Militares se recusam a corrigir 46 pistas de pouso que ajudariam no socorro aos Yanomami
Um ofício do
Ministério da Defesa obtido
pela Agência Pública via
Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra como o órgão se recusou a atender um
pedido urgente feito pela presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos
Indígenas), Joênia Wapichana, que poderia agilizar o socorro de emergência e a
distribuição de alimentos aos indígenas Yanomami em Roraima.
O
MD argumentou que o pedido deveria ser direcionado a outro órgão do governo, a
Secretaria Nacional de Aviação Civil, que é vinculado a outro ministério, o de
Portos e Aeroportos. Em resumo, disse que é um assunto civil, não militar. De
uma lista prioritária de 50 pistas, aceitou discutir reformas em apenas quatro,
que estão vinculadas a instalações militares.
Em
6 de fevereiro, também por ofício, a presidente da
Funai havia solicitado o apoio do Ministério da Defesa para a manutenção e a
reforma de 50 pistas de pouso dentro do território Yanomami “em caráter
emergencial”, medidas que são “necessárias para a realização das ações de
saúde, segurança e infraestrutura, e em caráter emergencial, o combate à
desnutrição e à malária, que tanto assola aquele povo”. A Funai também havia
pedido que o MD encaminhasse um plano de trabalho “com cronograma detalhado”
das reformas para que pudesse “acompanhar as ações com equipe em campo, o mais
brevemente possível, considerando a urgência do pleito”.
Conforme
um relatório apresentado por Joênia ao MD e produzido pela empresa de táxi
aéreo que presta serviços à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a
Voare Ltda., das 50 pistas listadas como prioritárias, 31 têm “cabeceiras
comprometidas por obstáculos”, 26 têm seu cumprimento “comprometido por avanço
da vegetação”, 33 têm a pavimentação “comprometida pela presença de vegetação
rasteira densa”, 17 têm “pavimentação comprometida pelo acúmulo de água”, entre
outros problemas (os números somados excedem a 50 porque há pistas com mais de
um defeito ao mesmo tempo).
Assim,
muitas das ações que a Funai pediu ao Ministério da Defesa são consideradas por
indigenistas de baixa dificuldade de execução. Em muitos casos, seria apenas
retirar o mato rasteiro das pistas e podar árvores nas proximidades. Em outras
pistas é necessária a instalação de sinalização para evitar acidentes,
inclusive com a população indígena. A melhoria dessas pistas permitiria,
segundo a Funai, o acesso mais rápido das equipes de saúde às aldeias, em um
vasto território no qual o transporte aéreo é fundamental para reduzir as
mortes dos Yanomami consideradas evitáveis, como desnutrição, malária,
pneumonia e doenças diarreicas.
De
acordo com o relatório apresentado pela Funai, a vegetação alta nas cabeceiras
de várias dessas pistas “compromete os procedimentos de pouso e decolagem”. Nas
laterais, “dificulta os procedimentos de manobras durante a corrida da aeronave
nas pistas, agravando o perigo em condições de emergências de pouso ou
decolagem”. Os buracos e valas, que acumulam água em períodos chuvosos (a
temporada das chuvas está começando na terra Yanomami), levam a uma “redução
significativa das margens de segurança, uma redução na habilidade do operador
em responder às condições operacionais adversas”.
“Todas
as condições observadas neste relatório podem contribuir para ocorrências que
coloquem a vida dos tripulantes, equipe médica e a dos próprios indígenas em
risco. Ainda, que compromete todo o atendimento à comunidade indígena”, diz o
documento assinado pelo diretor de segurança operacional da Voare.
O
pedido em caráter urgente foi dirigido pela Funai ao MD em 6 de fevereiro, uma
semana depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto
sobre a emergência Yanomami. Os militares do MD levaram 20 dias para responder
por escrito. Em ofício do último dia 26, o comandante do Estado-Maior Conjunto
das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, o almirante de esquadra
Renato Rodrigues de Aguiar Freire, primeiro disse que “foram realizadas duas
reuniões, nos dias 14 e 15 de fevereiro” sobre o assunto. Os encontros teriam
sido “coordenados” pela Casa Civil da Presidência da República com a presença
de representantes do MD e “integrantes do Estado-Maior do Exército e do
Estado-Maior da Aeronáutica”.
