O presidente e a
China
Um
dos grandes desafios diplomáticos do Brasil é se reposicionar na nova ordem
mundial que, especialmente, está sendo criada após o início da guerra da
Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
A
configuração geopolítica edificada após a final da Segunda Guerra Mundial, a
Guerra Fria, terminou quando da queda do Muro de Berlim (nove de novembro de
1989) ou, se preferir, com o fim da União Soviética (Natal de 1991). Desde
então, os Estados Unidos ocuparam a cena política mundial de forma inconteste;
fez e desfez como se a autoridade mundial tivesse sido concedida ao governo de
Washington. E os outros países e as organizações internacionais não passassem
de meras representações coadjuvantes das vontades da superpotência
norte-americana. Caberia ao restante do mundo sempre dizer sim ou, no máximo,
emitir algum protesto sem resultado prático.
Isso
acabou. Como toda potência dominante na história, deverá haver um período de
transição até que os Estados Unidos tenha consciência que o tempo de uma
espécie de “mandão mundial”, já passou. Nós estamos assistindo uma nova
geopolítica nascendo, tanto como produto de conflitos localizados quanto do
crescimento econômico, especialmente desse último.
E,
como sempre na história, a política comanda as modificações na relação entre os
países, tensionando as relações em um momento de maior interligação, a chamada
globalização, nas últimas décadas.
Diferentemente
do que alguns imaginavam no ano passado, quando do início do conflito na
Ucrânia, a Rússia conseguiu resistir às sanções ocidentais. Mesmo que entre em
recessão, será mais tímida e breve do que era esperado, isso porque a maioria
das nações ignorou as determinações das potências ocidentais, assim como se
intensificou as relações econômicas entre a Rússia, a China e a Índia. Deve ser
destacado que estes dois últimos países acabaram até favorecidos pela compra de
matérias-primas russas em condições mais favoráveis e iniciaram um comércio que
poderá, no futuro, prescindir do dólar como moeda no comércio transnacional.
E
o Brasil? Temos ligações históricas com o ocidente e, especialmente, nos
últimos cem anos com os Estados Unidos. Isso vai desde o intercâmbio comercial
até as manifestações culturais. O mundo oriental, para nós, ao menos no aspecto
cultural, é algo muito distante do nosso cotidiano. Mas também o oriente – a
China é muito claro – acabou incorporando parte do modo de vida ocidental.
Temos de começar a discutir esses temas e a viagem de Lula à China é um bom
pretexto.
China e Brasil vão assinar acordo de
cooperação em chips, 6G e inteligência artificial
O
Brasil vai firmar com a China um acordo de cooperação e intercâmbio em
tecnologias de semicondutores, 5G, 6G e as próximas gerações de redes móveis,
inteligência artificial e células fotovoltaicas (para geração de energia
solar).
Os
memorandos de entendimento serão assinados durante a visita do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) à China, na semana que vem. Os acordos, que envolvem
o Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério das Comunicações e Anatel,
preveem capacitação em desenvolvimento de aplicativos, nuvem, internet das
coisas e algoritmos em aplicativos para a indústria.
Todas
essas tecnologias são sensíveis e estão no centro da guerra fria tecnológica
entre Estados Unidos e China.
Nos
últimos meses, Washington sinalizou várias vezes a integrantes do governo Lula
o interesse de promover investimentos na cadeia de semicondutores no Brasil.
Os
chineses, como parte do pacote de recepção de honra a Lula em Pequim, devem
acenar com possibilidade de cooperação em fábricas de semicondutores no Brasil,
com produção voltada para o mercado brasileiro.
Uma
ideia seria investir na Ceitec (Centro de Excelência em Eletrônica Avançada), a
estatal de semicondutores que entrou em processo de liquidação sob Jair
Bolsonaro e que Lula avalia reabrir.
A
China domina quase metade do mercado mundial da etapa chamada de backend dos
semicondutores, a finalização –teste, afinamento, corte e encapsulamento dos
componentes. O país também atua no frontend, etapa que compreende a fabricação
do componente. Mas os chineses não conseguem produzir os chips mais avançados,
cuja tecnologia ainda é monopólio de Taiwan e Coreia.
