sábado, 11 de março de 2023


 Os protagonistas do caso das joias milionárias sauditas

Inicialmente caracterizadas como presente da Arábia Saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, peças foram trazidas ilegalmente ao Brasil, virando centro de trama que se desenrola desde 2021.

Desde que veio à tona no início deste mês, o caso envolvendo joias apreendidas pela Receita Federal (RF) em outubro de 2021, na volta de uma viagem de uma comitiva do governo Bolsonaro à Arábia Saudita, ganha contornos cada vez mais curiosos.

Inicialmente, os itens avaliados em R$ 16,5 milhões foram identificados como um presente do governo saudita à então primeira-dama Michelle Bolsonaro, que negou ter conhecimento da cortesia.

A revelação do episódio, porém, levou o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a enviar um ofício à Polícia Federal (PF) nesta segunda-feira (06/03) para apurar suspeitas de crime em uma série de tentativas frustradas do governo Bolsonaro em reaver as joias.

À medida que os detalhes do escândalo vêm à tona, mais personagens envolvidos vêm à tona. Veja quem são os principais nomes.

·         Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama

A ex-primeira-dama afirmou que não sabia do suposto presente e chegou a fazer piada nas redes sociais sobre as joias. Em sua primeira reação pública, Michelle disse: "Quer dizer que, 'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo ? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein ?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa vexatória."

·         Marcos André Soeiro, militar que levava as joias

Foi na mochila de Marcos André Soeiro, na época assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque, que as joias foram encontradas.

Segundo o documento da RF sobre o ocorrido no aeroporto de Guarulhos, o militar da comitiva de Bolsonaro disse não ter nada a declarar, mas, ao passar pela alfândega e ser solicitado por um fiscal a colocar sua mochila no raio-x, "observou-se a provável existência de joias". A bagagem foi então revistada, e os agentes encontraram um estojo com um par de brincos, um anel, um colar e um relógio com diamantes da marca suíça Chopard. Os objetos foram apreendidos.

De acordo com o documento, o militar informou o ocorrido ao então ministro de Minas e Energia Bento Alburquerque.

·         Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia

Em uma primeira tentativa de liberar as peças, Bento Albuquerque alegou se tratarem de um presente para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Um ofício do gabinete do ex-ministro, ainda de 2021, pedia a liberação dos "presentes retidos", justificando ser "necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado".

Ao jornal Folha de S.Paulo, porém, o ex-ministro negou que sua equipe teria tentado trazer presentes caros para Michelle e que ele próprio teria tentado reaver as peças.

"Eu já tinha passado pela imigração e pela alfândega [em Guarulhos] quando fui chamado de volta porque abriram a mala do Soeiro e descobriram as joias. Não sabíamos do conteúdo. Achávamos que eram presentes convencionais, não joias", afirmou.

Posteriormente, a assessoria de Bento Albuquerque afirmou que as joias seriam "presentes institucionais destinados à representação brasileira integrada por Comitiva do Ministério de Minas e Energia – portanto, ao Estado brasileiro", e que, em decorrência, "o Ministério de Minas e Energia adotaria as medidas cabíveis para o correto e legal encaminhamento do acervo recebido".

·         Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social

Após a revelação do caso, o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social Fabio Wajngarten tentou justificar o caso através de um documento divulgado nas redes sociais onde o governo Bolsonaro, ainda em 2021, alegava que as joias seriam analisadas para incorporação "ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República".

"No termo de apreensão dos bens (presentes presidenciais) constam jóias e uma miniatura de um cavalo”, tuitou Wajngarten no dia 4 de março. "As joias estavam numa caixa selada que só foi aberta pela receita no aeroporto. Ninguém sabia o que tinha dentro.”

·         Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro

Poucos dias antes do fim do governo Bolsonaro, em 28 de dezembro de 2022, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do ex-presidente, emitiu um ofício com o brasão da República para pedir a liberação das joias apreendidas em Guarulhos.

No documento, obtido nesta quinta-feira (09/03) pela GloboNews, Mauro Cid dizia que o estojo que continha os itens estaria no "acervo privado" de Bolsonaro.

Após envio do ofício e aconselhado por amigos, Mauro Cid teria optado por repassar a missão de recuperar as joias a seu auxiliar, o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, que foi então pessoalmente a Guarulhos no dia seguinte.