O
almirante qualificou o pedido urgente da presidente da Funai de “consulta”. Sobre
a “consulta”, disse o almirante, “cabe mencionar que a Secretaria Nacional de
Aviação Civil (SAC) é responsável por propor ao Ministério de Portos e
Aeroportos (MPA) a celebração de instrumentos de cooperação técnica e de
investimentos que envolvem o setor de aviação civil e de infraestruturas
aeroportuária e aeronáutica civil”.
“Neste
contexto”, escreveu o comandante do Estado-Maior, “aquela Secretaria [SAC]
possui contratos firmados com diversos órgãos e empresas, inclusive, no caso da
Região Amazônica, também com a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica
(COMARA), órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica, cuja missão compreende a
manutenção das pistas de pouso de interesse daquele Comando, visando contribuir
para a soberania nacional e o progresso do país. No tocante aos contratos
atualmente firmados com a COMARA, cabe salientar que equivalem à plena
capacidade daquela Comissão nos próximos dois anos”.
Ou
seja, o representante do Ministério da Defesa argumentou que o Comara não tem
condições de fazer novos contratos pelo menos até 2025. O almirante encerrou o
ofício dizendo que “faz-se necessário, por parte da Funai, realizar gestões
junto à SAC” para atender apenas quatro pistas, Surucucu, Auaris, Palimiú e
Missão Catrimani, isto é, apenas as quatro pistas que estão ligadas a
instalações militares. Em duas delas, Surucucu e Auaris, as obras estariam
encerradas, segundo os militares.
A Pública apurou que, depois do
mal-estar causado entre indigenistas por essa resposta, houve uma nova reunião
entre representantes do MD, da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas. Nesse
encontro, os militares teriam então apresentado um cálculo do suposto custo
total das obras solicitadas pela Funai, indicando que não caberia a ele, MD,
pagar pelas reformas. Tal cálculo, porém, não aparece em nenhum trecho do
processo administrativo que trata do assunto e que tramita na administração
pública federal – a Pública teve
acesso na íntegra ao documento de 66 páginas e seus anexos. De qualquer forma,
o valor apresentado foi considerado irreal e impossível de ser atendido, na
casa das dezenas de milhões de reais, o que também inviabilizou qualquer avanço
nas conversas. Foi entendido como um número apresentado para nunca ser
atendido, o que “eximiria” o MD de responsabilidade na solução do problema.
Procurado
nesta quinta-feira (9), o MD não havia se manifestado até o fechamento deste
texto. Entre outros pontos, a Pública indagou
se o ministro José Múcio e o almirante Freire não temem também se tornar alvos
da investigação já solicitada ao Tribunal Penal Internacional contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro a propósito do genocídio dos Yanomami em Roraima.
Em
janeiro, quatro organizações não governamentais da área da saúde – Abrasco,
Cebes, Rede Unida e SBB – apresentaram ao procurador-chefe do TPI, Karim Khan,
uma representação criminal contra Bolsonaro. Na representação, ainda sob
análise na Procuradoria, as entidades mencionam que “a omissão” de Bolsonaro,
após “ter sido notificado por diversas entidades e órgãos oficiais” a respeito
da grave situação vivida pelos Yanomami, “é conduta suficiente para a sua
responsabilização criminal”. Em 2021, em outra denúncia sob análise no TPI, a
APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) já havia atribuído a Bolsonaro
a responsabilidade pela prática dos crimes de genocídio e contra a humanidade
por extermínio, perseguição e outros atos desumanos contra os povos indígenas
do Brasil.
A Pública também indagou ao MD
porque ele não adota uma postura “pró-ativa, positiva, cooperativa, a fim providenciar
obras que são essenciais para a sobrevivência do povo indígena Yanomami”.
Indagou se o MD “não tem Orçamento próprio para isso”. De acordo com a previsão
para 2023, o Orçamento de investimentos da Defesa prevê R$ 10,8 bilhões. Caso o
MD se manifeste, este texto será atualizado.
Ø
Ibama
e PRF desmontam mais de 190 acampamentos na TI Yanomami
Agentes
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) desmontaram mais de 190 acampamentos
instalados por garimpeiros que atuam ilegalmente no interior da Terra Indígena
Yanomami.
A
ação faz parte da Operação Omawe, deflagrada na primeira quinzena de fevereiro.
Batizada com o nome de um herói ancestral yanomami, a ação conjunta visa retirar
todos os não índios da reserva de usufruto exclusivo da etnia.
Os
fiscais ambientais e os policiais rodoviários federais também inutilizaram mais
de 100 equipamentos como balsas, geradores de energia elétrica, motores e
embarcações. Também apreenderam cerca de 19 mil quilos de cassinterita
extraídos de forma ilegal do interior da terra indígena.
A
destruição do maquinário pesado e de outros instrumentos e produtos químicos
visa a desestimular que garimpeiros, já identificados, retornem aos acampamentos
e recuperem os itens apreendidos que a operação não consegue retirar do local,
dadas as dificuldades de acesso à área.
Com
cerca de 9,6 milhões de hectares, a terra indígena abrange parte dos estados de
Roraima e Amazonas. Cada hectare corresponde a aproximadamente às medidas de um
campo oficial de futebol.
A
Operação Omawe faz parte das ações que o governo federal implementou a partir
de janeiro para tentar solucionar a crise humanitária que se abateu sobre a
Terra Indígena Yanomami. Motivado pelas denúncias de que a atividade ilegal de
garimpeiros está destruindo a floresta, contaminando os rios que abastecem as
comunidades locais e afetando as condições de sobrevivência das populações, o
Executivo federal enviou para a região, ainda em janeiro, uma equipe de
técnicos do Ministério da Saúde.
No
local, os servidores públicos da saúde se depararam com crianças e idosos
desnutridos – muitos pesando bem abaixo do mínimo recomendável -, além de
pessoas com malária, infecção respiratória aguda e outras doenças sem receber
qualquer tipo de assistência médica. Constatação que motivou o Ministério da
Saúde a declarar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional no
território indígena, o que, na prática, permite ao Poder Executivo federal
adotar medidas de prevenção, controle e contenção de riscos à saúde pública em
caráter de urgência.
O
governo federal também instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde
Pública (COE), subordinado à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), e
encarregado de coordenar as respostas do poder público à situação emergencial.
Profissionais da Força Nacional do Sistema Único de Saúde foram deslocados para
atender aos pacientes levados à Casa de Saúde Indígena Yanomami, em Boa Vista,
e aos hospitais de campanha que o Exército montou em Roraima. Até esta
quinta-feira (9), ao menos 1.732 yanomami já tinham sido atendidos no HCamp da
capital.
O
Ministério da Justiça e Segurança Pública também reforçou os efetivos da
Polícia Federal (PF) e da Força Nacional de Segurança Pública para, entre
outras medidas, assegurar a integridade dos profissionais da saúde que estão
atuando no local. Com o mesmo objetivo, a PRF informou já ter destacado 85
agentes, várias viaturas e dois helicópteros para a missão. O Ibama, por sua
vez, mobilizou várias equipes de fiscais ambientais e ao menos três aeronaves.
Com
base no Decreto 11.405/2023, a Força Aérea Brasileira (FAB) restringiu os voos
sobre a Terra Indígena Yanomami e adjacências, implementado a Zona de
Identificação de Defesa Aérea. Militares da FAB também estão apoiando
logisticamente a distribuição de alimentos e remédios para as aldeias yanomami
e o transporte de indígenas que precisam de cuidados médicos. Até esta
quinta-feira, cerca de 14.254 cestas básicas já tinham sido entregues às aldeias
e 137 pessoas tinham sido transportadas para receber atendimento médico.
Ø
Senador
estima que 19 mil garimpeiros deixaram Terra Yanomami
Depois
da novela em torno de sua composição, a comissão temporária do Senado Federal
para acompanhar a crise humanitária na Terra Yanomami, em Roraima, aprovou na última 4ª
feira (8/3) seu plano de trabalho. Os senadores programaram duas visitas de
campo para ouvir a população e as autoridades do estado.
O
relator do colegiado, senador Dr. Hiran (Progressistas-RR), afirmou que mais de
19 mil garimpeiros saíram do território Yanomami desde que as operações de
desintrusão começaram, em fevereiro passado. “Se em menos de 30 dias saíram
mais de 19 mil [garimpeiros], então, facilmente, no máximo nesse mês de março,
poderá a área estar totalmente livre”, disse Hiran, como cita a Agência Brasil.
A
presença garimpeira no território era calculada em cerca de 20 mil invasores
até a eclosão da crise, em janeiro. Em entrevista para a Folha, o presidente do
IBAMA, Rodrigo Agostinho, vai na mesma direção: “A gente deve ter tirado quase
80%, 90% dos garimpeiros”.
Voltando
ao Senado, a comissão pediu informações do governo federal sobre os recursos
liberados pelo Fundo Amazônia para a região, e ainda aprovou convites a
organizações indígenas e ambientalistas, além de representantes do setor
mineral e do garimpo, para audiências públicas.
A
comissão continuará sendo presidida pelo senador
Chico Rodrigues (PSB-RR), que causou polêmica nas últimas semanas por visitar
sozinho a Terra Yanomami sem autorização da FUNAI e sem ouvir representantes
indígenas. O discurso pró-garimpo do parlamentar também levantou preocupação entre os
indígenas, que temem que a comissão acabe sendo desvirtuada e não aborde a real
crise no território Yanomami.
Inicialmente,
o grupo era formado por cinco integrantes: os três senadores por Roraima (Rodrigues,
Hiran e Mecias de Jesus, do Republicanos), Humberto Costa (PT-PE) e Eliziane
Gama (PSD-MA). No entanto, o fato dos representantes de Roraima serem
defensores do garimpo criou tensões dentro do
grupo, que só foram desfeitas com a inclusão de outros três senadores – Marcos
Pontes (PL-SP), Zenaide Maia (PSD-RN) e Leila Barros (PDT-DF). A Carta Capital deu mais
informações.
Enquanto
isso, as forças federais seguem sua operação para retirada dos garimpeiros da
Terra Yanomami. De acordo com a CNN Brasil, o valor acumulado
das autuações aplicadas pelo IBAMA supera os R$ 10 milhões. Os fiscais também
apreenderam ou destruíram três aviões, um helicóptero, um trator de esteira,
uma escavadeira hidráulica, sete barcos e 13 balsas. Também foram encontrados
13 motores, 44 motores estacionários, 1.670 mangueiras de garimpo, cinco
motores de popa, oito motosserras, além de 1,1 mil litros de gasolina e 4,2 mil
de diesel.
Mesmo
com as ações antigarimpo, a presidente da FUNAI, Joênia Wapichana, reconheceu
que o poder público ainda precisa avançar na fiscalização do comércio de ouro,
vital para coibir a atividade criminosa. “O Brasil ainda não tem uma forma de
coibir o comércio de ouro ilegal, é muito frágil”, disse Joênia à AFP, apontando para a lei de 2013
que isentou as empresas
de comprovar a origem do metal comercializado a partir da “boa fé” dos
vendedores.
Em
tempo:
O
senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) não gostou da revelação
feita pela Agência Pública de que ele, na época em que comandava o Conselho da
Amazônia como vice-presidente do governo Bolsonaro, teria sugerido a necessidade
de uma operação contra o garimpo na Terra Yanomami. Como se sabe, a gestão
anterior não fez rigorosamente nada para evitar a escalada que resultou na
crise humanitária que vitimou milhares de crianças e idosos Yanomami com desnutrição
e malária. Mesmo com a declaração comprovada pelas atas oficiais das reuniões
do Conselho, ao melhor estilo Bolsonaro, Mourão chamou a informação de
“inverídica”.
Fonte:
Por Rubens Valente, da Agencia Pública/Agencia Brasil/ClimaInfo
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