Por que governos
estão preocupados com o TikTok
Os
apelos pela proibição do TikTok nos Estados Unidos reacenderam o debate global
sobre os riscos à cibersegurança do aplicativo.
Esta
semana, o CEO (diretor-executivo) do TikTok foi questionado durante mais de
quatro horas na sua primeira audiência no Congresso dos EUA, em meio a
crescentes pedidos de proibição em todo o país do aplicativo que, para algumas
pessoas, é uma preocupação de segurança nacional.
Shou
Zi Chew vem defendendo há meses que a plataforma chinesa de compartilhamento de
vídeos é segura, apesar de uma onda de proibições junto a autoridades do
governo dos EUA, Reino Unido, Canadá e vários países europeus, que o eliminaram
dos telefones celulares dos seus funcionários.
A
China acusou os Estados Unidos de exagerarem os temores de cibersegurança para
reprimir a empresa, que atravessa uma fase de rápido crescimento. Mas vem
crescendo o ímpeto para forçar sua venda nos Estados Unidos ou pela sua
completa proibição, frente às alegações de que a rede social poderia ser usada
como instrumento de espionagem.
Vamos
pensar um pouco nos executivos do TikTok.
Em
2020, eles escaparam por pouco de ver seu aplicativo, de imenso sucesso, ser
proibido nos Estados Unidos pelo então presidente Donald Trump. E enfrentaram
uma enxurrada diária de perguntas sobre os riscos à cibersegurança impostos
pelo TikTok.
Graças
a inúmeros e complexos processos legais, o debate praticamente se extinguiu – e
acabou sendo encerrado em 2021, quando o presidente Joe Biden revogou a
proposta de Trump.
Você
quase pode ouvir um suspiro coletivo de alívio, tanto do próprio TikTok, quanto
dos milhões de influenciadores que dependem do aplicativo de rede social para
ganhar a vida.
Mas,
agora, em uma ironia que imita o formato de looping da logomarca do aplicativo
de vídeo, estamos de volta ao ponto de partida. Com uma exceção: os riscos
atuais são ainda maiores.
Quando
Trump propôs a proibição do aplicativo, três anos atrás, o TikTok havia sido
baixado cerca de 800 milhões de vezes em todo o mundo. Atualmente, são 3,5
bilhões de downloads, segundo a companhia de análise de aplicativos Sensor
Tower.
Quais
são as três preocupações sobre a cibersegurança do TikTok que voltam a surgir e
como a empresa respondeu a elas?
• 1. O TikTok coleta uma quantidade
‘excessiva’ de dados
Uma
porta-voz do TikTok declarou à BBC que a coleta de dados do aplicativo está “de
acordo com as práticas do setor”.
Os
críticos costumam acusar o TikTok de coletar enormes quantidades de dados dos
usuários.
Um
relatório de cibersegurança publicado em julho de 2022 por pesquisadores da
empresa australiana de tecnologia Internet 2.0 é frequentemente mencionado como
prova. Os pesquisadores estudaram o código fonte do aplicativo e concluíram que
ele faz “coleta de dados excessiva”.
Analistas
afirmam que o TikTok coleta detalhes como a localização do usuário, qual
aparelho específico ele está usando e quais outros aplicativos estão instalados
no aparelho.
Mas
um teste similar conduzido pelo Citizen Lab, da Universidade de Toronto, no
Canadá, concluiu que “em comparação com outras plataformas populares de redes
sociais, o TikTok coleta tipos similares de dados para rastrear o comportamento
dos usuários”.
Da
mesma forma, um relatório do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados
Unidos, afirmou em janeiro que “o fato principal aqui é que a maioria dos
outros aplicativos de celulares e de redes sociais faz as mesmas coisas”.
• 2. O TikTok poderia ser usado pelo
governo chinês para espionar os usuários
A
porta-voz do TikTok declarou à BBC que a empresa é totalmente independente e
“não forneceu dados de usuários ao governo chinês e nem o faria se fosse
solicitada.”
Mesmo
com a irritação dos especialistas em segurança, a maioria de nós aceita que
entregar grandes quantidades de dados particulares é parte do acordo que
fazemos com as redes sociais. Em troca dos seus serviços gratuitos, eles
coletam conhecimento sobre nós, que usam para vender publicidade na sua
plataforma – ou vendem nossos dados para outras empresas que tentam fazer
anúncios para nós em outros lugares da internet.
A
questão dos críticos com relação ao TikTok é que o dono do aplicativo é a
gigante da tecnologia ByteDance, com sede em Pequim. Ou seja, ele é o único dos
principais aplicativos que não é americano.
Facebook,
Instagram, Snapchat e YouTube, por exemplo, coletam quantidades similares de
dados, mas todas são empresas fundadas nos Estados Unidos.
Os
legisladores norte-americanos e da maioria dos demais países consideram há anos
que existe um nível de confiança – que os dados coletados por estas plataformas
não serão usados por razões desonestas que possam colocar a segurança nacional
em risco.
O
decreto de Donald Trump, de 2020, alegou que a coleta de dados pelo TikTok
poderia potencialmente permitir à China “rastrear a localização de funcionários
públicos e terceirizados, formar dossiês de informações pessoais para chantagem
e realizar espionagem comercial”.
Até
o momento, as evidências indicam que este é apenas um risco teórico, mas os
receios são intensificados por uma vaga lei chinesa aprovada em 2017. O artigo
sétimo da Lei de Inteligência Nacional da China estabelece que todas as
empresas e cidadãos chineses devem “apoiar, assistir e cooperar” com os
esforços chineses de inteligência.
Este
artigo, muitas vezes, é mencionado por pessoas que suspeitam não apenas do
TikTok, mas de todas as empresas chinesas. Mas os pesquisadores do Instituto de
Tecnologia da Geórgia defendem que ele foi retirado de contexto. Eles observam
que a lei também inclui ressalvas que protegem os direitos dos usuários e das
empresas privadas.
Desde
2020, os executivos do TikTok tentaram repetidamente garantir às pessoas que os
funcionários chineses não têm acesso aos dados dos usuários de fora da China.
Mas, em dezembro, a ByteDance admitiu que diversos dos seus funcionários em
Pequim tiveram acesso aos dados de pelo menos dois jornalistas norte-americanos
e de um “pequeno número” de outros, para rastrear suas localizações e verificar
se eles estavam se reunindo com funcionários do TikTok suspeitos de vazar
informações para a imprensa.
A
porta-voz do TikTok afirma que os funcionários que tiveram acesso aos dados
foram demitidos em dezembro.
A
empresa insiste que os dados dos usuários são mantidos nos Estados Unidos e em
Cingapura, nunca tendo sido armazenados na China. Ela afirma que está também em
processo de criar armazéns de dados em outros lugares, como a Irlanda, onde
planeja processar todos os dados do Reino Unido e da União Europeia até 2024.
• 3. O TikTok poderia ser usado como
instrumento de 'lavagem cerebral'
A
porta-voz do TikTok afirmou: "Nossas Normas da Comunidade proíbem
desinformação que possa prejudicar nossa comunidade ou o público em geral, o
que inclui a prática de comportamento não autêntico coordenado."
Em
novembro de 2022, o diretor do FBI Christopher Wray afirmou aos legisladores
norte-americanos: "o governo chinês poderia... controlar o algoritmo de
recomendações, o que poderia ser usado para influenciar operações."
Estas
preocupações são ainda intensificadas pela forte censura imposta ao aplicativo
irmão do TikTok, o Douyin – disponível apenas na China. E relatos indicam que
ele foi elaborado para fazer viralizar material seguro e educacional com mais
facilidade.
Todas
as redes sociais sofrem forte censura na China por um exército de policiais da
internet, que excluem conteúdo criticando o governo ou convocando perturbações
políticas.
No
início da ascensão do TikTok, houve casos significativos de censura no
aplicativo. Uma usuária dos Estados Unidos teve sua conta suspensa por discutir
o tratamento dos muçulmanos em Xinjiang, na China, pelo governo de Pequim. Após
intensa reação negativa do público, o TikTok se desculpou e reativou a conta.
Desde
então, tem havido alguns casos de censura, diferentes das controversas decisões
de moderação que todas as plataformas precisam enfrentar.
Pesquisadores
do Citizen Lab compararam o TikTok com o Douyin. Eles concluíram que o TikTok
não usa o mesmo tipo de censura política da sua versão para o público chinês.
Para os pesquisadores, "a plataforma não pratica censura óbvia das
postagens".
Analistas
do Instituto de Tecnologia da Geórgia também pesquisaram temas como a
independência de Taiwan e brincadeiras com o líder chinês Xi Jinping. Sua
conclusão foi: "vídeos de todas essas categorias podem ser facilmente
encontrados no TikTok. Muitos são populares e amplamente compartilhados."
