partir de
documentação oficial obtida de forma fraudulenta.
O relatório final da Operação Akuanduba revelou a
faceta política da empresa. Conforme descrito pela Folha, em 2021, autoridades aduaneiras da Bélgica e Dinamarca relataram a
integrantes da FWS dos Estados Unidos terem recebido ligações da Tradelink por
meio de ramais telefônicos pertencentes à superintendência do Ibama no Pará.
Ainda segundo servidores da FWS, que cooperaram com a PF na investigação, um
representante da empresa afirmou, durante uma reunião, ser responsável pela
indicação do superintendente Walter
Mendes Magalhães Junior. Ex-policial militar,
Magalhães atuou diretamente para liberar 110 metros cúbicos de jatobá e ipê
serrados pertencentes à Tradelink.
Em um ofício emitido à época, o superintendente
afirmou não se tratar de um privilégio ao grupo britânico, mas que ajudaria
“quaisquer empresas que estiverem em contexto semelhante, não se restringindo à
empresa em questão”.
FORNECEDORES DA SABRA INTERNATIONAL SOMAM R$ 230
MIL EM MULTAS
Com sede em Miami, Flórida, a Sabra International
Inc é uma das principais traders de madeira dos Estados Unidos. Entre janeiro e
julho de 2023, a empresa movimentou 701 toneladas originadas no porto de Vila
do Conde e transbordadas no porto de Pecém, no Ceará, onde atua junto à
brasileira EGL Export, do empresário Eliel Lima — que, em seu Linkedin, se define como “executivo de negócios” da Sabra. Desse total, 162
toneladas ingressaram pelo Porto de Savannah.
A principal parceira da Sabra no Brasil é a
Madeireira Ideal, de quem importou 82 toneladas de decks de ipê-roxo (Handroanthus
impertiginosum). Com base em Barcarena, a empresa foi autuada em 05 de
abril, somando R$ 20,7 mil por transporte irregular de madeira. Na sequência,
aparecem a Garibaldi Indústria e Comércio de Madeiras, com 38 toneladas
comercializadas e R$ 19,2 mil em multas aplicadas em 2023, e a Exmam
Exportadora, com 17 toneladas e autuações que somam R$ 91,3 mil. As três são
integrantes da Aimex.
Apesar de representar uma fatia menor nos negócios
da Sabra, a fornecedora Coexpa Comércio e Exportação de Produtos da Amazônia
tem o maior histórico de infrações ambientais. Uma investigação da Revista
Piauí, de 2022, identificou a participação da empresa na
cadeia de comercialização de um lote de ipê-amarelo extraído ilegalmente da
Floresta Nacional de Jamanxim e exportado para a J. Gibson Mcllvain Company,
que opera no porto de Baltimore, em Maryland.
Entre janeiro e julho de 2023, a Coexpa somou dez
infrações, totalizando R$ 99,2 mil. Ao todo, a empresa exportou 558 toneladas
para os Estados Unidos, sendo dois terços para a J. Gibson. Segundo a revista
Piauí, o proprietário da Coexpa, Bruno Atayde Leão, é réu em duas ações penais
na Justiça paraense.
A Sabra, por sua vez, é citada desde 2003 como
compradora de madeira ilegal: um relatório do Greenpeace, daquele ano, revelou que a importadora de Miami realizou negócios com
a Madenorte S/A, apontada como responsável pela grilagem de 72 mil hectares na Amazônia paraense.
AUTUAÇÕES DO IBAMA VOLTAM A CRESCER NO GOVERNO LULA
Conforme aponta o levantamento realizado pelo De
Olho nos Ruralistas, a retomada das políticas ambientais pelo novo governo de
Luiz Inácio Lula da Silva não conteve completamente o comércio irregular de
madeira. Sob a gestão da ministra Marina Silva, o Ibama retomou as atividades
de fiscalização, paralisadas durante o governo Bolsonaro: entre janeiro e julho de 2023, as
autuações ambientais cresceram 147% em relação à média dos quatro anos anteriores. As apreensões de
bens de infratores aumentaram em 107%.
