sábado, 25 de março de 2023

Lula atiça o fogo, tropeça nas chamas entre instituições, e vai pra China

Do ponto de vista literal, o título desse texto seria mais adequado às circunstâncias da fuga de Bolsonaro para os Estados Unidos. Quando, em vez de uma virada de mesa, conseguiu a unidade das instituições da República contra a  canhestra tentativa de um golpe de estado no domingo 8 de janeiro. Foi tudo o que Lula precisava para ter uma trégua e baixar a bola no acirrado conflito interno. Mas, surpreendentemente, ele vem optando pelo mesmo caminho de desatinos verborrágicos de Bolsonaro.

Na manhã dessa quinta-feira (23), com um boné da Marinha do Brasil, Lula surtou no Rio de Janeiro, durante visita ao Complexo Naval  de Itaguaí, e com ar de deboche, fez um inusitado ataque a Sérgio Moro que errou o alvo e acertou seu próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, e a Polícia Federal. Com uma risadinha cheia de fel, Lula levianamente afirmou:

— Eu acho que é mais uma armação de Moro. Quero ser cauteloso, é visível que é uma armação do Moro, mas eu vou pesquisar e vou saber porquê da sentença. Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar. Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Eu acho que é mais uma armação e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Aí eu não sei o que ele vai fazer da vida, se ele continuar mentindo do jeito que está mentindo.

Atropelou assim todo o esforço do governo e de líderes no Congresso para remediar sua pisada na bola ao revelar, em entrevista ao vivo no Brasil 247, seu desejo desde os tempos da cadeia de “foder” Sérgio Moro. Isso um dia antes de uma grande operação da Polícia Federal para evitar um atentado armado pelo PCC ao hoje senador Moro, à sua família, e a outras autoridades da linha de frente do combate a maior facção do crime organizado no Brasil.

Virou piada a mensagem do canal oficial do presidente Lula no Telegram. “Sem rancores e farpas. Aqui tem trabalho. A PF de Lula salva Moro e essa operação prova por A mais B que União e Reconstrução vai além disso”. Foi o menor estrago.

O maior, além de dar palanque a Moro e outros adversários, foi jogar por terra as entrevistas de Flávio Dino, da Polícia Federal e do ministro Alexandre Padilha e aos discursos dos líderes governistas no Senado em defesa da seriedade da operação, numa tentativa de minimizar o estrago da entrevista ao 247. Foi também um contraponto aos ataques bolsonaristas nas redes sociais, em que há tempos exploram a narrativa de ligações do PT com o PCC.

Em outro trecho da entrevista no complexo naval, Lula atiçou fogo em outra polêmica. Evidente que ele e outros defensores da queda da taxa de juros têm bons argumentos contra a teimosia do Banco Central em não reduzí-la enquanto o governo não mostrar cartas confiáveis no baralho do ajuste fiscal. Em novo desatino verbal, Lula, além de acusar o presidente do BC, Roberto Campos Neto, de não respeitar a lei da autonomia do banco, insinuou a cassação de seu mandato pelo Senado Federal. Mas uma hipótese para agradar petistas sem a menor chance de aprovação e que, na prática, favorece especuladores e só lhe causa desgaste.

No meio de toda essa confusão, a articulação do governo para conseguir uma base parlamentar com um mínimo de solidez, apesar de todas as concessões, parece empacada. Pior. Suas medidas provisórias que deram largada à formação do governo estão correndo sério risco por causa da queda de braço cada vez mais acirrada entre Rodrigo Pacheco e Arthur Lira sobre as regras pra sua tramitação, o que pode virar uma crise institucional.

Depois de acuar Bolsonaro e passar a mandar e desmandar em seu governo, Arthur Lira quer repetir a dose com Lula. O PT chegou ao governo dizendo que a prosa era outra. Negociou mal com Lira e agora não sabe como sair dessa armadilha.

No meio dessa encrenca, algumas provocadas por ele mesmo, Lula embarca com uma megacomitiva pra China, uma viagem que bem aproveitada, e sem declarações desastradas, pode render bons frutos para o Brasil. Mas todas as confusões que aqui deixou abriu uma janela de oportunidade para o fujão Bolsonaro, que já anunciou a volta ao Brasil para o dia 30 de março quando Lula ainda estará na China.