·         Sargento Jairo Moreira da Silva

No dia 29 de dezembro, antepenúltimo dia do governo Bolsonaro, o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, auxiliar de Mauro Cid, foi enviado a Guarulhos num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para tentar, sem sucesso, recuperar as peças, argumentando que elas não podiam ficar retidas devido à iminente mudança de governo.

Em imagens de vídeo obtidas pelo G1, o sargento é flagrado tentando coagir o fiscal da Receita a liberar as joias: "Não pode ter nada do [governo] antigo para o próximo. Tem que tirar tudo e levar", disse Moreira da Silva ao funcionário da Receita.

·         Marco Antônio Lopes Santanna, agente da Receita

Marco Antônio Lopes Santanna foi o servidor da Receita Federal que negou a liberação das joias ao sargento Jairo Moreira Silva.

O funcionário da alfândega não entregou o material, argumentando que não podia entregar os itens sem a devida documentação.

Ele disse a Jairo que não tinha nenhuma informação sobre a liberação das joias e que não iria entregar nada.

Lopes Santanna resistiu à pressão para entregar o material se recusando, inclusive, a atender telefonema do então chefe da Receita, que ligou no celular de Julio Cesar no momento em que o militar tentava convencer Marco Antônio, sem sucesso.

·         Julio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal

Segundo o jornal Folha de São Paulo, em dezembro do ano passado, Bolsonaro também teria conversado por telefone como então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes sobre a liberação das joias.

Gomes teria pressionado os servidores de Guarulhos para liberarem a entrega das peças ao ex-presidente. Ele teria inclusive participado da elaboração do ofício emitido por Mauro Cid em 28 de dezembro, orientando o ajudante de ordens sobre como redigir o texto endereçado a ele mesmo no intuito de liberar as joias apreendidas.

Em 30 de dezembro, um dia depois de Julio Cesar ter agido para tentar liberar ilegalmente as joias, o ex-chefe da Receita Federal foi nomeado como adido do órgão em Paris pelo governo Bolsonaro. A nomeação, entretanto, foi cancelada pelo atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

·         Jair Bolsonaro, ex-presidente

Inicialmente, o ex-presidente negou ter conhecimento dos presentes. Posteriormente, no entanto, após a revelação do recebimento de um segundo pacote com joias, Bolsonaro confirmou que as peças –  relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário islâmico – foram incorporadas ao acervo pessoal dele.

Em declaração à CNN, o ex-presidente disse ainda que não houve ilegalidades no caso e que teria seguido a lei em relação aos presentes sauditas.

Há registros de que Jair Bolsonaro tentou liberar as peças apreendidas através do Ministério das Relações Exteriores, da Economia e de Minas e Energia, além de seu próprio gabinete presidencial.

 

Ø  "Pode-se vislumbrar peculato e corrupção no caso das joias", afirma jurista

 

tentativa de trazer ao Brasil joias no valor de R$ 16,5 milhões, sem pagar impostos à Receita Federal e incorporando-as diretamente ao seu patrimônio pessoal, é o mais novo escândalo que coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro como alvo de mais uma investigação judicial.

Envolvidos na história estão a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, para quem as joias teriam sido destinadas; o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, cujo assessor levava os objetos; o ex-chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes, que teria tentado interceder junto aos servidores para a liberação do presente milionário; o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, que foi filmado tentando a liberação das joias no fim do ano passado; e o ex-presidente que admitiu, em entrevista à CNN Brasil, ter incorporado um segundo pacote de joias e objetos valiosos ao seu acervo pessoal.

Pela legislação, um presente de um governo estrangeiro ao Estado brasileiro deve ir para um acervo público, não podendo ser transferido individualmente a agentes públicos de uma administração específica.

Em entrevista à DW Brasil, a professora da FGV Direito SP Eloísa Machado diz que, se comprovada pelas investigações, a prática pode configurar crime de peculato. Além disso, acrescenta Machado, se os presentes foram uma contrapartida a negócios realizados com o governo da Arábia Saudita – que adquiriu uma refinaria da Petrobras um mês após a viagem da comitiva brasileira –, também é possível vislumbrar o crime de corrupção.

Além do caso das joias, Bolsonaro é alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), que tratam da disseminação de fake news na pandemia, da interferência na Polícia Federal, de influência nos atos de vandalismode 8 de janeiro em Brasília. Já um inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF) sobre a crise humanitária dos yanomami também apura a responsabilidade do ex-presidente na desassistência aos indígenas.