Em junho, Lula retomou o mecanismo de conversão de
multas em serviços ambientais, suspenso por Salles em 2019 para implementar um
novo sistema de “conciliação” que, na prática, impediu o Estado brasileiro de
recolher R$ 29 bilhões oriundos de crimes contra o ambiente.
A resposta do setor madeireiro foi rápida:
representados pela Aimex, os exportadores de madeira do Pará protocolaram em
março um mandado de segurança coletivo pedindo a suspensão de 3 mil processos
administrativos impetrados pelo Ibama por falta de autorização de exportação
(Autex) em operações realizadas entre 2018 e 2019. Na ação, a Aimex alegava que
a apresentação do documento não poderia ser exigida porque um despacho do
próprio Ibama, de 2020, considerou que a instituição do Sinaflor, em 2014,
removia a exigência da Autex, vigente desde 2011. O pedido de liminar foi negado pelo juiz federal da 9ª Vara, José Airton de Aguiar Portela.
A Aimex é atualmente presidida pelo empresário
Leandro Raul Rymsza, que já ocupou o cargo interinamente entre abril e novembro
de 2021, período em que se deu a Operação Akuanduba. Um dos trechos da
investigação mostra que no ano anterior, em 06 de fevereiro de 2020, ele se
reuniu com o ex-presidente do Ibama, Eduardo
Bim, dias antes da publicação do despacho que suspendia
a exigência da Autex. Também participaram do encontro o então presidente da
Aimex, Carlos Roberto Pupo, e diretores da Tradelink Madeiras, Juan Perzan, e
da CRAS Agroindústria, Aldyr Foekel — todos beneficiários diretos da liberação.
Rymsza é um dos sócios da Laminados de Madeiras do
Pará (Lamapa), segunda colocada entre as empresas que mais receberam multas do
Ibama por comércio irregular de madeira em 2023, segundo levantamento deste
observatório.
A empresa recebeu, entre janeiro e julho, 26 autuações,
que somam R$ 775,9 mil. Na principal infração, lavrada em 21 de março, a Lamapa
foi multada em R$ 92,3 mil por “vender 275,478 m³ de madeira serrada, sendo
66,280 m³ Cites [Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies
Silvestres Ameaçadas de Extinção] ou ameaçada de extinção e 209,198 m³ não
Cites ou não ameaçada de extinção, sem a licença válida outorgada pelo órgão
ambiental competente, visto que não houve expedição adicional de Autorização
para exportação pelo Ibama”.
No mesmo período, a Lamapa exportou 50 toneladas de
laminados de roxinho (Peltogyne maranhensis), madeira valorizada para a
construção de móveis e pisos por sua coloração arroxeada. Os dois
carregamentos, recebidos em 20 de fevereiro e 13 de junho, foram destinados à
Tradelink Wood Products Ltd, braço estadunidense do grupo britânico. As cargas
saíram dos portos de Manzanillo, no Panamá, e Bustamente, na Jamaica,
respectivamente. A análise das faturas comerciais, no entanto, mostram que o
local de origem foi o porto de Vila do Conde, no Pará.
Filho de Romualdo Rymsza — um dos fundadores da
Lamapa e de sua empresa-mãe, o grupo paranaense Laminort —, Leandro ingressou
na política em 2022, ao concorrer ao cargo de 2º suplente do ex-senador Flexa
Ribeiro, que tentou retornar ao Congresso após perder a reeleição em 2018.
Ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Ribeiro é
um dos principais lobistas do setor madeireiro junto aos governos estadual e
federal e um crítico contumaz das operações do Ibama. Durante seu mandato, homenageou
empresários vinculados à Aimex, como o ex-deputado Elias Salame da Silva,
falecido em 2009 e que aparece na lista de 4.600 mega desmatadores compilada
pelo observatório na série De Olho
nos Desmatadores.
Fonte: De Olho nos Ruralistas
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