Pacto Neoliberal e Estagdesigualdade
Qual
é a narrativa sobre a história econômica recente do Brasil, baseada em fatos e
dados – e não em ideologia defensora da concentração da renda e riqueza?
A
economia brasileira tinha crescido 8,1% no período JK (1956-60) e 6,6% no ano
de 1962. Em 29 de agosto daquele ano, o Congresso Nacional vetou o pedido de
impedimento da posse de João Goulart. Tinha assumido o posto em 7 de setembro
de 1961. O mandato estava previsto para terminar em 31 de janeiro de 1966 e
seria cumprido, de maneira imposta por militares, em regime parlamentarista.
A
conspiração de civis-religiosos, defensores da Tradição, Família e Propriedade,
e militares com ambição de enriquecimento e controle da sociedade civil,
resultou no golpe ditatorial em 1964. Entre 1963 a 1967, a taxa média de
crescimento da economia brasileira caiu para 3,46% aa.
O
propagandeado milagre econômico brasileiro de 1968 a 1973 ocorreu sob Delfim
Neto (ministro da Fazenda) e Reis Veloso (ministro do Planejamento),
tecnocratas capazes de implementar um desenvolvimentismo de direita sob
generais nacionalistas. A taxa média anual subiu a 11,16%, mas com uma
tendência crescente e o pico de 13,97% em 1973.
No
longo estertor do regime militar ditatorial, de 1974 a 1984, a taxa média anual
de crescimento do PIB caiu para 4,42%, inclusive com depressão em 1981 (-4,25%)
e 1983 (-2,93%). Deixou como herança maldita o regime de alta inflação.
Iniciou-se
o stop-and-go com tentativas e erros em seu combate. No primeiro biênio
(1985-86), a média foi 7,67%. Com a adoção do neoliberalismo e a omissão
governamental do laissez-faire (“deixe fazer, deixe ir, deixe passar, o mundo
vai por si mesmo”), de 1987 a 2002, a taxa média anual de crescimento da
economia brasileira foi apenas 1,99% aa.
Pior,
a elite econômica e seus economistas pós-graduados nos Estados Unidos passaram
a pautar o jornalismo econômico brasileiro de maneira excludente dos críticos
social-desenvolvimentistas. Atuam, desde então, em defesa do “entulho
neoliberal”: tripé macroeconômico com meta de inflação irrealista, juros “no
céu” e crescimento “no inferno”.
No
fim de 2001, tendo a economia crescido apenas 1,39%, o presidente Fernando
Henrique Cardoso classificou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) de
“entulho autoritário” e criticou seus defensores por serem “neogetulistas fora
de hora”. Não conseguindo fazer seu sucessor, no ano seguinte, o
neoliberalismo, para a “flexibilização da CLT” e resgate do regime de juros
disparatados, adotou o golpismo a partir da eleição de 2014, quando foi
derrotado pela quarta vez seguida.
O
social-desenvolvimentismo não tinha conseguido se livrar da instalação de
neoliberais no comando do Banco Central do Brasil e aceitou a pressão de O
Mercado (onipresente-onipotente-onisciente) para nomear um seu representante no
Ministério da Fazenda em 2015. Entre 2003 e 2014, a taxa média anual de
crescimento foi 3,47%.
A
extrema-direita saiu do armário nas passeatas de junho de 2013. Os neofascistas
se aliaram aos neoliberais para implementarem “pautas-bombas” impeditivas da
presidenta eleita governar até o golpe semi-parlamentarista sob intensa
formação da opinião pública pelo PIG (Partido da Imprensa Golpista) e o lawfare
do “lava-jatismo”.
Lawfare
se refere a uma forma de combate político na qual o Direito é usado como arma.
Basicamente, empregou manobras jurídico-legais como substituto de Forças
Armadas. Um juiz de comarca aliou-se a um medíocre capital expulso delas para
trocar o aprisionamento do candidato favorito em 2018 (Lula) por um carguinho
no governo.