"O que impressiona é a quantidade e a variedade de atos ilícitos que vêm à tona nas investigações, sobretudo agora que não há mais um filtro feito pela PGR em razão da ausência da prerrogativa de foro por função, já que é ex-presidente", afirma Machado.

LEIA A ENTREVISTA:

·         Como podemos classificar o caso do recebimento dos "presentes" do governo da Arábia Saudita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro? Quais as consequências jurídicas e políticas esse caso pode ter para o ex-presidente?

Eloísa Machado: O recebimento de presentes por governos é regulado por diferentes trâmites e critérios. Se de fato era um presente ao Estado brasileiro, não poderia ser incorporado ao patrimônio de uma pessoa que ocupou o governo.

Com a apropriação indevida de um bem do Estado brasileiro, incorre-se em prática que pode ser considerada criminosa. No caso, é possível vislumbrar, ao menos em tese, o crime de peculato.

Na hipótese de não ser um presente para o Estado, mas um tipo de contrapartida pessoal a facilitação de negócios realizados, pode-se vislumbrar a prática de outros crimes, como corrupção. Uma investigação é capaz de oferecer os contornos fáticos necessários ao correto enquadramento jurídico.

·         O quão graves são esses indícios e o que eles mostram sobre a confusão entre "privado" e "público" durante a administração Bolsonaro – já que o ex-presidente tentou levar para o próprio acervo objetos que valem milhões, numa tentativa de não se submeter à legislação?

Há indícios de que os trâmites foram desconsiderados e de que houve uma atuação de servidores da Presidência da República e de ministérios para burlar exigências normativas, indícios estes suficientes para que uma investigação seja feita e aprofundada.

Outros inquéritos em andamento contra Jair Bolsonaro também tratam de condutas pouco republicanas, seja no âmbito eleitoral com o uso da máquina pública em proveito de sua candidatura, seja na Justiça comum.

·         Além de Bolsonaro, há como envolvidos um ex-ministro, um oficial militar, o ex-chefe da Receita Federal, além de Michelle Bolsonaro. O que pode acontecer com esses indivíduos?

A investigação será capaz de atribuir a participação de cada um em eventual prática delitiva, eventualmente apontando concurso de pessoas para uma mesma prática delitiva.

·         Bolsonaro também vem sendo investigado em outros inquéritos. Como a senhora avalia a situação jurídica do presidente com todos esses casos? O caso das joias pode ser a 'cereja do bolo' para a culpabilização do presidente? Ou os inquéritos são distintos o bastante para não se confundirem?

Há uma série de inquéritos e ações eleitorais que buscam a responsabilização de Jair Bolsonaro. Como ex-presidente, ele não goza de nenhuma imunidade constitucional.

Pelas informações divulgadas até o momento, não há confusão ou sobreposição de investigações, sendo apurados fatos distintos em cada um deles.

O que impressiona é a quantidade e a variedade de atos ilícitos que vêm à tona nas investigações, sobretudo agora que não há mais um filtro feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em razão da ausência da prerrogativa de foro por função, já que é ex-presidente.

·         O procurador-geral da República, Augusto Aras, se notabilizou por arquivamentos de possíveis crimes cometidos por Bolsonaro e sua família durante os anos de governo do ex-presidente. Além disso, Bolsonaro teria feito o uso de instituições, como a Polícia Federal, indicando pessoas de seu círculo pessoal, em cargos de chefia, para se livrar de eventuais inquéritos. O quanto essas instituições sofreram durante o governo anterior? Podemos dizer que, com a saída do presidente, elas estão novamente 'livres' para investigá-lo, ou há algum tipo direcionamento político ainda, seja tanto favorável ou contrário a Jair Bolsonaro?

Parece-me mais adequado falar em sofrimento de povos indígenas e de outros grupos vulneráveis que foram deliberadamente atacados no governo Bolsonaro, em ações que ficaram impunes porque as instituições de investigação e responsabilização não foram capazes de agir.

Há um diagnóstico que mostra a retração da PGR enquanto instância de controle dos atos de Jair Bolsonaro, enquanto presidente da República.

Com a mudança de governo, é hora de promover reformas nas instituições que se mostraram falhas na contenção dos abusos excessos do Executivo, como diminuir a concentração de poderes no PGR e no Advocacia-Geral da União (AGU).

 

Fonte: Deutsche Welle

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