terça-feira, 26 de setembro de 2023

'África francesa não existe mais': Macron anuncia retirada de militares franceses do Níger

O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou neste domingo (24/09) que Paris vai repatriar o seu embaixador no Níger e retirar, em breve, a presença de 1,5 mil militares franceses que se encontram no país africano. Em julho, um levante militar derrubou o presidente eleito Mohamed Bazoum e as relações entre os militares nigerinos e a França se deterioraram.

“Não existe mais ‘Françáfrica’. Quando tem um golpe de Estado, a gente não intervém”, afirmou Macron, em uma entrevista às duas principais emissoras de TV francesas, TF1 France 2. O presidente explicou que, neste contexto, a presença de soldados franceses – que estão há vários anos na ex-colônia para combater o terrorismo na região – será encerrada.

“Nas próximas horas, o nosso embaixador [Sylvain Itté] vai voltar para a França (…) e os nossos soldados, na semana e nos meses que vêm”, com uma previsão de finalização "até o fim do ano”, informou. O diplomata já havia sido declarado "persona non grata” pela junta militar no poder em Niamei.

“Nós não estamos lá para sermos reféns dos golpistas. Nós continuaremos ajudando o continente africano na luta contra o terrorismo, mas somente a governos democraticamente eleitos”, advertiu o chefe de Estado, ao ressaltar o “sucesso” da operação Barkhane, iniciada em 2014 para conter a emergência do grupo Estado Islâmico e o fortalecimento da Al Qaeda, entre outras organizações jihadistas, na região africana do Sahel.

“Os golpistas são amigos da desordem. No Mali, há dezenas de mortos todos os dias”, lembrou, referindo-se a outro país em que a cooperação militar francesa foi encerrada, no ano passado.

·         Revés para operação francesa na África

O anúncio sobre o Níger representa um revés da política da França para África, após militares franceses já terem se retirado dos vizinhos Mali e Burkina Faso nos últimos anos após golpes militares nesses países.

A França enviou militares à região do Sahel para combater grupos jihadistas, a pedido de líderes africanos. Desde 2013, quase 5 mil militares franceses foram enviados com essa missão no Mali, em Burkina Faso, no Chade, no Níger e na Mauritânia.

Em agosto de 2022, mais de nove anos depois de serem recebidos no Mali como "salvadores", os 2.400 soldados franceses concluíram sua retirada do país, ordenada por Macron devido à deterioração das relações com a junta militar no poder em Bamako e perante a crescente hostilidade da opinião pública local em relação à França.

Dois meses depois, foi a vez de os cerca de 400 militares franceses no Burkina Faso deixarem o país. Desde 2022, o Níger vinha abrigando boa parte dos militares restantes dessa operação.

A saída dos soldados franceses em alguns casos costuma ser seguida de uma aproximação com o Grupo Wagner, como no caso do Mali, onde a junta militar no poder em Bamako fez um acordo com os mercenários para apoiar o seu exército.

"Estivemos lá porque o Níger pediu a nós, Burkina Faso e Mali, para os ajudarmos a combater o terrorismo nos seus territórios. Hoje, esses países foram vítimas de golpes de Estado. Ainda hoje falei com o presidente Bazoum, que agora está detido porque realizava reformas ambiciosas", disse Macron.

O contingente francês no Níger, país onde a França também tem interesses econômicos no urânio, está distribuído entre a capital Niamey, Ouallam, ao norte, e Ayorou, perto da fronteira com o Mali. Macron afirmou que a retirada dos militares será feita de forma gradual e em coordenação com a junta militar que atualmente governa o Níger.

·         Relações tensas com o Níger

A junta que assumiu o poder em Niamei já havia sinalizado que desejava a retirada do contingente francês do país. No início de agosto, os militares anunciaram o fim dos acordos de cooperação assinados com Paris.

O regime afirmou que, em 1º de setembro, que houve uma reunião entre o chefe do Estado-Maior nigerino e o comandante das forças francesas no Sahel para discutir "um plano de retirada das capacidades militares francesas”.

Antes do levante de 26 de julho, o país da África Ocidental e antiga colônia francesa era um dos seus últimos aliados no Sahel. A França considera o presidente deposto Mohamed Bazoum, mantido refém pela junta militar no poder, como presidente legítimo do país e rejeita as reivindicações dos golpistas.

·         Sentimentos antifranceses

O Níger foi uma colônia francesa desde o início do século 20 até 1960, quando se tornou um país independente. Hoje é um dos principais fornecedores de urânio para as usinas nucleares francesas, com cerca de um terço do total num país onde 70% da eletricidade é gerada por reatores atômicos.

Para muitos africanos, o passado colonial pesa contra a França. E a isso se une, no período pós-colonial, o frequente apoio do Eliseu a autocratas africanos. Além disso, muitas pessoas na África percebem o presidente Emmanuel Macron como arrogante, o que certamente não melhora a imagem da França.

Apesar da percepção de arrogância que o acompanha, deve ser dito que poucos líderes franceses empreenderam tantos esforços para melhorar a imagem da França na África como Macron.

Num gesto pouco comum para líderes franceses, ele viajou até Ruanda para reconhecer que a França teve grande responsabilidade no genocídio de 1994, que deixou cerca de 800 mil mortos.

Macron elevou a ajuda financeira ao continente, começou a devolver obras de arte roubada na época colonial e deu apoio militar para combater militantes jihadistas que já mataram inúmeros civis na África.

·         França não poderá ‘acolher toda a miséria do mundo'

Na entrevista, Emmanuel Macron também respondeu às críticas do papa Francisco sobre a "indiferença" europeia à chegada de milhares de migrantes nas fronteiras do bloco. O pontífice encerrou neste sábado (23/09) uma visita de dois dias a Marselha, no sul da França, e o tema foi evocado.

O presidente declarou que a França está fazendo “a sua parte” em termos de acolhimento dos migrantes. “O papa tem razão em pedir um sobressalto contra a indiferença”, mas “nós, franceses, estamos a fazer a nossa parte”, disse o líder.

“Não podemos acolher toda a miséria do mundo", acrescentou, usando a famosa frase do antigo primeiro-ministro socialista Michel Rocard.

Macron convocou uma resposta europeia para "uma abordagem consistente com os países de origem e os países de trânsito” dos migrantes, e pediu para "não deixar os italianos sozinhos”. A Itália é uma das principais portas de entrada na Europa de migrantes vindos da África pelo mar Mediterrâneo.

·         Cooperação com países mediterrâneos 

Aos países da margem sul do Mediterrâneo, em particular à Tunísia, ele espera que a Europa se ofereça para “levar estudos, especialistas, equipamentos, etc. às suas costas para desmantelar os traficantes de pessoas”, como parte de “uma parceria respeitosa”.

“É isso que estamos fazendo com os britânicos. Concordamos em ter especialistas britânicos em Calais para nos ajudar a desmantelar estas redes de contrabandistas e temos resultados muito bons”, explicou Macron.

No plano interno, o presidente defendeu que a lei de imigração que será analisada no início de novembro no Senado seja objeto de um “compromisso inteligente”, particularmente sobre o polêmico tema da regularização de imigrantes sem documentos para exercer profissões com falta de mão de obra na França.

“Não devemos ser hipócritas: há, de fato, profissões sob tensão que contratam muitas mulheres e homens que vêm da imigração e que muitas vezes estão em situação precária há vários anos”, lembrou o chefe do Estado. Mas adverte: “não existe direito incondicional à regularização. Nunca haverá”.

·         'Forças imperialistas não são bem-vindas': militares do Níger apoiam retirada das tropas francesas

As novas autoridades do Níger declararam que as forças coloniais no território do país não são bem-vindas, diz um comunicado dedicado à retirada das tropas francesas do país fornecido à Sputnik.

No domingo (24), o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que a França retiraria o seu embaixador de Niamey e todo o pessoal da sua embaixada do Níger, bem como que as tropas francesas deixariam o Níger "de forma organizada antes do final do ano".

"Qualquer pessoa, organização ou estrutura cuja presença ameace os interesses do nosso país deve deixar o território dos nossos antepassados, quer queiram, quer não. O povo soberano do Níger recorda o princípio firme e inviolável da retirada das forças estrangeiras da junta francesa. As forças imperialistas e neocolonialistas não são bem-vindas ao nosso território nacional", afirma o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), formado pelos militares do Níger.

O papel acrescenta que o Níger se lembra da necessidade de as forças francesas serem retiradas do país.

Atualmente, 1.500 soldados franceses estão presentes no Níger e 1.000 no Chade. Quando ocorreram os golpes em Burkina Faso e Mali, os militares também foram forçados a se retirarem.

No dia 26 de julho deste ano, um grupo de oficiais integrados no CNSP proclamou pela televisão estatal a destituição do presidente do Níger, Mohamed Bazoum, alegando "a contínua deterioração da situação de segurança" e a "má governança econômica e social".

Dois dias depois foi anunciado que o general Abdourahamane Tchiani, antigo comandante da guarda presidencial, assumiria a liderança do CNSP e as funções de "presidente provisório" no Níger.

Numerosos países e organizações internacionais, como a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), condenaram veementemente o golpe militar no Níger, suspenderam os seus programas de cooperação com o país africano e exigiram a restauração da ordem constitucional.

·         'Isso é vitória do povo', diz político nigerino após anúncio da retirada das tropas francesas

O membro do Partido da Renovação Democrática e Republicana do Níger Omar Mokhtar al-Ansari considerou as ações da França como uma perda para ela e uma vitória para o povo nigerino, que exigiu sua retirada em dois meses e realizou inúmeras manifestações para esse fim.

"É muito estranho que o presidente francês tenha dito que a decisão de retirar as tropas foi devida supostamente ao desejo unilateral da França, na verdade, foi devido à pressão das autoridades e do povo do Níger. Os militares do Níger estão eufóricos com a vitória e a retirada da França", afirmou o político nigerino à Sputnik.

Ele atribuiu a incapacidade de Macron de especificar uma data para a retirada das tropas do Níger ao fechamento do espaço aéreo e ao processo de realocação das três bases para outro país, já que nem todas retornariam a Paris, mas seguirão para países africanos vizinhos.

Omar Mokhtar al-Ansari enfatizou que "o Níger exige que qualquer país respeite sua soberania, só então será capaz de cooperar em todos os níveis com as autoridades do Níger".

Ele ressaltou que os problemas só surgem quando o "discurso colonial" é aplicado a um país livre.

No domingo (24), o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que a França retiraria o seu embaixador de Niamey e todo o pessoal da sua embaixada do Níger, bem como que as tropas francesas deixariam o Níger "de forma organizada antes do final do ano".

 

Fonte: rfi/Deutsche Welle/Sputnik Brasil

 

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