 

       Lula adota uma política de morde e assopra com os militares, irritando a caserna

 

Depois de um começo de mandato marcado por desconfianças, duras críticas e até acusações de golpismo, Lula tem praticado uma política de morde e assopra com os militares, o que tem irritado a caserna. Ao mesmo tempo em que o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para impedir a atuação dos fardados da ativa na política, troca afagos com a cúpula das Forças Armadas, tentando uma conciliação. A mudança, articulada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, parecia improvável, sobretudo após Lula pedir o endurecimento das punições aos integrantes das três forças que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro. Na ocasião, o presidente acusou parte dos militares de serem condescendentes com as invasões ocorridas nas sedes dos Três Poderes e substituiu o Comandante do Exército. Demitiu o general Júlio César de Arruda e colocou no seu lugar o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Agora, Lula diz querer uma convivência pacífica. Participa de encontros com oficiais, promete liberar recursos para projetos de interesse da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e agenda idas a solenidades da caserna, como formaturas.

Na quarta-feira 15, o presidente Lula deu início à série de encontros com as cúpulas das Forças. Acompanhado do ministro José Múcio, almoçou no comando da Marinha. Ficou lá por cerca de três horas. No cardápio, ouviu pedidos do almirantado por recursos e apoio para projetos estratégicos, a exemplo do Programa Nuclear da Marinha (PNM) e do Programa de Submarinos (PROSUB). Lula, em tom informal, demonstrou disposição em atendê-los. O presidente escalou, inclusive, o vice-presidente Geraldo Alckmin para conversar com os chefes de cada Força e o do Estado-Maior, para elencar suas prioridades.

Se Lula afagou a Marinha de um lado, a força retribuiu de outro. Demonstrou esforços em despolitizar seus quadros. Por meio do Boletim de Ordens e Notícias, deu um prazo de 90 dias para que todos os seus integrantes se desfiliem de partidos políticos sob pena de sofrerem sanções, como a expulsão da corporação. Na prática, a Marinha cobra dos seus membros respeito à lei, que já veda a filiação de militares da ativa a agremiações políticas. E, a depender das cúpulas da Marinha, da Aeronáutica e do Exército, a legislação ficará ainda mais restritiva. Os comandos das três Armas já demonstraram concordar com a PEC desenhada pelo Ministério da Defesa com o intuito de restringir a participação de militares da ativa em postos-chave da administração pública ou de concorrem a cargos eletivos. O texto, se aprovado pelo Congresso, tornará obrigatório que integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica abandonem a farda de vez caso ocupem um ministério ou concorram a cargos eleitorais, independente do resultado. Aqueles que tiverem alcançado o tempo necessário para aposentadoria migrarão para a reserva, e os demais terão de procurar outras carreiras. Para Igor Acácio, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia e pesquisador da Universidade Tulane, em Nova Orleans, a mudança representaria um avanço institucional. Atualmente, a legislação em vigor permite que os militares se licenciem para disputar pleitos ou ocupar funções no governo e depois regressem aos postos. “Isso é um problema. Ao saírem desses cargos ou perderem as disputas, eles voltam, o que gera um risco de contaminação nos quartéis”, analisa.

 “Todos eles têm o direito de se candidatarem ou, se convidados, ocuparem ministérios, desde que não retornem às funções militares. Caso contrário, corremos o risco de ter uma mistura perigosa entre política e Forças Armadas, similar à ocorrida na gestão Bolsonaro”, complementa Acácio. Segundo levantamento do Tribunal e Contas da União (TCU), o número de militares da reserva e da ativa em cargos civis da máquina federal disparou durante o governo Bolsonaro. Chegou a mais de seis mil e incluía ministros então na ativa. Era o caso do general e agora deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ). A proposta do Ministério da Defesa é mais conservadora do que a defendida por parte da bancada do PT. Parlamentares da sigla querem que as alterações coloquem fim também nas iniciativas de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em que militares são acionados para preservar a ordem pública. Mas, mesmo mais branda, a iniciativa do governo é criticada por setores da oposição. General aposentado e ex-vice-presidente, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), chegou a declarar à imprensa que as mudanças fariam dos militares “cidadãos de segunda categoria”, sem os mesmos direitos dos demais.