Hoje,
o Brasil tem 11 grandes empresas na cadeia de produção de semicondutores, mas
com capacidade apenas no chamado backend da cadeia.
O
governo brasileiro busca cooperação no backend e também parceria para
desenvolvimento do frontend.
Com
investimento e transferência de tecnologia, plantas já instaladas no país poderiam
passar a atuar na fabricação de semicondutores menos avançados e começar a
fabricar, no médio prazo (de 10 a 15 anos), chips de 14 nanômetros para
abastecer a indústria automobilística doméstica, segundo avaliação do
Ministério do Desenvolvimento.
Segundo
um integrante do governo brasileiro que acompanha as negociações, a viagem vai
dar "impulso" ao estreitamento de relações com a China. Essa pessoa
afirma, no entanto, que não há nenhum alinhamento com China ou EUA. Segundo
ele, o Brasil quer apenas aproveitar as oportunidades de desenvolvimento de
tecnologias.
Na
viagem, Lula também irá à gigante de telecomunicações Huawei, e deve visitar as
sedes ou se reunir com os presidentes da BYD, montadora de carros elétricos, da
State Grid, de energia, e da construtora China Communications Construction
Company (CCCC).
Durante
o governo Jair Bolsonaro (PL), os Estados Unidos pressionaram o Brasil a vetar
a Huawei do fornecimento de equipamentos para operadoras disputando o leilão do
5G, realizado em 2021.
Os
americanos argumentam que as redes da Huawei não têm segurança e podem ser alvo
de espionagem, com a empresa compartilhando os dados com o governo chinês. Mas
o governo brasileiro resistiu e não excluiu a gigante chinesa.
Países
como Reino Unido, Suécia, Japão, Austrália e Canadá impuseram restrições à
empresa. Sanções de Washington também impedem empresas americanas de exportar
componentes para a Huawei.
Na
minuta do memorando com o Ministério das Comunicações constam apenas as
diretrizes da parceria voltada às tecnologias de comunicação em quinta e sexta
gerações (5G e 6G), além de cooperação para o desenvolvimento de sistemas de
proteção de dados. O plano de ação será definido depois da assinatura do
documento por técnicos da pasta e da Anatel.
Esses
foram justamente os pontos que o governo Bolsonaro vetou durante os
preparativos do leilão de 5G.
Na
época, para evitar o adiamento do certame, o governo decidiu criar uma rede
privativa para órgãos da administração pública federal sem componentes
chineses, particularmente da gigante Huawei.
Agora,
Lula retoma a parceria para avançar no desenvolvimento de tecnologias comuns
aos dois países, tanto na parte de hardware (equipamentos de redes de
telecomunicações), quanto de software (soluções de rede).
O
presidente mira a comunicação de sexta geração (6G), tecnologia que a Huawei já
domina, tendo ainda poucos concorrentes na Europa.
A
iniciativa de Lula nessa área é também uma retomada de um acordo de cooperação
com a China iniciado pelo governo Michel Temer (MDB). Em 2017, houve um
memorando voltado para o comércio eletrônico. A ideia era criar ferramentas
para o aprimoramento de quesitos de segurança nas transações.
Já
a BYD, maior concorrente da Tesla na fabricação de carros elétricos, está em
negociações para comprar a fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia.
A
CCCC, que já atua no Brasil, é uma das principais construtoras nos projetos
financiados pela Iniciativa Cinturão e Rota da China. O Brasil é um dos poucos
países da América Latina que não aderiram ao projeto, que promove obras de
infraestrutura. Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Peru e Uruguai fazem parte.
Também
será anunciado na viagem o lançamento de mais um satélite CBERS em parceria com
os chineses, que vai fazer vigilância da Amazônia.
Nosso objetivo é retomar diplomacia com a
China, diz Fávaro
O
ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, disse ter afirmado às
autoridades da China que o maior objetivo do governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) na visita ao país asiático é retomada das “boas relações
diplomáticas”.
Segundo
o ministro, a diplomacia veio até mesmo antes das discussões econômicas com o
maior parceiro comercial do Brasil. Fávaro afirmou que durante seu 1º dia de
reunião no país asiático “ficou muito claro” que os 2 governos terão uma boa
relação.
“Durante a conversa com o ministro do GACC
[autoridade sanitária chinesa], ele chegou a dizer que o governo chinês ficou
muito feliz com a vitória do presidente Lula. Ficou muito claro que nós teremos
um momento de ótimas relações”, disse o ministro em entrevista ao jornal O
Globo publicada nesta 6ª feira (24.mar.2023).
“Fizemos
questão de dizer que, mais do que ampliar as nossas relações comerciais, e isso
é muito importante, o nosso maior objetivo é retomar as boas relações
diplomáticas, as relações de amizade com o povo chinês. Os outros serão
consequência”, completou.
Desde
a descoberta da covid, a relação diplomática entre Brasil e China passou por
altos e baixos quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e integrantes do seu
governo trocaram farpas com o governo chinês. As altercações, no entanto, não
atrapalharam as relações comerciais, que apresentaram um recorde do superavit
acumulado com o país asiático em 4 anos.
Fávaro
embarcou dias antes da comitiva do presidente Lula para a China. Ele foi
acompanhado de 102 empresários do setor do agronegócio, incluindo os irmãos
Joesley e Wesley Batista, executivos das empresas do grupo J&F –controlador
da JBS.
Depois
da reunião do ministro com representantes da GAAC (Administração-Geral de
Aduanas da China, na sigla em inglês), as autoridades chinesas anunciaram o fim
do embargo à carne bovina brasileira.
A
exportação de carne bovina brasileira para o país asiático estava suspensa
desde 22 de fevereiro. A decisão havia sido tomada pelo governo Lula depois da
confirmação de um caso do “mal da vaca louca” registrado no Pará –confirmado
depois como sendo atípico.
O
ministro afirmou que o governo chinês se manifestou de forma favorável a
revisão do protocolo sanitário atual para a compra da carne, o que pode evitar
novos embargos no futuro.
“Eles
[autoridades sanitárias da China] já se manifestaram que estão dispostos a
discutir esse protocolo, mas antes de mais nada é preciso ressaltar o grande
trabalho feito pela ministra Kátia Abreu [responsável pelo atual protocolo].
Quando esse protocolo foi construído, havia incerteza ainda porque não havia a
diferenciação entre vaca louca típica e atípica”, declarou Fávaro.
Lula
deve embarcar para a China no próximo domingo (26.mar), com a viagem atrasada
em 1 dia depois de o presidente ser diagnosticado com pneumonia. Irá
acompanhado por 3 comitivas: a do governo, a de congressistas e a de
empresários. A reunião com seu homólogo chinês, Xi Jinping, está marcada para
28 de março.
Um
dos pontos principais da visita será investimentos em economia verde. Temas
como agricultura de baixo carbono, mobilidade elétrica, mercado de carbono,
finanças verdes e transmissão de energia deverão estar em pauta, segundo a
diretora-executiva do CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China), Claudia
Trevisan.
O
governo brasileiro também acha possível atrair investimentos chineses em
infraestrutura. O país asiático tem colocado dinheiro no setor em diversos
lugares do mundo.
• Antes do embarque de Lula, China
suspende embargo à carne bovina brasileira
O
Ministério da Agricultura e Pecuária informou que o governo chinês decidiu
nesta quinta-feira (23) suspender o embargo à carne bovina brasileira. A
decisão, segundo a pasta, foi tomada após reunião entre o ministro Carlos Fávaro
e o ministro da Administração Geral da Aduana Chinesa, Yu Jianhua, em Pequim.
As
importações do Brasil estavam suspensas desde fevereiro, após a confirmação de
um caso classificado pelo governo brasileiro como “isolado e atípico” de
encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como mal da vaca louca. O registro
foi feito em uma pequena propriedade no município de Marabá (PA).
“Desde
a descoberta do caso, o Ministério da Agricultura e Pecuária vem trabalhando
com transparência e tomando todas as providências necessárias conforme
protocolo de importação internacional”, informou a pasta, por meio de
comunicado.
“Tenho
certeza que isso é um passo para que o Brasil avance cada vez mais com o
credenciamento de plantas e oportunidades para a pecuária brasileira”, avaliou
o ministro Carlos Fávaro, ao final do encontro, em Pequim.
• Quatro países retiram embargo à carne
brasileira após China
Mais
quatro países seguiram o exemplo da China e voltaram a permitir a importação de
carne bovina brasileira, informou o Ministério das Relações Exteriores nesta
quinta-feira, 23, à noite. O Itamaraty não relatou quais foram os países.
Apenas informou, em nota, que seis países continuam a bloquear o produto:
Bahrein, Cazaquistão, Catar, Irã, Rússia e Tailândia.
Após
um mês de embargo por causa de um caso de mal da vaca louca atípico (não
transmissível) no Pará, a China, principal comprador de carne bovina
brasileira, anunciou a reabertura das importações. O anúncio foi feito pelo
ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, que se reuniu nesta quinta
com o ministro da Administração Geral da Aduana Chinesa (GACC), Yu Jianhua.
Fávaro
chegou à China antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desembarca no
país asiático na segunda-feira (26) e passará uma semana em viagem oficial com
uma comitiva de ministros, parlamentares e empresários.
“O
Ministério das Relações Exteriores, por meio de sua rede de embaixadas, vem
atuando desde o anúncio do caso de EEB [encefalopatia espongiforme bovina] para
evitar fechamentos indevidos de mercados. Por meio de monitoramento ativo, o
MRE detectou riscos de fechamento em 15 países”, destacou a nota. “Em quatro
casos foi possível evitar o fechamento do mercado e em outros cinco, contando a
China, os mercados foram momentaneamente fechados, mas já reabertos. Os
esforços continuam com vistas à reabertura dos 6 mercados remanescentes –
Bahrein, Cazaquistão, Catar, Irã, Rússia e Tailândia”, completou o comunicado.
O
Itamaraty informou ainda que o governo brasileiro “recebeu com satisfação” a
notícia da reabertura da China à carne bovina brasileira. Segundo o comunicado,
o fim do bloqueio resultou de “intensas gestões diplomáticas”, seguidas da
visita do ministro Carlos Fávaro ao país asiático. Ele participa de reuniões
com autoridades chinesas, seminários e encontros com o setor produtivo antes da
chegada do presidente Lula.
>>
Sem casos transmissíveis
Essa
foi a segunda vez em um ano e meio que o Brasil interrompe a exportação de
carne bovina à China. De setembro a dezembro de 2021, o país asiático, maior
comprador de carne do Brasil, suspendeu as compras após dois casos atípicos, em
Minas Gerais e no Mato Grosso.
Até
hoje, o Brasil não registrou casos clássicos de vaca louca, provocado pela
ingestão de carnes e pedaços de ossos contaminados. Causado por um príon,
molécula de proteína sem código genético, o mal da vaca louca é uma doença
degenerativa também chamada de encefalite espongiforme bovina. As proteínas
modificadas consomem o cérebro do animal, tornando-o comparável a uma esponja.
Além
de bois e vacas, a doença acomete búfalos, ovelhas e cabras. A ingestão de
carne e de subprodutos dos animais contaminados com os príons provoca, nos
seres humanos, a encefalopatia espongiforme transmissível. No fim dos anos
1990, houve um surto de casos de mal da vaca louca em humanos na Grã-Bretanha,
que provocou a suspensão do consumo de carne bovina no país por vários meses.
Na ocasião, a doença foi transmitida aos seres humanos por meio de bois
alimentados com ração animal contaminada.
Fonte:
IstoÉ/FolhaPress/Poder 360/Agencia Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário