domingo, 26 de março de 2023

MORO MENTIU MUITO PARA FATURAR COM AS AMEAÇAS DO PCC

EM JANEIRO DESTE ANO, o ministro da Justiça Flávio Dino coordenou a transferência de Marcola do presídio federal de Rondônia para o presídio federal de Brasília. O motivo foi a descoberta de um plano do PCC para resgatar Marcola, o seu principal líder. A Polícia Federal foi acionada pelo Ministério Público de São Paulo, que descobriu os planos da facção após monitorar suas ações durante anos. Com a transferência de Marcola para Brasília, o plano foi por água abaixo. A facção, então, se preparou para o plano B: sequestrar e matar autoridades públicas para forçar a libertação ou pelo menos a transferência do seu líder para São Paulo. Entre os alvos estavam o senador Sérgio Moro e o promotor Lincoln Gakiya, o homem que lidera as investigações do Ministério Público contra o PCC. 

Esses são os fatos. Agora vamos às mentiras, à politicagem barata e ao show de demagogia do bolsonarismo. Logo que saiu a notícia de que Moro seria um alvo do PCC, a grande imprensa quase que de maneira unânime afirmou que, quando ministro da Justiça, “Moro foi o responsável pela transferência para penitenciárias federais de líderes da facção criminosa” — essas aspas são da CNN Brasil. Trata-se de uma mentira descarada e bastante utilizada durante as últimas eleições por Bolsonaro e Moro. À época, o bolsonarismo tentou de toda maneira associar Lula e o PT à Marcola e ao PCC. Embriagado pelo vale-tudo da campanha, Moro espalhou a mentira:

Moro voltou agora a espalhar a mesma mentira sem o menor pudor e conta com o suporte de boa parte da grande imprensa. Quem pediu a transferência foi o promotor Lincoln Gakiya, que virou o principal alvo dos criminosos. Segundo o próprio Gakiya, Moro entrou na mira do PCC porque baixou uma portaria proibindo visitas íntimas aos presos no sistema penitenciário federal quando foi ministro da Justiça. Moro poderia faturar politicamente com o episódio falando apenas a verdade, mas a sua megalomania não deixou. Uma proibição de visita íntima não é tão grandiosa e midiática quanto uma transferência de presos para presídio de segurança máxima. 

Mas, convenhamos, não dá pra se esperar nada além disso de um moralista sem moral. Estamos falando de um sujeito que rugiu como um leão quando se demitiu do governo fazendo graves acusações contra o presidente e, pouco tempo depois, voltou miando como um gatinho para debaixo das calças de Bolsonaro para apoiar a tentativa de reeleição deste e garantir sua vaga no Senado. O oportunismo e a demagogia barata são as principais marcas da carreira política de Moro — uma carreira que teve início dentro dos tribunais da Lava Jato.  

O plano do PCC contra autoridades públicas fez com que o bolsonarismo ressuscitasse as velhas mentiras associando Lula e o PT ao crime organizado. Jair Bolsonaro reviveu em suas redes sociais as teoria conspiratórias envolvendo o assassinato de Celso Daniel e a facada de Adélio Bispo. Seu filho, Flávio Bolsonaro, lembrou da recente visita de Flávio Dino ao Complexo da Maré no Rio de Janeiro e sugeriu que Lula e o governo estão associados ao crime organizado. Deltan Dallagnol talvez tenha sido o bolsonarista que ficou mais ouriçado com o caso. Ele, que também iniciou sua carreira política usando os tribunais lava-jatistas, passou a fazer insinuações ardilosas sobre uma possível ligação do governo Lula com o plano do PCC em sequestrar Moro. 

Moro e Dallagnol, que hoje formam o braço lavajatista do bolsonarismo no parlamento, fingem esquecer que quem tem fortes ligações com o crime organizado é a família Bolsonaro. Essa não é uma suposição ou uma forçação de barra. Essas conexões já foram fartamente comprovadas. Flávio Bolsonaro empregou familiares do chefe  de milícia em seu gabinete. Ele e seu pai fizeram diversas declarações públicas em defesa de milicianos e chegaram até prestar homenagens a um chefe de milícia. A liberação maciça de armas feita durante o governo Bolsonaro foi responsável por facilitar ainda mais o acesso do PCC às armas. Em 2019, o MPF enviou uma nota técnica ao governo Bolsonaro afirmando que os decretos de liberação de armas facilitariam o desvio de armas para o crime organizado. Graças ao governo Bolsonaro, a “cesta básica do crime” – formada por fuzis, carabinas e pistolas – ficou até 65% mais barata. Moro era ministro da Justiça e nada fez.

Lula errou feio ao sugerir que o plano do PCC poderia ser “mais uma armação do Moro”. Mesmo se isso for verdade — nada indica que seja — um presidente da República não deve fazer esse tipo de ilação sem apresentar provas. A fala atabalhoada mostra que a comunicação é o calcanhar de aquiles do governo atual. Em tempos de fascismo e redes sociais, não se pode levantar uma bola açucarada dessa pros adversários. Moro e os bolsonaristas se indignaram, posaram de vítimas e faturaram politicamente em cima da fala infeliz. O governo precisa resolver esse problema de comunicação ou continuará tomando bola nas costas. O governo do PT tinha tudo pra ganhar politicamente com o caso, mas a fala de Lula virou alimento para a hipocrisia do bolsonarismo. Lula poderia enaltecer a independência da Polícia Federal e ressaltar que o seu governo não interfere em investigações, diferente do governo Bolsonaro do qual Sérgio Moro fez parte. 

Lula poderia lembrar que ele próprio foi alvo do crime organizado quando foi presidente. Em 2008, uma investigação da Polícia Federal descobriu um plano de Fernandinho Beira-Mar para sequestrar um dos seus filhos. O objetivo era conseguir a sua soltura e a de Marcola, chefe do PCC. Outro registro importante: foi durante  os governos do PT que se construíram todos os presídios federais de segurança máxima — que hoje representam o maior pesadelo do crime organizado. No caso envolvendo Moro, o atual governo Lula tem atuado de maneira exemplar. A Operação Sequaz da Polícia Federal cumpriu 24 mandados de busca e apreensão e prendeu 9 criminosos envolvidos no caso. Ou seja, os bandidos que queriam matar Moro foram presos por um órgão subordinado ao ministério da Justiça do governo petista. A PF atuou com a mesma independência que atuou nos governos anteriores do PT. Quem diz isso sobre os governos petistas não sou eu, mas — vejam só! — um ex-procurador da Lava Jato. Em 2016, Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou: “um ponto positivo que os governos que estão sendo investigados, os governos do PT, têm a seu favor é que boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade administrativa, técnica e operacional da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político”. 

As ações da PF do governo atual contra o PCC mostram que essa independência continua de pé. Isso não acontecia no governo Bolsonaro, como atestou o próprio Sérgio Moro à época de sua demissão. Ligar o governo, Lula e o PT ao crime organizado é, portanto, mais uma mentira escabrosa servida nas mamadeiras de piroca do bolsonarismo. Quem senta à mesa com o crime organizado é o bolsonarismo.

 

Ø  Documento que mostra suposta doação do PCC ao The Intercept foi adulterado digitalmente, revela análise

 

A guerra de narrativas em torno da operação da Polícia Federal contra membros do Primeiro Comando da Capital, o PCC, que planejavam ataques a autoridades e levou Sergio Moro ao centro de um novo embate com o presidente Lula ganha contornos cada vez mais misteriosos - e que pesam na hipótese de armação, levantada pelo mandatário na última terça-feira (21).

Além de atacar a hipótese de Lula, setores da mídia alinhada à Lava Jato, que aderiram ferrenhamente ao bolsonarismo, divulgaram um suposto documento nesta sexta-feira (24) que mostraria uma doação do PCC ao The Intercept Brasil.

O site The Intercept Brasil foi o veículo responsável pela Vaza Jato, que expôs, por meio de mensagens de Telegram, o conluio e as armações de procuradores da Lava Jato, do ex-juiz Sergio Moro e de jornalistas cooptados para levar adiante o lawfare que resultou na prisão de Lula - e mais adiante na eleição de Jair Bolsonaro (PL), que alçou o ex-juiz ao cargo de "super ministro" da Justiça.

Coube a Marc Sousa, âncora da TV Record e jornalista da Jovem Pan em Curitiba divulgar o suposto documento que, segundo ele, "indicam pagamentos do Primeiro Comando da Capital, PCC, ao The Intercept Brasil” em seu blog, 8h30 desta sexta, horas antes de entrevistar Moro em seu programa na Record.

A informação foi reverberada por veículos criados na esteira do gabinete do ódio, como a revista Oeste, que tem em seu conselho editorial nomes como Augusto Nunes e como "repórter especial" Silvio Navarro, que atuaram por anos na Jovem Pan.

A acusação foi refutada pelo The Intercept Brasil que em nota assinada pelo presidente, Andrew Fishman, negou o recebimento de dinheiro da facção e expôs o "jogo sujo" da mídia lavajatista.

O documento foi analisado pela equipe de Mario Gazziro, professor de computação forense da Universidade Federal do ABC e no MBA na USP, que comprovou que há 95% de chances de que houve adulteração digital.

"Resolvemos fazer a análise digital da imagem apresentada pelo site e encontramos grave indício de manipulação digital pela técnica ELA (error level analysis), usando o software forense chamado Sherloq (disponível no github)", disse Gazziro à Fórum.

Segundo ele, a análise mostra pelo menos 3 linhas adulteradas "e não me refiro apenas ao contorno em vermelho adicionado à edição, pois o padrão azul indica que o conteúdo dentro dessas linhas não é compatível com o padrão de artefatos de compressão do resto da imagem, demonstrando claramente (e com validade em tribunal) que esse conteúdo foi substituído ou editado".

Entre as linhas que apresentam adulterações, está justamente a que mostra a suposta doação ao The Intercept Brasil.

"As regiões em azul foram destacadas após aplicação de um filtro conhecido como analise ELA a 95% que destaca regiões as quais não seguem o mesmo padrão de artefatos de compressão do restante do documento, provando que aqueles trechos sofreram adulteração digital", afirma o especialista em relação às imagens abaixo, submetidas ao software usado pela justiça para detectar fraudes digitais.

Segundo Gazziro, a análise foi enviada a outros especialistas, que concordaram que "a imagem postada foi adulterada digitalmente".

"Que houve edição, houve. A impressão que se tem é que havia um texto por trás maior e foi substituído. As linhas Projeto M Parte I e Parte II e The Intercept tinham coisas escritas mais pra frente que foram apagadas. Isso dá pra gente ver também, pelos artefatos. Aquele texto com certeza foi adulterado. Agora nos resta saber o motivo", disse o professor da USP.

 

Ø  Delegado que ligou PCC a suposto plano de ataque a Moro é o mesmo do caso Adélio. Por Joaquim de Carvalho

 

O relatório da Polícia Federal liberado pela juíza Gabriela Hardt sobre a operação Sequaz chama a atenção por dois aspectos: a inconsistência narrativa e o nome de quem o assina, Martin Bottaro Purper, que é o delegado que assumiu o caso de Adélio Bispo de Oliveira no ano passado, depois que o policial que vinha presidindo o inquérito, Rodrigo Morais, foi transferido para um posto no exterior.

Na época em que Bottaro Purper assumiu a investigação, o que se disse sobre ele é que é especialista em PCC, o que despertava a suspeita de que Jair Bolsonaro tentava ligar o caso de Juiz de Fora à organização criminosa. 

Na mesma época, a rede social era repleta de fake news que tentavam associar Lula a quadrilhas de traficantes, como o vídeo em que um líder comunitário negro da Bahia eracumprimentado por Lula durante a campanha, como se a cena tivesse sido no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

Durante a campanha, Purper Bottaro tentou colher depoimento de Adélio, o que poderia ser usado como peça de campanha. Mas a Justiça Federal em Campo Grande não autorizou o depoimento. O inquérito sobre Adélio e Bolsonaro segue aberto na Polícia Federal.

Mesmo assim, Purper Bottaro assinou de Cascavel, no Paraná, o relatório que embasou a decretação das prisões de personagens supostamente envolvidos em uma trama contra Sergio Moro.

Nas 83 páginas do relatório, o fato que poderia ligar os criminosos a essa suposta trama é um print de tela de celular em que o homem apresentado como líder da quadrilha transmite à mulher um código de mensagens.

"Vou te mandar umas msg q são códigos p eu não esquece e e ter aí qundo chegar então não apaga e importante o mim ok amor. Só para deixar aí no seu telefone (sic)", escreve no WhatsApp Janeferson Aparecido Mariano Gomes, que seria conhecido como Nefo. "Tabom amor" (sic), responde Aline de Lima Paixão.

Em seguida, ele passa os códigos: "Ms - México/ Moro - tokio/ Sequestro - Flamengo/ Ação - Fluminense.

Segundo o promotor Lincoln Gakiya, o líder do PCC Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, teria liberado R$ 60 milhões para a execução de um plano A, que era o seu resgate do presídio federal de Brasília, ou um plano B, que seria o ataque a Moro.

É crível que, com tanto dinheiro, o coordenador mobilizado pelo PCC fosse um amador completo a ponto de registrar na rede mundial de computadores códigos tão importantes para eles?

Há também a imagem de um caderno que teria sido transmitida por outra mulher que manteria relacionamento amoroso com Nefo. Aline Ardnt Ferri teria enviado informações sobre Moro, Rosângela, a filha e do filho dos dois. Não há nada de extraordinário nas anotações.

São dados que podem ser obtidos na internet, como CNPJ de Rosângela, o endereço da empresa e os bens declarados por Moro. Consta ainda o nome da faculdade onde o filho estuda.

Das 83 páginas do relatório, o delegado dedica nove para transcrever uma conversa interceptada, em que Aline de Lima Paixão conversa com o telemarketing de uma provedora de internet, para tentar contratar um serviço. Não consegue, porque o CPF informado não teve cadastro aprovado.

A justificativa para a transcrição da conversa é demonstrar que Aline usava nome de terceiro, para instalar internet na própria casa, em um condomínio. A ausência de transcrições detalhadas de outras conversas pode revelar que não há nada de mais relevante na investigação.

Há referência também de moradias locadas por eles. Uma delas no edifício Bellagio, Jardim Botânico, Curitiba, de onde saíram "por causarem transtornos" e "por não pagarem os valores devidos". É muito amadorismo.

Também merece registro imagem da página 10 do relatório do delegado Bottaro Purper. É de um texto sem assinatura, em que um autor não identificado relaciona 22 ações realizadas. O nome do site The Intercept Brasil é o item 17. Não há identificação de valores nem de serviços. No final da página, o que aparece é o local onde o texto teria sido escrito, além da data: "Santos, 24/08/2022".

Essa referência serviu de base para reportagem da Jovem Pan, que tenta ligar o Intercept ao PCC. A emissora, conhecida pelos vínculos com a extrema direita, deixou de publicar a resposta do site num primeiro momento. 

Horas depois da reportagem ter sido exibida e, portanto, com a possibilidade de compartilhamento, é que a emissora acrescentou a posição do site, que refuta categoricamente a insinuação.

"Como era de se esperar, a nota foi ao ar. E nela sequer havia o posicionamento do Intercept, enviado 40 minutos antes da publicação do texto e dentro do prazo exigido pelo jornalista. O autor afirma que procurou o Intercept e 'não teve resposta'. É uma mentira intencional ou uma falha grosseira dos padrões jornalísticos, se não ambos", disse o Intercept.

O Intercept não fala, mas a inclusão de seu nome no caso, por meio de um texto apócrifo, aumenta a suspeita de que o plano de ataque do PCC a Moro é uma perigosa armação, que junta elementos para construir a narrativa que coloque o ex-juiz como vítima.

Todos sabem que Moro foi desmoralizado a partir da publicação de mensagens acessadas pelo hacker Walter Delgatti nos arquivos da conta de Deltan Dallagnol no Telegram.

E quem publicou as mensagens foi o intercept.

Coincidência o nome do site aparecer no papel apócrifo? Coincidência a juíza que autorizou as prisões a partir de um relatório inconsistente ser uma notória aliada de Moro? Coincidência o delegado que fez o relatório sobre Moro ser o mesmo que preside o inquérito sobre Adélio?

Nesta sexta-feira, num debate na CNN sobre o caso Moro, o pastor-deputado Marcos Feliciano fez declarações que podem indicar uma narrativa em construção. 

Em três ocasiões, de forma muito grave, disse que Lula está ligado ao PCC e que existe o risco de o estado brasileiro se tornar um narcoestado.

Mentiras grosseiras, mas que, se não forem rebatidas devidamente, podem se espalhar. Só falta incluírem o Adélio Bispo de Oliveira e o caso de Juiz de Fora na trama. 

O delegado Bottaro Purper, o mesmo do caso Moro, teria sido colocado no inquérito justamente para cumprir uma missão que agradaria a Bolsonaro. Por suas declarações, parece ser esta a expectativa dele, a de ligar Adélio ao PCC e este a Lula. Nunca é demais lembrar que, tão logo a notícia do suposto plano de ataque a Moro vir à tona, Bolsonaro escreveu no Twitter:

"Em 2002 Celso Daniel, em 2018 Jair Bolsonaro e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda. Nossa solidariedade a Sérgio Moro, Lincoln Gakiya e famíliares. A CPMI assombra os inimigos da democracia."

A serpente do fascismo ainda se movimenta, e talvez tente dar agora seu bote mais perigoso.

 

Fonte: Por João Filho, no The Intercept/Fórum/Brasil 247

 

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