 

       General Heleno operou contra agentes da PF no acampamento golpista

 

A presença de agentes do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), órgão de inteligência com status de ministério, no criminoso acampamento golpista instalado na porta do Quartel-General do Exército em Brasília, de onde saíram os terroristas bolsonaristas que atacaram a capital federal em várias oportunidades desde a derrota de seu líder de extrema direita nas eleições de outubro, não era exatamente uma novidade para outras autoridades. O Serviço de Contrainteligência da Polícia Federal (PF) já monitorava os arapongas agitadores chefiados pelo general Augusto Heleno desde novembro de 2022. Esse setor da PF atua na prevenção, identificação e neutralização de ações promovidas por grupos ou organizações que ameacem a segurança do Estado e da sociedade brasileira.

Quem faz essa afirmação e muitas outras, como a de que os federais pediram a colaboração do GSI “ingenuamente” para monitorar extremistas, mas acabaram sendo prejudicados e delatados por esses militares em meio ao furdunço instalado na área do QG, é o servidor da Polícia Federal então lotado na Presidência da República que, desde 13 de dezembro do ano passado, vem repassando com exclusividade à Fórum os detalhes do envolvimento do órgão de espionagem, e do próprio governo Bolsonaro, nas tentativas de golpe de Estado para evitar a posse do presidente àquela altura eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que culminaram com a invasão da sede dos três poderes no dia 8 de janeiro.

Numa entrevista exclusiva, o servidor da PF que naquele período histórico estava lotado no núcleo central do poder político nacional explica como foi que os agentes de inteligência comandados pelo general Heleno foram notados no meio da baderna generalizada protagonizada por lunáticos que se aglomeravam em barracas numa área militar do Exército brasileiro, que nada fez para removê-los de lá.

O funcionário federal da área de segurança falou também sobre como repercutiram as primeiras informações levadas a público por ele, após a selvageria da noite de 12 de dezembro de 2022, dando conta do envolvimento do GSI e de agentes do Estado nas agitações que visavam romper com a ordem democrática no país, assim como sobre as suas percepções de como os inquéritos devem caminhar na Justiça. Ele aposta que da parte dos militares já está em curso uma “operação” para se safarem de responsabilizações.

LEIA A ENTREVISTA:

•        Quando os agentes do GSI foram notados atuando dentro do QG do Exército junto com os bolsonaristas?

Servidor da PF – O que ocorreu, na realidade, é que o pessoal da Contrainteligência da PF já monitorava o acampamento e já sabia do envolvimento dos militares diretamente, isso pelo menos desde meados de novembro do ano passado, quase um mês antes do primeiro ataque, o do dia 12 (de dezembro).

•        E como eles foram notados? De que forma perceberam inicialmente que esses homens e mulheres sob o comando do general Augusto Heleno estavam operando lá dentro, para causar instabilidades?

Servidor da PF – Esses agentes da Contrainteligência estavam lá pra levantar e plotar os caras que já estavam sendo investigados pelo STF, pra dar o caminho pra PF entrar lá e fazer algumas prisões e tal, o que até ocorreu... O que rolou foi que a Contrainteligência (da PF), no intuito de trabalhar em conjunto com outros órgãos de inteligência, pediu apoio do GSI e recebeu o contrário... Os caras (do GSI) começaram a sacanear e entregar os agentes da Contrainteligência da PF que monitoravam o acampamento... Começaram a delatar mesmo, pros bolsonaristas acampados... E começaram a colocar dificuldade no trabalho... Foi aí que a ficha começou a cair e eles (agentes de Contrainteligência da PF) passaram a perceber que existia algo muito esquisito acontecendo lá.

•        E como isso repercutiu dentro da própria PF?

Servidor da PF – A PF toda tá puta com eles... Todo mundo, sem exceção.

•        E sobre essas informações que já tinham sido reveladas por você à Fórum e que agora estão surgindo como “inéditas” por meio de vazamentos de inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal? Onde esse jogo de “mostra e esconde”, por parte de alguns atores públicos, como militares e políticos, e até por parte da imprensa, que simplesmente não repercutiu a série de reportagens da Fórum, quer chegar?

Servidor da PF – Alguém vem vazando esses depoimentos, como aconteceu no caso do UOL, e com esse negócio de fonte ‘inédita’, e isso me faz perceber que vai ter um ‘acordão’ aí talvez, porque mesmo sabendo que vocês (Fórum) já tinham feito essa publicação, que deram até o ‘exclusivo’ desde o ano passado, é claro que o resto da imprensa sabia disso e que os militares sabiam disso, claro que o STF sabia (da participação do GSI na tentativa de golpe)... Todo mundo lê e todo mundo leu a Fórum nesse meio... A Fórum era lida o tempo todo lá na Presidência no governo Bolsonaro, tanto é que teve aquele afastamento do professor universitário (requisitado pela Presidência e que ficava no acampamento, denunciado com exclusividade pela Fórum) e várias outras situações que foram reveladas por vocês naquele período lá... Aquela nota do Heleno deixa mais do que claro que todo mundo lá lê e lia o que estava saindo, e é claro que eles sabiam do que estava acontecendo e que estavam sendo monitorados.

•        Mas então, qual o motivo para essa “surpresa” agora?

Servidor da PF – As declarações do (coronel (Jorge Eduardo Naime, da PM-DF) agora, na CPI aqui do DF, corroboraram exatamente isso... Que existia todo um preparo, uma ação, para aquele ato do dia 12... Não especificamente do dia 12, acabou acontecendo dia 12, foi o momento que eles acharam, né, e aí eles usaram aquela justificativa idiota lá da prisão do cacique, que ninguém nem sabe quem é, nem lembra do nome dele... E então pode ser que esteja vindo um ‘acordão’ aí, como eu disse... Porque sai na grande mídia e aí sabe como é... Primeiro foi a Camila Bomfim (repórter do g1 e da GloboNews) com aquele ‘furo’, bem entre aspas mesmo, né, depois o UOL e a Folha... E eles (imprensa) estão jogando, estão testando, pra saber qual que é a repercussão, porque eles já sabiam, vocês (Fórum) já tinham dado isso... Eles querem saber qual será a resposta e a postura dos militares em relação a isso... Eu tenho certeza que o pessoal da Inteligência da PF já tem tudo isso monitorado (as matérias publicadas e as reações dos militares). Eles seguem monitorando desde lá de trás.

•        Essas informações prestadas agora na CPI têm, então, um grande peso para os inquéritos que estão no STF sobre os ataques?

Servidor da PF – Aquilo, por exemplo, que o coronel (Jorge Eduardo Naime, da PM-DF) relatou lá, na CPI, de ter tráfico, prostituição, aquela coisa toda lá, os caras (da PF) já sabiam... Agora, tem que acompanhar a CPI pra que soltem mais coisas, principalmente sobre o que se passava no dia a dia lá (no acampamento e nos atos terroristas), mas é certeza que a PF mantém informação disso tudo aí... Precisa ver também o que o (general Augusto) Heleno vai falar, até porque ele foi convocado pra CPI aqui do DF... Ele deve ter o que falar lá... Enfim, todos esses inquéritos estão sendo enviados pro STF, pro (ministro Alexandre de) Moraes, e é provável que ele lá esteja vendo e selecionando... O Moraes vem da época do Temer, dos militares... Foi indicado pelo Temer... Na época (da presidência do STF) do Toffoli teve lá também um assessor de segurança (do STF), que foi o (general Fernando) Azevedo e Silva, enfim... O pessoal sabe como agir com esses generais.

•        Poderia estar em curso uma “operação abafa”, uma espécie de nova anistia a esses militares? Você pensa que pela forma como a coisa vem sendo conduzida, sobretudo em relação aos militares do GSI, mas também aos outros militares envolvidos, a coisa pode parar por aí, no que diz respeito a punições?

Servidor da PF – Veja... Isso é a própria operação política dos militares, que estão atuando abertamente na política, fazendo política... É quase um partido... Até ‘off’ de general a Folha (de S.Paulo) dá todo dia, e sempre lançando notas... Como foi na Lei de Anistia, eles vão querer uma semelhante agora no pós-8 de janeiro.

 

Fonte: Por Andrei Meireles, em Os Divergentes/IstoÉ/Fórum 

 

Nenhum comentário: