domingo, 26 de março de 2023

Pandataria, a ilha onde imperadores romanos exilavam mulheres consideradas promíscuas

A ilha de Ventotene abriga um antigo vulcão em frente à costa de Nápoles, na Itália, mas também é conhecida, entre outras coisas, por ser berço do sonho de uma Europa unida.

Foi nessa ilha, usada pelo regime fascista para isolar dissidentes políticos, que Altiero Spinelli e Ernesto Rossi escreveram o Manifesto de Ventotene, um dos textos fundadores do federalismo europeu.

Mas além disso, essa ilha no mar Tirreno tem uma fama que remonta à Antiguidade.

Há mais de 2 mil anos, Ventotene se chamava Pandataria e serviu como local de exílio para mulheres aristocratas com comportamento considerado inapropriado pelas normas da sociedade da época.

No Império Romano, mulheres podiam ser punidas pelo seu comportamento sexual.

·         Pena de morte para mulheres adúlteras

No ano 18 a.C., o imperador Augusto promulgou um conjunto de leis, a lex Iulia, com o objetivo de moralizar a classe alta de Roma, fortalecendo instituições como o casamento e estimulando a procriação.

O adultério foi declarado delito privado e público, para o qual a pena era o exílio em um lugar distante de Roma.

Lex Iulia de Adulteriis Coercendis também permitia que pais punissem filhas adúlteras e seus amantes com a morte.

Maridos traídos eram obrigados a se divorciar e tinham a opção, sob certas circunstâncias, de matar suas mulheres.

O delito só era atribuído a mulheres.

·         A história de Júlia

O próprio imperador sentiu os efeitos de sua lei na carne... mas, claro, não tanto quanto sua filha, Júlia, a Velha.

A esposa de Augusto, Lívia, convenceu o imperador a favorecer o filho dela de um outro casamento, Tibério, como possível sucessor.

Para aproximá-lo da família, o imperador forçou Tibério a se divorciar e se casar com Júlia, que acabara de ficar viúva pela segunda vez.

A união, celebrada em 11 a.C., foi indesejada e infeliz para ambos os cônjuges, e ficou ainda mais amarga quando um filho de Júlia morreu cinco anos mais tarde.

Tibério se exilou voluntariamente, deixando Júlia sozinha em Roma, onde começaram a circular rumores de que ela levava uma vida promíscua.

Seu comportamento se tornou politicamente perigoso quando envolveu um caso com um homem chamado Júlio Antonio.

Ele era filho de Marco Antônio, que fora amante de Cleópatra e se suicidara após perceber que seria impossível fazer frente à invasão do Egito por legiões lideradas nada menos do que pelo pai de Júlia, agora imperador de Roma.

A inimizade entre as duas famílias não havia arrefecido, o que levou Augusto à ação: depois de ameaçá-la de morte por adultério, a enviou para Pandataria, onde não havia homens e as condições de vida eram hostis.

Apesar de ficar privada de certos luxos, como tomar vinho, Júlia foi contemplada com piscinas e um teatro que Augusto mandou construir no ponto mais alto da ilha - que tem menos de 2 quilômetros quadrados.

Também foram criados um porto, tanques e um viveiro de peixes para assegurar o abastecimento constante de água doce e pescados frescos.

Júlia permaneceu em Pandataria por dois anos, quando foi transferida para um confinamento mais ameno, na cidade portuária de Régio.

Ela morreu dez anos mais tarde, pouco depois do falecimento de seu pai. Há relatos de que Júlia morreu desesperada e doente, após ter sido supostamente maltratada por Tibério, que sucedera Augusto como imperador.

Não está claro como teriam sido esses maus tratos - há relatos de que Tibério reteve suas posses e dinheiro, e de que ela teria sido presa.

·         Agripina, a filha

Agripina Maior, filha de Júlia e de seu segundo esposo, Marco Agripa - importante general, político e amigo íntimo do imperador Augusto -, também foi exilada para Pandataria, como sua mãe.

Agripina foi uma figura importante nas disputas pela sucessão ao final do reinado de Tibério.

Ela era esposa de Germânico César, sobrinho-neto de Augusto por adoção e filho adotivo de Tibério, e deu à luz nove filhos, dos quais seis chegaram à idade adulta.

Por onde passava, o casal deixava boas impressões - que acabaram despertando desconfiança e inveja em Tibério, que passou a ver Germânico como uma possível ameaça a seu poder.

Na província da Germânia, Agripina e Germânico ficaram famosos devido a atos de bravura; em ações caridosas no Egito, o casal foi aclamado pelo povo.

Até que, em uma viagem de Agripina e Germânico à Síria, este último ficou doente e morreu. Tudo apontava que amigos de Tibério tinham envenenado a vítima.

Agripina não hesitou em acusar Tibério em seu retorno a Roma, assim como fizeram muitos romanos, que adoravam Germânico e o consideravam herdeiro do trono.

Três anos depois, após a morte de um filho de Tibério, Druso, os filhos de Agripina e Germânico estavam na linha direta para a sucessão.

Mas Tibério conseguiu acusar Agripina de traição e mandá-la para o exílio.

No ano de 29 d.C., Agripina foi enviada a Pandataria, onde morreu de fome, quatro anos depois.

Suspeitou-se que Tibério tivesse ordenado sua morte.

Um filho e três filhas dela sobreviveram; no final, Tibério não conseguiu impedir que este filho, Calígula, assumisse o poder.

No entanto, uma de suas filhas seguiu a mesma sina que Agripina e sua mãe, Júlia.

·         A neta

Júlia Livila era a filha caçula de Agripina e Germânico.

Assim como suas outras duas irmãs, Agripina Menor e Júlia Drusila, Livila desfrutou, nos primeiros anos do reino de seu irmão Calígula, de privilégios - ainda que, na realidade, estivesse sob controle dele.

Historiadores da época indicaram que Calígula as prostituía e chegou-se a dizer que ele mantinha relações incestuosas com elas, algo difícil de confirmar.

No entanto, no ano de 39 a.C., Agripina Menor e Júlia Livina se envolveram em uma conspiração fracassada para derrubar Calígula e colocar em seu lugar o viúvo de Júlia Drusila.

As duas irmãs foram exiladas para as ilhas Ponza, o arquipélago do qual Pandataria faz parte.

Júlia Livina voltaria a Roma depois do assassinato de Calígula no ano 41, resgatada do exílio por seu tio paterno, o agora imperador Cláudio.

Mas a terceira esposa de seu tio, a influente Messalina, não gostou do carinho que seu marido mostrava ter pela sobrinha. Com intrigas, ela conseguiu que o próprio Cláudio acusasse Livina de adultério com o filósofo, político, orador e escritor romano Sêneca.

A acusação era altamente improvável, mas Sêneca era considerado um inimigo político potencial do novo imperador. Inventar uma relação com a já indesejável Júlia Livina se mostrou um plano de mestre.

Sêneca viveu no exílio na Córsega por oito anos.

A neta de Júlia, a Velha, e filha de Agripina Maior foi enviada para Pandataria.

Alguns meses depois, seu tio ordenou sua execução. Ela aparentemente morreu por inanição.

·         Toda uma tradição

Avó, mãe e neta não foram as únicas visitas forçadas a Pandataria; houve várias outras.

O filho de Agripina Menor, Nero, inventou uma acusação de adultério contra sua esposa Octavia, filha do imperador Cláudio, e exilou-a em Pandataria. Ele então casou-se com Popea Sabina.

O exílio de Octavia causou protestos públicos em Roma - a ponto de Nero se ver pressionado a se casar novamente com ela. Mas ele resolveu ordenar sua execução.

Alguns dias depois, Octavia foi morta em um banho a vapor, onde teve suas veias cortadas.

Sua cabeça foi cortada e enviada a Popea.

 

Ø  Os perigos, vícios e diversões da vida noturna na Roma antiga

 

Muitos de nós conseguem imaginar os brilhantes espaços cobertos de mármore da Roma antiga em um dia ensolarado, porque esta é a imagem exibida por filmes e séries, além dos livros de história.

Mas o que acontecia ao anoitecer? Mais especificamente, o que acontecia com a grande maioria da população da cidade imperial que vivia em casas abarrotadas e não nas amplas mansões dos mais ricos?

Lembre-se de que, no século 1 a.C., na época de Júlio César, a Roma antiga era uma cidade de 1 milhão de habitantes: ricos e pobres, escravos e ex-escravos, nativos e estrangeiros.

Foi a primeira métropole multicultural do mundo, com bairros marginais, residências de múltiplas ocupações e zonas de aterros sanitários - e tendemos a nos esquecer disso tudo quando nos concentramos em suas magníficas colunas e praças.

Então, como era a cidade de Roma, a verdadeira Roma, depois que se apagavam as luzes?

·         Caminhar pelas ruas podia ser fatal

O melhor ponto de partida é a sátira do poeta Juvenal, que evocou uma imagem desagradável da vida cotidiana em Roma ao redor de 100 d.C..

Juvenal alertou sobre os riscos de caminhar pelas ruas ao anoitecer sob janelas abertas. No melhor dos casos, podiam chover os excrementos armazenados durante o dia. No pior, uma pessoa podia ser acertada na cabeça pelos objetos lançados dos andares superiores.

Juvenal também fala do risco de topar com pessoas ricas que passeavam com seus mantos escarlates e comitivas de seguidores parasitas e empurravam para o lado quem estivesse em seu caminho.

Mas esta visão do poeta de Roma à noite é precisa? Foi realmente um lugar onde coisas caíam sobre as cabeças dos transeuntes, onde os ricos e poderosos te derrubavam no chão e passavam por cima e no qual, como Juvenal observa em outras passagens, uma pessoa corria o risco de ser assaltada e roubada por gangues de bandidos? Provavelmente, sim.

·         Não havia força policial

Fora do esplêndido centro cívico, Roma era um labirinto de ruelas estreitas e corredores. Não havia iluminação pública, nem locais adequados onde jogar fora excrementos ou, ainda, vigilância de uma força policial. Ao anoitecer, deve ter sido um lugar ameaçador.