O
resultado foi o retrocesso moral, socioeconômico e político do Brasil. A partir
da Grande Depressão do biênio 2015-16 (-3,41% aa), iniciou-se a
estagdesigualdade: estagnação econômica e concentração da riqueza financeira.
No
governo golpista temeroso (2017-18), com foco apenas nas reformas neoliberais
de corte de direitos trabalhistas, a economia cresceu apenas 1,55% aa. Na
aliança do neoliberalismo com o neofascismo, com stop-and-go cresceu em média
anual de 1,35%.
Resultado:
segundo dados do World Economic Outlook (WEO) do FMI, a renda per capita
brasileira (em Poder de Paridade de Compra) não cresceu, pelo contrário, baixou
até US$ 14,7 mil em 2022. Tinha sido US$ 14,9 mil em 2010.
A
economia brasileira era, em 2011, a sexta maior no mundo, quando seu PIB
atingiu US$ 2,614 trilhões. No governo Dilma (2011-2015), a média anual foi US$
2,439 trilhões.
Com
a volta da Velha Matriz Neoliberal e sua estagdesigualdade, a média anual de
2016 a 2022 caiu para US$ 1,803 trilhão. Em 2022, ficou acima dessa média: US$
1,920 trilhão. O retrocesso econômico do Brasil colocou-o no décimo-segundo
lugar do ranking mundial de PIBs.
Os
editorais dos jornalões continuam brigando contra esses números e com sua
prática de PIG. Acusa a priori: “o PT reafirma teses que levaram à ruína sob
Dilma”. Ora, em seu governo, os PIBs foram maiores e as taxas de desemprego
menores!
Quanto
à riqueza financeira, desde quando a ANBIMA publica dados comparáveis por
segmentos de clientes, em dezembro de 2015, o Varejo Tradicional possuía R$ 825
bilhões (39%) e o Varejo de Alta Renda R$ 586 bilhões (28%). Entre eles, as 110
mil contas do Private Banking acumulavam R$ 712 bilhões (34%).
Sete
anos após, em dezembro de 2022, este Private (153 mil contas) tinha superado a
todos os outros segmentos com R$ 1,91 trilhão (38%). O Varejo Tradicional
(129,5 milhões) perdeu participação relativa com R$ 1,72 trilhão (34%), assim
como o Varejo de Alta Renda (14,1 milhões) com R$ 1,42 trilhão (28%).
Em
dezembro de 2016, a riqueza financeira per capita do Private era R$ 6,483
milhões contra R$ 115 mil do Varejo de Alta Renda e R$ 12 mil do Varejo
Tradicional. A manutenção do Pacto Neoliberal, defendido com unhas-e-dentes no
PIG, agravou a já enorme concentração de riqueza financeira: em dezembro de
2022, o Private Banking acumulou, em média per capita de cada conta, R$ 12,6
milhões (quase o dobro) contra R$ 97 mil da classe média alta e R$ 13,1 mil da
classe média baixa.
Inconscientemente,
muitos patriotários (e presidiotas) desses segmentos “vestiram uma camisa
amarela e saíram por aí”…
Conscientemente,
economistas submissos a O Mercado se esforçam em defender o indefensável.
Manipulam os números para afirmar o Brasil não ser o campeão mundial dos juros
reais!
Alegam
esse ranking considerar a diferença entre a taxa de juros nominal corrente e a
inflação acumulada em 12 meses, chamada de taxa de juros real ex-post ou registrado
a posteriori no passado recente. Porém, deturpam, seria a taxa de juros real
ex-ante ou esperada para o futuro próximo a relevante para as decisões de
consumo e investimento dos agentes econômicos. Ela é medida como a diferença
entre a taxa de juros de mercado para um ano e as expectativas de inflação 12
meses à frente.
Essa
observação conceitual pouco importa para o registro daquele fato: os maiores
juros reais agravaram a estagnação do fluxo de renda e a concentração do
estoque de riqueza em renda fixa, remunerada por eles. Nada disso muda por
conta de, em fevereiro de 2022, a taxa de juros real ex-ante para o Brasil,
estava em 7,20%, 320 pontos-base acima da taxa de juros neutra estimada pelo
BCB em dezembro de 2022. No México, ela estava em 7,21%, 460 pontos-base acima
da taxa de juros neutra estimada pelo Banxico em junho de 2019. Ops, em segundo
lugar, por 0,1 ponto percentual, grande feito…
Os
adeptos da Economia da Confiança manipulam conceitos como “desancoragem das
expectativas” para deixar leigos como reféns. Leitores desses jornalões ficam,
contra sua vontade de ler um debate plural, em poder do pensamento único
dominante, com a promessa de alguma catástrofe ocorrer caso qualquer mudança
seja feita no Pacto Neoliberal: ameaça de risco fiscal-meta de inflação
irrealista-juros maiores do mundo.
Além
da defesa da renda fixa com esses juros disparatados, nos últimos anos, os
conservadores têm defendido a manutenção o domínio neoliberal da Petrobras. Um
intenso processo de venda de ativos foi sendo realizado, nos últimos anos, com
foco direcionado exclusivamente à lucrativa exploração e produção de petróleo
do pré-sal.
Renunciou
à sua sustentação em longo prazo, por exemplo, com privatização da
distribuidora BR, para elevar em curto prazo o lucro da companhia só com
objetivo de pagar dividendos. A estratégia da empresa foi impulsionar a
capacidade de geração de fluxo de caixa livre ao transformar faturamento
imediato em lucro.
Com
razão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a Petrobras ter sido a
segunda maior pagadora de dividendos do mundo em 2022. “A Petrobras entregou
mais de R$ 215 bilhões para acionista, quando ela devia investir. Em vez de
investir, a Petrobras resolveu agraciar acionistas minoritários”, disse Lula.
“A Petrobras virou uma empresa exportadora de óleo cru – e não foi só para isso
a descoberta o pré-sal!”
Haddad no rumo certo e a espuma política.
Por Aldo Fornazieri
As
medidas de política econômica adotadas e sinalizadas até agora pelo Ministério
da Fazenda e pelo ministro Fernando Haddad, no fundamental, estão no caminho
correto. Claro que ainda existem algumas incertezas relativas ao formato da
política fiscal, mas que deverão ser superadas em breve. A reforma tributária,
definida como a outra prioridade deste momento, tem suas balizas assentadas
pelas propostas que tramitam na Câmara e no Senado. Esta reforma, contudo,
dependerá da capacidade de condução e de negociação do governo e do Congresso
com os entes federados para que chegue ao bom termo.
O
acerto geral da política conduzida por Haddad, sob os auspícios do presidente
Lula, consiste na busca do equilíbrio entre reponsabilidade fiscal com a
responsabilidade social. Ambos são princípios do bom governo, sendo que a
responsabilidade social é condição necessária da responsabilidade fiscal.
Todos
sabem que os descalabros do governo Bolsonaro e as consequências da pandemia
pressionam pela expansão do gasto social. Mas também é sabido que um
financiamento inapropriado do gasto social produz consequências negativas que
terminam por prejudicar os mais pobres. O desequilíbrio entre o fiscal e o
social, por um lado, pode manter uma inaceitável situação de pobreza e fome.
Por outro, pode produzir um descontrole da dívida pública que produz o aumento
dos juros privados, a elevação das taxas de contratação de nova dívida pública,
aumento do gasto público com juros da dívida e elevação da taxa de câmbio, o
que produz inflação.
Neste
sentido, foi correta a firme decisão de Haddad de restaurar a oneração dos
combustíveis. A desoneração foi uma política eleitoreira de Bolsonaro e um dos
fatores da bomba fiscal deixada como herança. Na campanha, Lula criticou a
medida, pois ela subtraía recursos para a educação e a saúde.
O
correto seria estabelecer a reoneração completa dos combustíveis. Só não o foi
por pressões políticas, vindas inclusive do PT, inclusive da presidência do
partido, que preferiam manter essa injusta política bolsonarista a apostar na
recomposição das receitas públicas para financiar o gasto social.
Politicamente, se a reoneração provocou desgaste, o correto seria promovê-la de
uma só vez, evitando que no futuro o tema negativo seja reposto. É coisa de
neófitos políticos dosar desgastes ao longo do tempo.
Além
disso, a reoneração dos combustíveis atende a três princípios estruturantes de
uma política de mudanças defendidos por Lula na campanha. O primeiro princípio
é o fiscal, porque ele é a base da boa governança e condição da política
social. O segundo é o social, pois dada a pressão pelas políticas públicas
sociais vindas dos carecimentos dos mais pobres, o Estado deve agir para
recompor suas receitas visando promover o bem-estar. Ademais, o subsídio fiscal
aos combustíveis favorece mais os mais abastados em detrimento dos mais pobres.
Favorece mais o eleitorado do Bolsonaro prejudicando o eleitorado do Lula, que
se sacrifica no transporte coletivo.
O terceiro é o princípio da sustentabilidade
ambiental. Não se justifica subsidiar combustíveis fósseis, como a gasolina,
que contribuem para o aquecimento global. A desoneração, assim, contribuiu para
armar a bomba fiscal, favoreceu os mais abastados, prejudicou os mais pobres e
o meio ambiente.
Desta
forma, é incompreensível a estridência provocada por alguns dirigentes do PT
que se opuseram a reoneração. Parece que não compreenderam nem o grave sentido
regressivo da medida bolsonarista e nem as necessidades postas pela conjuntura
em relação ao governo Lula.
O
governo Lula precisa de estabilidade e de previsibilidade para promover uma
virada em relação ao ambiente negativo, de estridência e de conflitos, marcado
pelo governo Bolsonaro. Não se pode dar continuidade a esse ambiente de
conflitos inconsequentes, de estridência, de polêmicas desnecessárias.
É
de duvidosa eficácia escolher a o presidente do Banco Central como inimigo
principal. Ele não é político, não é um partido e não deve ser candidato. A
maior parte da população sequer sabe de quem se trata. O maior inimigo deve
continuar sendo Bolsonaro, o bolsonarismo, a direita golpista e a desastrosa
herança que foi deixada.
É
necessário construir um ambiente positivo, marcado pelo debate programático, de
ideias e de busca de realizações e de soluções para os graves problemas. Se em
parte o governo já vem conseguindo a construção deste ambiente em algumas
áreas, ainda não o conseguiu totalmente na economia por conta dessa recorrente
espuma política que é produzida. A economia é o ponto nevrálgico do governo.
Não se pode abrir nenhum espaço para o fracasso na economia.
Se
é verdade que o povo tem urgências graves e algumas desesperadoras, se é
verdade que a situação fiscal não é confortável e que os juros estão altos,
também é verdade que o Brasil tem uma das inflações mais baixas entre os países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Muitos países, entre eles o Brasil, terão
crescimento relativamente baixo em 2023. Por isso mesmo é um ano propício para
arrumar a casa.
É
preciso perceber que o que a equipe econômica fizer agora determinará a forma
de como o governo entrará em 2025 e chegará ao seu final em 2026. Se o governo
não fizer o que precisa ser feito, principalmente na recomposição fiscal,
chegará se arrastando no seu final. Mas se for prudente e não fizer concessões
ao populismo fiscal, chegará em 2026 com a economia em crescimento, com a
inflação baixa, com juros suportáveis e com políticas sociais bem estruturadas
e bem financiadas. O governo não pode trocar a solidez e a responsabilidade de
políticas corretas e necessárias por uma popularidade de curto prazo.
Fonte:
Por Fernando Nogueira da Costa, no Jornal GGN
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