sábado, 11 de março de 2023


 Roberto Amaral: É preciso superar o imobilismo ”progressista”

Em recente debate sobre defesa nacional e segurança pública, ouvi de Luiz Eduardo Soares a expressão “funcionalismo mesclado de marxismo vulgar”, cacoete analítico segundo o qual a análise da realidade se reduz à contemplação de sua aparência: a realidade é o que é porque não poderia ser de outro jeito, e é deste jeito porque atende a um interesse – e, evidentemente, se se trata de um interesse dominante, só pode ser um interesse de classe poderoso.

A realidade, nestes termos, passa a ser vista:

1) como fato em si, fenômeno incontornável, estanque e estático, completo e imodificável; e

2) como projeção mecânica e incontornável do passado no presente. As limitações dessa historiografia pretensamente objetiva, que descarta o papel do processo social, ficam evidentes na sua incapacidade de explicar as raízes sociais do advento, no Brasil, do chamado bolsonarismo, emergindo aparentemente sem causa visível após décadas de avanço das forças progressistas e de centro-esquerda. A adesão político-eleitoral de setores significativos da massa trabalhadora à retórica fascista, nestes termos, deve ser vista como produto natural da nossa formação econômico-social, que tudo explicaria: tanto a violência da ordem estatal quanto o amorfismo das grandes massas diante da injustiça social, tanto os surtos autoritários quanto os remansos democráticos.

Essa simplificação – intento de resposta pacientadora à inquietação dos que almejam interferir no processo histórico e se quedam imobilizados na ausência de alternativas –, tende a transformar um materialismo dialético mal apreendido em manifestação de fatalismo de fundo místico.

Essa regência inevitavelmente nos conduziria a formas de niilismo e imobilismo, irmãos siameses na inação, pois, se os fatos que compõem a realidade estão na “ordem natural das coisas”, nada mais há por fazer.

Ao confundir a aparência dos fatos com sua essência, o falso marxismo procura explicar o processo social descartando a capacidade do sujeito histórico de nele intervir qualitativamente. Afasta as massas do combate e da resistência.

Talvez aí, em suas consequências, se encontre uma das muitas explicações para o fato de o processo político-social brasileiro – já abalado pelo descenso das forças proletárias urbanas e camponesas e a crise do trabalho – atravessar momento político-ideológico crítico, representado pela recuperação das teses do mais puro fascismo, que parecia erradicado entre nós desde a falência ideológica e social do integralismo e a derrota do nazifascismo no cenário de guerra.

A crise político-ideológica das esquerdas brasileiras, segundo vejo, deita suas raízes na anemia política dos partidos do nosso campo, desde os de centro-esquerda aos ditos de esquerda propriamente dita, chegando mesmo aos partidos originalmente revolucionários.

Renunciaram à organização das grandes massas, ao proselitismo ideológico e à denúncia do capitalismo. Declinaram, na ação e no discurso, da defesa da visão de mundo que os diferenciava das correntes conservadoras e liberais.

As tentativas de explicação percorrem as mais variadas vertentes, desde a debacle da URSS, que desestabilizou no Brasil e no mundo as organizações comunistas, até a opção da centro-esquerda brasileira pelo eleitoralismo puro e simples (mas lamentavelmente confundindo tática e estratégia), levando-a a compor com as teses liberais ou de centro-direita (muitas vezes assimiladas), perdendo, assim, identidade ideológica e por isso mesmo se confundindo com as forças conservadoras no embate eleitoral, afinal chafurdando no terreno que Gramsci chamava de “pequena política”.

Quando se reclama a necessidade de estudar a emergência do que se convencionou titular como “bolsonarismo” (a ressurgência de um pensamento e de uma ação que caminham da direita ao fascismo, com apoio em amplas camadas populares), dizem-nos os “pensadores objetivos” que não há nada de novo sob a luz do sol, pois o Brasil é o que sempre foi, sem poder ser diferente: reacionário, hoje não mais do que no passado, nem menos do que amanhã. O presente não seria obra dos viventes, mas apenas dos mortos, “herança arcaica pretérita” como escreveu Octavio Ianni.

Assim, as gerações se seguem, lavando as mãos como Pilatos diante do mundo, aquele em que vivem, e aquele que deixam para seus sucessores.

A movimentação surda das placas tectônicas que está na raiz das movimentações dos idos de 2013 – na contramão da aparência de normalidade política e de sucesso de aprovação popular dos governos petistas – não é considerada como fato novo.

Ora – objetam os sociólogos e antropólogos às inquietações do leigo – uma sociedade como a brasileira, herdeira do escravismo, do latifúndio e do genocídio das populações nativas, não pode declarar-se assustada com a emergência da extrema-direita tabajara.

A história presente, mera decorrência de algum passado, está explicada e pronta, obra dos mortos que absolve os vivos de qualquer responsabilidade pela tragédia do capitalismo brasileiro.

O fato de o candidato protofascista haver disputado as eleições de 2022 voto a voto com Lula, de a direita e a extrema-direita haverem conquistado a maioria esmagadora das cadeiras das duas casas do Congresso, e de candidatos de direita haverem assumido, entre outros, os governos dos três maiores estados da federação, deve, na leitura fatalista, ser encarado como desdobramento inevitável de nosso desenvolvimento histórico, porque tudo se explica pela evidência de a sociedade brasileira de hoje ser, refletindo seu passado e anunciando o futuro imediato, uma sociedade reacionária…

É esta a ordem natural das coisas. Se o passado dita o presente, passado e presente ditam o futuro e, assim, nada mais restaria aos reformistas e aos revolucionários. Por derradeiro, a História, condenada à linearidade, teria encontrado seu fim.

O fenômeno social, porém, é um ser vivo que caminha e se transforma permanentemente; nem é produto de uma ordem histórica regida pelo Olimpo, nem fruto do acaso, mas o resultado da relação dialética dos indivíduos com suas circunstâncias.

No prefácio à segunda edição (1869), do seu inesgotável O 18 brumário de Luís Bonaparte, Marx critica a análise de Proudhon, quando o autor de Coup d´État “procura representar o golpe de Estado como o resultado de um desenvolvimento histórico anterior”. Desmontando a ficção idealista de uma história olímpica, o marxismo tem insistido no papel de sujeito do processo social.

Em face de observação minha, em debate, sobre a crise dos partidos brasileiros, devastando tanto as organizações de origem revolucionária quanto as reformistas, foi-me objetado que o “fenômeno crise dos partidos é mundial” e, nestes termos, deixa de ser um desafio de nossa realidade, subsumido pela grande tragédia global.

Nosso atraso político assume o caráter de evidência quando nos damos conta de que, no segundo decênio do terceiro milênio, estamos revivendo como temas centrais a questão democrática e a defesa das instituições e da ordem legal herdada – temas cuja contemporaneidade supostamente se havia esgotado em 1946 com a Constituinte, em 1955 com a posse de Juscelino Kubitscheck, e nos idos de 1985 com o fim da ditadura e a constituinte de 1988.

Se nos anos 1960 o sonho revolucionário da esquerda organizada era a construção do socialismo, hoje a utopia é a preservação da legalidade.

Nosso imbróglio é relativizado, pois os novos filósofos reagem, uma vez mais pondo por terra a expectativa de debate; dizem-nos que também a questão democrática estaria em todo o mundo, na Europa e até na metrópole do Norte, de quem, acrescente-se, tudo importamos, talvez principalmente ideias e pensadores, pois muitos de seus scholars são intérpretes de nossa pobreza.

Aos açodados, como este escrevente, restaria esperar para “ver a banda passar”: quando a conjuntura mundial superar esse ciclo que devora os partidos e ameaça o modelo ocidental de democracia, estará sanada nossa crise cabocla, como ensina a história recorrente do país periférico.

O estudo do processo histórico, segundo esse viés, deixa de oferecer instrumentos de intervenção na realidade, esgotando-se sua serventia na tentativa de explicar a ordem, desta feita a ordem que salta do positivismo para um determinismo histórico em conflito com o materialismo dialético.

O que era ação pode transformar-se em imobilismo ao desestimular a intervenção do agente social.

O niilismo se imiscui como saída para a crise existencial: ora a espera do deslindar do processo histórico no qual já não podemos intervir para alterar a realidade, ora aguardar o indicador de incerto processo revolucionário.

De uma forma ou de outra, a inércia sem sentimento de culpa, porque alimentada por uma compreensão muito própria da história.

De novo, nada a fazer, senão aguardar a resolução histórica, pois ela sempre encontra caminhos para o desaguar das águas revoltadas. Assim o revolucionário e o reformista renunciariam ao papel de agente de transformações.

Venceria o conservadorismo, a seiva vital da sociedade de classes, quando o processo histórico, que é movimento, cobra resistência e luta, os alicerces do futuro, a grande obra humana.

 

       Ângela Carrato: Terrorismo econômico do “andar de cima”. Por Ângela Carrato

 

Engana-se quem acredita que o fascismo à brasileira, que atende pelo nome de bolsonarismo, se deu por vencido com o fracasso do golpe em 8 de janeiro.

A tentativa de derrotar o governo Lula segue firme e se volta agora para o terrorismo econômico. Neste kit estão incluídas ações como as do Banco Central “independente” que, mesmo a inflação estando em 5,75% ao ano, fixou, sem qualquer explicação plausível, a taxa de juros em 13,75% ao ano, a maior do mundo.

Como observa o insuspeito economista Luiz Carlos Bresser Pereira, o máximo que esta taxa de juros poderia estar é em 8%. Acima disso, garante, o Banco Central age contra a economia brasileira.

Com os juros na estratosfera, nenhum empresário vai investir em novo negócio ou expandir o que já possui. Não sendo criadas vagas, num quadro de amplo desemprego e precarização do trabalho como o deixado por Bolsonaro, a economia brasileira caminhará para a recessão.

E não há governo que resista ao baixo crescimento permanente e, pior ainda, à recessão.

Integra também o kit terrorista deixado contra o governo Lula, a privatização da Eletrobrás, ocorrida no governo Bolsonaro, e o desmonte da Petrobras, iniciado no governo Temer.

O golpe contra Dilma Rousseff teve como objetivo principal exatamente entregar o pré-sal brasileiro para os interesses imperialistas e transformar a Petrobras, a maior empresa nacional, em vaca leiteira para meia dúzia de oligarcas locais e estrangeiros.

Juros nas alturas, geração e distribuição de energia elétrica privatizada e em mãos de um grupo empresarial preocupado apenas em rapinar por onde passa, como o 3G Capital, responsável pela derrocada das Lojas Americanas, deveriam ser assuntos na mídia brasileira.

Mas o que esta mídia faz? Ignora os absurdos praticados pelos golpistas e seus parceiros na iniciativa privada e vai para cima de Lula por ele criticar e denunciar esta situação.

Se a mídia corporativa brasileira tivesse um mínimo de compromisso com o país e com a maioria da população, era para estes juros e os crimes cometidos contra a Eletrobrás e a Petrobras serem manchetes.

Mas o que ela faz? Passa pano para bilionários como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira e assume a defesa do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Para esta mídia, o errado é Lula!

Editoriais de O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de São Paulo, de forma orquestrada, apoiam a “independência” do Banco Central. Nenhuma palavra sobre o fato desta “independência” ser na prática balela, uma vez que o atual ocupante do cargo, além de bolsonarista de carteirinha, atuou por quase duas décadas no banco Santander e faz descaradamente o jogo dos rentistas nacionais e internacionais.

Se, no passado, podia-se dizer que a mídia corporativa brasileira se calava diante de assuntos envolvendo o interesse dos seus anunciantes, a situação agora é bem mais complexa. Com razão apelidada de velha mídia, ela passou a ser administrada pelos próprios rentistas como é o caso do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo, ou por pessoas que possuem fortunas em especulação, como os irmãos Marinho, do grupo Globo. Obviamente essa gente não quer nem ouvir falar em baixa de juros.

Não por acaso, as sete famílias que controlam a mídia corporativa brasileira integram aquele 1% da população conhecido como “andar de cima”. Para essa turma, inaceitável é Lula ter conseguido trazer de volta e ampliar o Programa Bolsa Família, garantindo R$ 600,00 para cada família carente e mais R$ 150,00 por criança até seis anos de idade.

Tanto que ela fala em “gastança”, quando se trata de políticas sociais e se cala em relação aos bilhões de reais destinados anualmente ao pagamento dos juros da dívida interna.

Não vi, até agora, nenhum editorial condenando explicitamente o calote praticado pela turma do “homem mais rico do Brasil”, que deve trazer prejuízos recordes para os fornecedores das Lojas Americanas e deixar mais de 30 mil pessoas desempregadas.

Em qualquer país, a mídia estaria, com razão, tratando a possível falência das Americanas como “crise com gravíssimas consequências sociais”. Aqui, reina o silêncio.

Dez entre dez comentaristas de emissoras como a GloboNews defendem com unhas e dentes as privatizações, a independência do Banco Central e o que há de mais perverso socialmente falando. Para essa turma, Lula seria o melhor presidente do mundo se mantivesse intocada a política econômica ultraneoliberal da dupla Guedes-Bolsonaro.

Por outro lado, falta ao público de classe média brasileira, que se acha rico por ter R$ 100 mil aplicados na bolsa, um mínimo de informação e de cultura para perceber que ao concordar com os juros altos e as privatizações, está apenas sustentando os interesses do “andar de cima” contra os seus próprios interesses.

Até o momento a mídia corporativa fez de tudo para passar pano no rombo da turma do Lemann nas Americanas, mas não vai ser fácil esconder o mesmo tipo de ação, praticada pelo mesmo grupo, na Eletrobras e na AmBev.

Indícios de que há bombas-relógio prestes a explodir nos dois casos são grandes.

A Light, empresa privada de energia que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro, alega situação financeira delicada para manter a concessão até 2026. Leia-se: fazer os investimentos necessários para manter a empresa em funcionamento.

Os novos donos da Eletrobras estarão dispostos a fazer os investimentos necessários para que o país volte a crescer a taxas de 3 a 4% ao ano, como quer o governo e a maioria da população necessita? Talvez esteja aí o caminho para o governo Lula recuperar a Eletrobras para o povo brasileiro.

Assunto de tamanha relevância igualmente deveria merecer reportagens aprofundadas e análises por parte da mídia, mostrando o que está em jogo e como agem esses grupos privados. Mas, novamente reina o silêncio.

Outro silêncio eloquente na mídia brasileira envolveu até o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que, na última terça-feira, proferiu o tradicional discurso sobre o Estado da União. Na oportunidade, ele anunciou que dará início imediato a um vasto conjunto de obras de infraestrutura destinadas a dinamizar a economia.

Sob o aplauso de democratas e republicanos, enfatizou que as obras serão realizadas exclusivamente por empresas estadunidenses e com material fornecido por fabricantes nacionais.

Se muitos aspectos da política externa de Biden podem e devem ser duramente criticados, suas propostas voltadas para as questões domésticas merecem elogios. Ele está certíssimo ao priorizar a economia de seu país, que voltou acrescer exatamente em função da ênfase no mercado interno e de taxas de juros que não ultrapassam 4,75% ao ano.

Mesmo Lula tendo se reunido com ele, na Casa Branca, na última sexta-feira, a mídia corporativa brasileira sonegou do público esta importante informação. Não seria conveniente que a população brasileira soubesse que na “pátria do neoliberalismo” a prioridade é para o mercado interno? É para a produção e não para a especulação financeira?

Claro que não seria nada fácil para Sardenbergs e Mervals explicar o fato sem deixar patente como é tosco e antinacional o “andar de cima” brasileiro. E como são subservientes eles próprios, os seus capachos, que, mais uma vez, destacam acriticamente os lucros exorbitantes dos três maiores bancos privados nacionais em 2022, insistem na defesa da “independência” do Banco Central e nas vantagens das privatizações.

As batalhas de Lula contra o terrorismo do mercado e da mídia corporativa estão apenas começando.

P.S.

Defensor de privatizar tudo, o minúsculo Zema deve ter sentido que seus planos de vender empresas como Cemig e Copasa subiram no telhado. O anúncio de que a Light está com problemas para manter a concessão deve ter servido como ducha de água fria para ele.

Resta saber o que fará à frente do governo de Minas, pois a dívida do Estado não para de crescer, ele não tem projeto de desenvolvimento e parte do funcionalismo se mostra inquieto com os baixos salários e o não pagamento do piso salarial para os professores. Para agravar a situação, Zema nem pode mais jogar a culpa no governo anterior.

 

Fonte: Viomundo

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