A única proteção pública possível de esperar era a força paramilitar dos vigias urbanos. O que exatamente faziam e quão efetivos eram são pontos abertos para debate.

Estavam divididos em batalhões, e sua principal tarefa era vigiar o surgimento de incêndios, algo frequente nos blocos de casas mal construídas, com braseiros ardendo nos andares de cima.

Mas havia poucas ferramentas para lidar com eles, além de uma pequena quantidade de vinagre, algumas mantas para sufocar as chamas e hastes pesadas para derrubar as construções vizinhas e evitar que o incêndio se propagasse.

Às vezes, eles se tornavam heróis. De fato, há um memorial para um vigia em Ostia, perto de Roma, que tentou resgatar pessoas presas pelo fogo e morreu no processo - seu enterro foi pago pelo poder público.

Mas nem sempre eram tão altruístas. No grande incêndio de Roma do ano 64 d.C., a história conta que os vigias participaram dos saques à cidade e se aproveitaram de seu conhecimento sobre ela para encontrar grandes riquezas.

·         Proteção por conta própria

De qualquer forma, os vigias não eram uma força policial e tinham pouca autoridade quando ocorriam pequenos delitos noturnos.

Quem fosse vítima de um, tinha de se defender sozinho, como mostra um caso particularmente difícil discutido em um antigo manual sobre direito romano.

O caso se refere a um comerciante que mantinha seu negócio aberto à noite e deixou uma luminária no balcão que dava para a rua. Quando o objeto foi roubado, o dono da loja perseguiu o ladrão, e eles começaram a brigar.

O criminoso tinha uma arma - um pedaço de corda com um metal na ponta - e a usou contra o comerciante, que reagiu com um golpe tão forte que arrancou o olho do ladrão.

O dilema dos advogados romanos era se o comerciante era responsável pelo ferimento. Em um debate que ecoa alguns dos nossos próprios dilemas de até onde o dono de um negócio ou imóvel pode ir para se defender de um criminoso, os advogados disseram que o ladrão estava armado e havia dado o primeiro golpe, portanto, devia assumir a responsabilidade de ter pedido um olho.

O incidente é um bom exemplo do que poderia ocorrer nas ruas de Roma depois do anoitecer: pequenas brigas podiam ganhar grandes proporções e uma vasilha jogada de uma janela poderia ser fatal.

·         Bares e jogos de azar

Mas a noite romana não era apenas perigosa: era também divertida. Havia clubes, tabernas e bares abertos até altas horas.

Ainda que uma pessoa compartilhasse uma casa pequena com muita gente, se fosse um homem, poderia escapar do aperto por algumas horas para beber, fazer apostas ou se divertir com as garçonetes.

A elite romana desprezava estes locais. Ainda que o jogo fosse uma das atividades favoritas da sociedade romana - dizia-se que o imperador Claudio havia escrito um manual sobre o tema -, isso não impediam que as classes mais altas denunciassem os maus hábitos dos pobres e seu vício em jogos de azar.

Felizmente, temos algunas imagens da diversão em bares romanos do ponto de vista dos cidadãos comuns e não de seus críticos. Elas não estão em Roma, mas nas paredes dos bares de Pompeia, e mostram cenas típicas: grupos de homens sentados ao redor de mesas, pedindo outra rodada de bebidas, a interação entre clientes e garçonetes e uma grande quantidade de jogos. Há até indícios de violência.

Nesta pintura de um bar de Pompeia, que hoje está no Museu Arqueológico de Nápoles, vemos à esquerda uma dupla de jogadores que têm uma desavença sobre o jogo e, na direita, o proprietário ameaçando expulsá-los dali.

·         E os ricos?

Onde estavam os mais ricos durante essa agitada vida noturna nas ruas? A maioria estava cômodamente dormindo em suas camas, em casas luxuosas, com o auxílio de escravos e a proteção de cães de guarda.

Por trás das suas portas, reinava a paz - a menos, é claro, que houvesse um ataque -, e só ouviam os sons da vida dura nas ruas. Mas havia romanos na elite para quem a vida nas ruas era muito mais emocionante, e era ali que eles queriam estar.

Nas ruas de Roma, podia-se encontrar o imperador Nero em suas noites livres. Ao anoitecer, segundo conta seu biógrafo Suetônio, ele se disfarçava, visitava os bares da cidade e vagava pelas ruas, provocando confusão com seus companheiros.

Quando cruzava com homens a caminho de casa, os golpeava. Quando tinha vontade, invadia lojas fechadas e vendia no palácio o que roubava. Também se metia em brigas e, aparentemente, corria com frequêcia o risco de ser ferido ou morto.

E, ainda que muitos dos ricos evitasem sair de casa depois do anoitecer, outros faziam isso acompanhados por escravos que atuavam como seguranças privados ou um grande séquito de ajudantes, em busca de diversão.

Pelos relatos de Suetônio, talvez um dos maiores perigos de se andar à noite em Roma fosse encontrar o imperador.

 

Fonte: BBC History

 

 

Nenhum comentário: