'Menos juridiquês': o projeto que defende linguagem simples para
Justiça ser mais democrática
Inane. Cônjuge supérstite. Inobstante.
Hialinamente.
São palavras incomuns, desconhecidas, complicadas e
que podem ser substituídas por sinônimos bem mais simples: "cônjuge
supérstite" é o mesmo que viúvo, "hialinamente" quer dizer
"claramente".
Apesar de tudo isso, não é raro encontrá-las em
documentos de processos judiciais - em textos de advogados, promotores e decisões
de magistrados.
É o famoso "juridiquês" - uma linguagem
desnecessariamente complicada usada com frequência em documentos judiciais.
O Direito, como toda área de conhecimento, tem
termos técnicos conhecidos por quem é da área e não pelos leigos. O problema
não uso desses termos técnicos, mas a forma excessivamente rebuscada de
escrever - nenhuma dessas palavras citadas no início do texto, por exemplo, é
um termo técnico-jurídico necessário.
Pensando em aproximar o Judiciário da sociedade, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está promovendo uma iniciativa bem sucedida
do Tribunal de Justiça da Bahia para ampliar o uso de uma linguagem mais
simples na Justiça e criar formas de traduzir as decisões para o público em
geral.
"Existe uma necessidade do Judiciário se
aproximar mais da sociedade", diz o conselheiro do CNJ Mário Maia.
"E existem muitas formas de tornar a Justiça
mais acessível - a linguagem é uma delas."
"Como primeira forma de contato, eu entendo
que linguagem pode aproximar ou afastar. Da forma como ela normalmente se
apresenta, é muito difícil de compreender."
Segundo ele, a ideia da iniciativa não é acabar com
o o uso dos termos técnicos, que são necessários, mas incentivar o uso de uma
linguagem mais direta e também criar formas de "traduzir" o processo
para quem não é da área.
"Isso não desmerece o vernáculo jurídico, que
vai continuar existindo, mas explicar as decisões para as pessoas não tiveram a
oportunidade de aprendê-lo", diz Maia.
"Não é que ele tenha que ser combatido. Ele
deve ser preservado no ambiente jurídico, na academia. Existem tradições
conservadas que carregam um valor histórico."
Mas manter uma tradição não significa rejeitar o
novo, diz ele.
• Linguagem
simples
O principal ponto da iniciativa é incentivar que os
tribunais de Justiça disponibilizem uma explicação em linguagem simples de
certas decisões, sentenças ou portarias a depender do perfil de pessoas que
elas afetem.
"Uma decisão que afeta empresas, que têm
equipes jurídicas especializadas, não precisa disso. Mas uma decisão sobre
aposentadoria, por exemplo, ou que afete o regime de trabalho do trabalhador
rural, precisa ser acessível", defende Maia.
Essa "tradução" seria produzida pelas
próprias varas tanto em forma de texto como em forma de áudio - acessível por
QR Code, por exemplo - pensando tanto em pessoas com deficiência visual quanto
em pessoas que não sabem ler.
"Para muitas pessoas é constrangedor ter que
dizer que é analfabeto e pedir para alguém ler", diz Maia.
"Disponibilizar uma explicação em áudio é uma
forma de inclusão. O acesso à Justiça gera a noção de pertencimento, a pessoa
começa a se sentir cidadã, detentora de direitos, de proteção."
A iniciativa beneficia inclusive pessoas com alta
escolaridade de outras áreas do conhecimento, segundo o conselheiro.
Afinal, a dificuldade de entender decisões pode
acontecer mesmo que as peças do processo estejam escritas de forma bastante
objetiva, com sentenças na ordem direta e linguagem clara, já que o uso de
certos termos técnicos é inevitável.
"Se eu ler um comunicado de uma associação
médica eu também não vou entender", diz Maia. "Então, essa iniciativa
é algo que beneficia todo mundo."
A iniciativa, no entanto, depende de cada tribunal
- é uma recomendação do CNJ, não uma resolução, que tornaria seus termos obrigatórios.
"É algo que pode ser iniciativa do tribunal,
do magistrado ou mesmo da secretaria da vara, de acordo com o perfil de
pessoas. Há locais onde seria importante, por exemplo, disponibilizar o
conteúdo em linguagens de povos indígenas. Muitas vezes a gente esquece que o
português não é a única língua falada no Brasil", diz Maia.
A experiência do Tribunal de Justiça da Bahia,
afirma, mostra que a iniciativa não gera gastos extras.
"Sempre tem alguma resistência das pessoas,
mas o debate é bom, ajuda a conscientizar e é uma forma da gente escutar os
questionamentos", diz.
Fonte: BBC News Brasil
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