• Risco teórico
O
quadro geral, portanto, é de receios teóricos – e de riscos teóricos.
Os
críticos argumentam que o TikTok é um "cavalo de Troia" - ou seja,
parece inofensivo, mas pode vir a ser uma arma poderosa em tempos de conflito,
por exemplo.
O
TikTok já foi proibido na Índia, que tomou ações contra o aplicativo e dezenas
de outras plataformas chinesas em 2020. Mas a proibição do TikTok nos Estados
Unidos pode ter enorme impacto sobre a plataforma, já que os aliados americanos
tipicamente acompanham essas decisões.
Isso
ficou evidente quando os Estados Unidos lideraram, com sucesso, os apelos para
bloquear a gigante chinesa das telecomunicações Huawei do desenvolvimento da
infraestrutura 5G – também neste caso, com base em riscos teóricos.
E
é preciso observar, naturalmente, que estes riscos são uma via de mão única. A
China não precisa se preocupar com os aplicativos norte-americanos porque o seu
acesso para os cidadãos chineses já foi bloqueado há vários anos.
Entenda por que o TikTok, que é chinês,
não existe na China
O
TikTok está lutando para se manter vivo nos Estados Unidos, à medida que
aumenta a pressão em Washington para proibir o aplicativo se seus proprietários
chineses não venderem a empresa.
Mas
a popular plataforma, desenvolvida com tecnologia chinesa local, não está
acessível na China. Na verdade, nunca existiu lá. Em vez disso, há uma versão
diferente do TikTok – um aplicativo chamado Douyin.
Ambos
são de propriedade da empresa-mãe ByteDance, com sede em Pequim, mas Douyin foi
lançado antes do TikTok e se tornou uma sensação viral na China. Seu poderoso
algoritmo deu base ao TikTok e é a chave para seu sucesso global.
Mas
as duas plataformas, semelhantes na superfície, seguem regras totalmente
diferentes. Veja a seguir:
• Popularidade
Douyin
tem 600 milhões de usuários por dia. Como o TikTok, é um aplicativo de vídeo
curto.
Lançado
em 2016, o Douyin foi o principal gerador de dinheiro da ByteDance anos antes
do TikTok, arrecadando receita por meio de gorjetas no aplicativo e transmissão
ao vivo.
A
ByteDance foi fundada por Zhang Yiming, um ex-funcionário da Microsoft, e ficou
conhecida pela primeira vez por seu aplicativo de notícias Jinri Toutiao ou
“Manchetes de hoje”, que estreou em 2012 logo após a fundação da empresa.
Toutiao
criou feeds de notícias personalizados para cada usuário. As pessoas
rapidamente ficaram viciadas, com usuários gastando em média mais de 70 minutos
por dia na plataforma.
ByteDance
aplicou uma fórmula semelhante a Douyin.
Em
2017, a empresa privada de tecnologia comprou uma startup de vídeo com sede nos
EUA e lançou o TikTok como a versão internacional do Douyin. Ela também comprou
o popular aplicativo de sincronização labial musical.ly e transferiu esses
usuários para o TikTok em 2018.
Desde
então, a popularidade do aplicativo se tornou global. Em 2021, o TikTok
alcançou mais de 1 bilhão de usuários ativos mensais em todo o mundo.
• Filtros de beleza
As
interfaces do TikTok e do Douyin são parecidas, mas quando os usuários ligam
suas câmeras, uma diferença fica clara: o Douyin possui um filtro de beleza
automático, que suaviza a pele e muitas vezes muda o formato do rosto de uma
pessoa.
As
mulheres na China há muito enfrentam uma enorme pressão para se adequar aos
padrões de beleza que enfatizam um corpo esguio, olhos grandes, pele orvalhada
e maçãs do rosto salientes.
Há
uma demanda crescente por cirurgia plástica. Entre 2014 e 2017, o número de
pessoas que fizeram cirurgia plástica na China mais que dobrou. Enquanto isso,
os aplicativos de beleza competem para criar filtros que mostrem aos usuários
versões mais bonitas de si mesmos.
Embora
o TikTok também tenha filtros de beleza, os usuários podem selecioná-los
durante as filmagens. Eles não iniciam automaticamente.
• Compras
Outra
grande diferença entre TikTok e Douyin é o enorme mercado de compras online da
China.
As
vendas de produtos ao vivo são uma indústria multibilionária na China
continental e receberam um grande impulso durante a pandemia.
Em
junho do ano passado, havia mais de 460 milhões de usuários de comércio
eletrônico de transmissão ao vivo na China continental, segundo o Conselho da
Academia da China para a Promoção do Comércio Internacional, um órgão afiliado
ao Ministério do Comércio de Pequim.
Douyin
é uma plataforma importante para livestreamers, junto com Taobao, o mercado
online semelhante ao eBay do Alibaba.
As
compras no aplicativo são facilitadas: produtos e descontos são exibidos na
tela durante as transmissões ao vivo, com as compras a apenas um toque ou um
clique de distância.
• Censura
A
China tem um dos regimes de censura mais rígidos do mundo, e Douyin deve seguir
as regras.
Os
vigilantes da Internet reprimem regularmente a dissidência online e bloqueiam
informações politicamente sensíveis.
Quando
a CNN pesquisou “Tiananmen 1989” (Massacre na Praça da Paz Celestial) em
Douyin, não apareceu nada.
O
massacre, no qual as tropas chinesas reprimiram brutalmente os manifestantes
pró-democracia em Pequim, foi apagado dos livros de história da China. Qualquer
discussão sobre o evento é estritamente censurada e controlada.
Quando
a CNN pesquisou a mesma frase no TikTok, obteve muitos resultados, incluindo
vídeos de usuários falando sobre o que aconteceu e uma breve sinopse da
Wikipedia resumindo o evento.
“É
muito interessante ver essa contradição nesta empresa [ByteDance] com essas
duas faces”, disse Duncan Clark, presidente e fundador da consultoria de
investimentos BDA China.
• Restrições
Outra
diferença fundamental: Douyin adota uma linha muito mais rígida com os usuários
mais jovens.
Usuários
menores de 14 anos podem acessar apenas conteúdo seguro para crianças e usar o
aplicativo por apenas 40 minutos por dia. Não podem usar o aplicativo das 22h
às 6h
Durante
anos, a China tentou conter o vício em videogames e outros hábitos online não
saudáveis. O país anunciou um toque de recolher para jogos online para menores
em 2019, antes de proibir totalmente durante a semana.
Mesmo
na maioria dos fins de semana, usuários menores de 18 anos só podem jogar por
três horas.
“O
governo chinês tem se inclinado muito mais para a regulamentação nos estágios
iniciais do crescimento de Douyin, principalmente protegendo os mais jovens.”
O
TikTok tomou algumas medidas semelhantes no início deste mês, anunciando que
todos os usuários com menos de 18 anos em breve terão suas contas padrão para
um limite diário de tempo de tela de uma hora, embora os usuários adolescentes
possam desativar essa nova configuração padrão.
• Não sozinho
O
TikTok não é a única plataforma de propriedade chinesa que obteve sucesso viral
nos Estados Unidos.
Dos
10 aplicativos gratuitos mais populares da loja de aplicativos americana da
Apple, quatro foram desenvolvidos com tecnologia chinesa.
Além
do TikTok, há também o aplicativo de compras Temu, a varejista de fast fashion
Shein e o aplicativo de edição de vídeo CapCut, que também pertence à
ByteDance.
O
TikTok continua extremamente popular nos Estados Unidos, com mais de 150 milhões
de usuários mensais – quase metade da população do país.
Resta
saber se o TikTok pode convencer os legisladores dos EUA de que não representa
uma ameaça – mas o confronto em Washington destacou questões maiores sobre
segurança e privacidade de dados que podem levar outros aplicativos a serem
criticados.
Esses
aplicativos podem ser os próximos, disse Clark. Ele destacou que os EUA
precisam de uma “estrutura mais sofisticada para regular as grandes empresas de
tecnologia”, dado o número de investidores e usuários americanos em plataformas
estrangeiras.
“Eles
também precisam pensar sobre o quão alto vão elevar o nível de investimento
chinês nos EUA e as consequências de excluir completamente quatro dos dez
principais aplicativos”, disse Clark.
“O
que vai substituí-los? E como isso vai acontecer? E como isso é equitativo para
os investidores desses aplicativos em relação aos jogadores dos EUA?” ele
adicionou. “É uma bagunça.”
Fonte:
BBC News Brasil/CNN Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário