Líder extrativista
histórico da Amazônia, é ameaçado por combater garimpo
Uma
das lideranças históricas da Amazônia, Manoel Cunha, ambientalista,
extrativista e gestor da Resex do Médio Juruá, no Amazonas, está sofrendo
perseguição e ameaças desde que equipamentos de garimpo ilegal foram
apreendidos em operação do Ibama e da Polícia Federal em novembro de 2022
naquela região, localizada entre os municípios de Carauari e Itamarati. A
Reserva Extrativista do Médio Juruá é uma Unidade de Conservação Federal gerida
pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão
vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Entre os dias 10 e 14 de março, ele
virou alvo de um grupo de desconhecidos que chegaram até à comunidade
ribeirinha onde mora.
“Eram
pessoas desconhecidas. O bote em que estavam era de Eirunepé [outro município
do Amazonas]. Imagino que foram de avião para Eirunepé e aí desceram de lá para
despistar qualquer tipo de risco [de serem identificados]. Então eles já vinham
descendo [o rio], passaram pela minha comunidade, mas graças a Deus não me
acharam. As comunidades então denunciaram ao ICMBio dizendo que mascarados
estavam fazendo procuração por mim”, relatou Cunha à Amazônia Real, na última
terça-feira (21), com exclusividade.
Ele
também recebeu alertas de amigos próximos, como uma carta escrita à mão no dia
10 de março, onde uma pessoa avisa sobre a situação:
“Manoel,
eu tentei entrar em comunicação com você, mas o telefone não está prestando. Eu
tenho uma coisa para te falar. Me informaram que tem cinco caras perguntando de
você e quem é você no rio. Tome muito cuidado porque eles estão investigando
até encontrar você. São cinco homens, eles andam no bote da capota azul e no
40”, diz trecho da carta, que a Amazônia Real teve acesso.
O
grupo dos cinco homens, segundo Cunha, foi visto posteriormente na sede do
município de Carauari. Foi então que, por medida de segurança, ele precisou se
retirar do município, com apoio do ICMBio, de onde ele é servidor federal.
“Estou
fora, tentando mobilizar os parceiros. Mas estou preocupado com minha família e
lutando para não devolver a lancha aos garimpeiros porque ela é um patrimônio
apreendido pelo Ibama na ação”, disse ele à reportagem.
Antes
de viajar, Cunha fez um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia Civil de Carauari.
No documento de denúncia, além da carta, ele registra que uma pessoa também
chegou a receber um aviso via rádio amador de uma das comunidades do Juruá, de
que cinco pessoas com as mesmas características e com o mesmo bote também
pararam em um porto de um comunitário e fizeram várias perguntas.
• Denúncia de garimpo ilegal
Manoel
Cunha e organizações ambientais e comunitárias da região, como o Instituto
Juruá e o Memorial Chico Mendes, vinham denunciando a atividade do garimpo de
ouro há meses. Na operação do Ibama e da PF, em novembro, uma balsa foi
incendiada e uma lancha foi apreendida, junto com outros equipamentos,
ferramentas e combustíveis A lancha apreendida ficou em poder do ICMBio, que
designou Manoel Cunha como fiel depositário.
Desde
então, o proprietário da lancha, Dilvan Lucio Simioni, e o homem apontado como
garimpeiro e que guiava a embarcação e a lancha apreendida, identificado como
Ecivaldo Gomes Lobo, tentavam recuperar a embarcação. Em 16 dezembro de 2022,
eles entraram com uma ação na Comarca da Justiça de Carauari e tiveram o pedido
acatado pelo juiz Francisco Carlos G. de Queiroz no mesmo dia.
No
processo judicial, os autores omitem que a lancha foi apreendida em operação de
combate a garimpo ilegal e dizem que Manoel Cunha furtou o equipamento.
No
último dia 18 de março, o juiz Wendelson Pereira Pessoa, da Vara Ambiental da
Justiça Federal, acatou recurso do Ministério Público Federal e derrubou a
decisão da Comarca de Carauari, mantendo a lancha com Manoel Cunha como fiel
depositário. Na última terça (21), a Justiça Federal do Amazonas comunicou a
decisão oficialmente à Comarca.
Na
decisão, o juiz federal diz que a ação movida pela defesa de Dilvan Lucio
Simioni omitiu pontos relevantes sobre o caso, tais como a inexistência de
autuação dos órgãos ambientais, a apreensão feita por servidor público federal
e deu informações trocadas sobre o nome de Manoel Cunha.
“Defiro
a liminar pleiteada, no sentido de suspender a devolução da lancha HP 250 a
qualquer pretenso proprietário, ainda que sob fundamento de ordem judicial.
Defiro a tutela inibitória em face do requerido Dilvan Lucio Simioni, para que
se abstenha de turbar ou esbulhar, por qualquer meio, o regular depósito
determinado pelo ICMbio, por ocasião da regular apreensão da lancha em autuação
administrativa, salvo diante de ordem judicial ou administrativa em contrário”,
afirma o juiz federal, na decisão.
Na
ação acatada pelo juiz federal, o MPF apresenta uma série de infrações
cometidas por Dilvan Simioni. A mais recente é a sentença da juíza federal
Maria Elisa Andrade do último dia 6 de março, que condenou Simioni, junto com
outros três homes, por liderarem garimpo ilegal nas áreas do município de
Maués, também no Amazonas.
O
MPF também alerta que o garimpo ilegal no Médio Javari sequer tem autorização
de órgão oficial do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que
confirmou a ilegalidade da balsa no rio Juruá e a ação criminosa.
“A
justiça [estadual] ainda negou duas vezes e ia negar quantas vezes nós pedíssemos.
Se não fosse essa intervenção da Justiça Federal, pode ter certeza que a gente
jamais sairia vitoriosos”, disse Manoel Cunha à Amazônia Real.
• Pressão de garimpeiros
Nos
últimos dias, antes da decisão do juiz federal, um impasse sobre a devolução ou
não da lancha preocupava ativistas ambientais, apoiadores dos comunitários e de
Manoel Cunha. Na cidade de Carauari, os ex-donos da lancha tentavam pressionar
oficiais de justiça pela entrega, antes e até mesmo após a nova decisão
judicial.
“A
gente resistiu a determinação do juiz [da Comarca] de não entregar a lancha,
alegando que o processo não era verdadeiro. Que o processo verdadeiro era o
auto de infração . A gente tinha o termo de apreensão e o termo de fiel
depositário”, explica a liderança Manoel Cunha.
Ecivaldo
Lobo e Dilvan Simioni, que acusam Manoel de furto, tentavam recuperar a
embarcação desde dezembro. Primeiro, Ecivaldo fez um Boletim de Ocorrência.
Depois, no mesmo dia, por meio de advogados, os interessados entraram na
justiça. Dilvan alega que “emprestou” a embarcação para Ecivaldo, mas não diz
para qual atividade.
Na
ação, o advogado de defesa de Dilvan Lucio Simioni, Júlio Benarrós, utilizou-se
do boletim de ocorrência feito em Carauari, juntamente com a nota fiscal da
lancha para incriminar Manoel Cunha, que teve seu sobrenome trocado e
informações importantes ocultadas, conforme apresenta o processo que afirma que
a profissão de Manoel é “desconhecida”. O advogado requereu “Tutela de
Urgência” para devolução do bem.
Ecivaldo
Gomes Lobo seria o homem que pilotava a balsa de garimpo. Ele é sobrinho do
vice-prefeito do município de Itamarati, Maqcharles Brito Lobo, que teria
autorizado, sem que tenha competência para isso, a exploração de ouro na calha
do Juruá. Essa “autorização”, inclusive, chegou a ser informada pelo prefeito
da cidade, João Medeiros Campelo, a Manoel Cunha, conforme consta em reportagem
publicada pela Amazônia Real.
Segundo
a liderança extrativista, Ecivaldo tem uma rixa antiga com a comunidade por ser
ex-patrão de um seringal chamado “Deus me deu”, que perdeu junto com seus
irmãos por não conseguir provar a titularidade da área dentro da Resex Juruá
quando ela foi considerada Unidade de Conservação.
Manoel
Cunha afirmou ainda o estresse pelo qual vem passado para responder a um
processo por um crime que ele não cometeu.
“Isso
tem me machucado muito, tem trazido muita dificuldade. Eu acho que isso me
maltrata mais do que as ameaças de morte. Mas estamos aí, estamos juntos, vamos
vencer essa e vamos provar que não é o garimpo quem manda, quem manda é a
justiça brasileira, ninguém está acima da Lei e vamos continuar firme e forte
na luta”, desabafa.
• Pedido de proteção
O
Fórum Território Médio Juruá (FTMJ) por meio de suas organizações,
representantes das populações tradicionais e povos indígenas, encaminhou uma
carta a autoridades do governo federal, do Amazonas e da Justiça solicitando
providências urgentes de medidas protetivas ao Manoel Cunha.
“Tendo
em vista que as ameaças vêm se intensificando dia após dia, os membros do Fórum
Território Médio Juruá vêm, através desses relatos, expressar sua preocupação e
pedir medidas imediatas para garantir a segurança e a proteção da vida de
Manoel Cunha e de sua família”.
Jéssica
Souza, analista socioambiental do Memorial Chico Mendes, explica que a
mobilização do Fórum tem sido feita para evitar que a ordem judicial de entrega
da lancha seja realizada.
“Entendemos
que esse processo acusando o Manoel Cunha é muito danoso, não apenas para a
moral de uma das lideranças mais importantes do território, mas também por
fragilizar todo o movimento coletivo contra as atividades de garimpo na região.
Ficamos muito apreensivos com esse processo de ordem ‘pessoal’, direcionada ao
Manoel Cunha, porque ele como fiel depositário do bem, em nome do ICMbio
poderia inclusive responder posteriormente por ter devolvido um bem apreendido
em operação de esfera federal”, disse Jéssica, à Amazônia Real.
O
superintendente do Ibama no Amazonas, Joel Araújo, disse que o órgão está
articulando ações que visem garantir justiça e
proteção a Manoel Cunha.
“A
cúpula do Ibama já está informada. O presidente do Ibama ficou de entrar em
contato com o presidente do ICMbio e a ministra Marina Silva também já está
tendo conhecimento das informações e tem buscado se orientar”, afirmou na
segunda-feira (20) à Amazônia Real.
Segundo
Araújo, o Ibama planeja realizar atividades de fiscalização na região no Médio
Juruá de combate a ilícitos ambientais e garimpo.
“Com
esse problema, a gente deve dar uma atenção maior para lá. A gente está se
planejando para ter mais presença naquela região, uma presença institucional,
uma presença do Ibama, da Polícia Federal, dos demais órgãos de segurança. Nós
repudiamos qualquer ação contra a natureza naquela região e vamos atuar
fortemente para que os crimes ambientais sejam encerrados”, disse Araújo.
• Quem é Manoel Cunha
Os
antepassados de Manoel Cunha e das populações extrativistas do rio Juruá, assim
como a própria liderança, viveram um período de escravidão na época de extração
da borracha na região amazônica.
A
liderança, que via a situação desumana na sua região, cresceu buscando justiça
social, tendo sido membro da articulação que criou Unidades de Conservação em
Carauari e no Amazonas, integrando o Movimento de Educação de Base (MEB) e
sendo um dos fundadores do Conselho Nacional das Populações Extrativistas
(CNS), cuja primeira denominação foi Conselho Nacional dos Seringueiros, criado
há mais de 30 anos e uma das organizações mais relevantes da Amazônia. Ele se
tornou gestor da Resex do Médio Juruá em 2016 a pedido da própria comunidade.
“O
Manoel Cunha acaba sendo um grande personagem dessa história toda que é muito
bonita. Ele é um cara que protagonizou as lutas sociais. Que além de liderança
da comunidade, virou uma liderança nacional. É uma pessoa cuja figura simboliza
toda essa história de luta e toda essa história de sucesso no sentido de uma
Amazônia que pode dar certo. Uma Amazônia que protege a floresta, que gera
benefício para as comunidades locais e que tem as lideranças locais como
protagonistas do arranjo”, afirma João Silva, presidente do Instituto Juruá,
uma das principais organizações aliadas dos comunitários da Resex do Médio
Juruá.
O tempo está fechando: povos isolados
correm risco de extinção
Metade
das terras indígenas exploradas ilegalmente por garimpeiros no Brasil são
territórios em que vivem povos isolados. Essa é uma das constatações do estudo
Isolados por um Fio: Riscos Impostos aos Povos Indígenas Isolados, publicado em
janeiro deste ano pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (Coiab) e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
A
análise dos pesquisadores aponta, ainda, as cinco maiores ameaças às quais
esses grupos estão submetidos, na maioria das vezes de forma sobreposta – mais
de uma ou todas ao mesmo tempo. A primeira é a instabilidade jurídica e
institucional, porque muitas terras não estão legalizadas e isso aumenta a
vulnerabilidade diante de disputas territoriais e violências; depois vem o
desmatamento ilegal, seguido por queimadas, grilagem e garimpo.
Essas
populações poderão ser exterminadas se as violações ao meio ambiente, ao modo
de vida e à saúde não forem contidas. Para isso, as instituições precisam ser
fortalecidas e agir rapidamente. Como? Demarcando terras. Expulsando invasores.
Garantindo direitos fundamentais.
Os
territórios em situação mais grave atualmente são as terras indígenas
Ituna-Itatá (no Pará, vizinha à hidrelétrica de Belo Monte), Jacareúba-Katawixi
(perto da expansão agrícola entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia),
Piripkura (considerada de uso exclusivo de isolados e que sofre com
desmatamento e grilagem, em Mato Grosso) e Pirititi (impactada pelas obras de
infraestrutura da BR-174, em Roraima).
Dados
do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente
Contato (OPI) enviados ao grupo de transição do governo Lula já alertavam a
nova gestão de que essas terras indígenas em situação de emergência eram as
mesmas que tiveram suas portarias de restrição de uso em constante ameaça
durante o governo Bolsonaro, que inúmeras vezes se recusou a renová-las e só
cedeu após determinação jurídica. As portarias têm o objetivo de resguardar o
povo indígena isolado e proteger seus territórios para que o principal órgão indigenista
brasileiro, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), faça o trabalho de
identificação e fiscalização do espaço enquanto o processo de demarcação desse
território não é finalizado.
Não
há país na América do Sul com mais povos indígenas isolados do que o Brasil.
Talvez nem no mundo. A Funai registra a existência de 114 grupos. Desses, 28
têm presença confirmada e territórios delimitados, esperando apenas o
reconhecimento como território indígena. Há 26 em estudo e 60 em situação de
informação. Mas o número pode ser maior porque há casos em que a Funai ainda
não se manifestou sobre localizações feitas por Frentes de Proteção
Etnoambiental (FPEs), que são unidades de campo do Sistema de Proteção aos
Índios Isolados e de Recente Contato (SPIIRC).
Os
indígenas isolados desde sempre resistem a constantes violências e a inúmeras
tentativas de contato forçado. Bolsonaro cortou recursos da Funai
principalmente no programa Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos
Indígenas, que inclui o resguardo dos territórios. Durante seu mandato, ele
também colocou à frente do órgão indigenista o delegado de polícia Marcelo
Xavier, um anti-indígena que perseguiu inúmeras lideranças e organizações, como
a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a atual ministra Sonia
Guajajara e o líder indígena Almir Suruí, que foram acusados de “propagar
mentiras” contra o governo Bolsonaro.
Terras
indígenas demarcadas
A
Amazônia brasileira tem 332 terras indígenas. Dessas, há seis com portaria de
restrição de uso – um recurso para que a população e o lugar em que ela está
sejam protegidos enquanto outras etapas do processo de reconhecimento não são
concluídas –, 28 delimitadas, dez declaradas e cinco homologadas.
Os
povos indígenas em isolamento e os de recente contato têm características
distintas, línguas, tradições e organização social próprias que são garantidas
na Constituição Federal nos artigos 231 e 232, e é de direito que seus
territórios sejam reconhecidos e demarcados. Nelly Marubo, técnica de projetos
da gerência dos povos indígenas isolados e recente contato da Coiab, explica
que os invasores, como garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais, são
ameaças importantes. “Eles [invasores] deixam os territórios indígenas em uma
situação crítica. Contaminam a água de maneira que, além da escassez de peixes
e outros tipos de caça, esses povos são afetados com doenças de pele e outros
tipos de doença, podendo levar à morte, pois eles [indígenas isolados] não têm
contato com as doenças daqui, desta sociedade, e isso é preocupante”, afirma
Nelly.
Genocídio
Yanomami
Desnutrição,
contaminação por mercúrio, violência, estupros, mortes e impacto na organização
social são problemas apontados por lideranças da maior terra indígena do
Brasil, a Yanomami. Nesse território, há presença confirmada de povos isolados
e as violências citadas nesta reportagem deixam esses indígenas em situação de
genocídio em massa. Nos últimos anos, quem deveria ter ajudado a proteger esses
espaços nada fez de efetivo, como mostra a cobertura de SUMAÚMA sobre o caso.
Segundo
o presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, a Funai,
na gestão Bolsonaro, atuou de forma bem escassa, e isso afetou diretamente a
vida dos povos de recente contato e isolados. “A Funai não atuou de forma integral
dentro do Território Yanomami. Algumas vezes realizava doações ou participava
de operações, mas de forma bem distante”, conta. “Não tivemos apoio quando
realmente necessitamos nem respostas à altura do que fariam para buscar formas
de retirar os invasores.”
O
líder indígena diz que os povos isolados evitam até mesmo os próprios Yanomami
de recente contato. “Eles têm receio e, sempre que são descobertos, mudam de
localidade. Por isso é preciso a proteção do território, pois somos nós que
poderemos protegê-los”, explica Júnior.
Nunca
mais?
Tragédia
– é assim que o servidor da Funai Rodrigo Ayres, indigenista especializado da
Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena, avalia a atuação do
governo Bolsonaro em relação aos povos isolados. “Bolsonaro foi uma tragédia,
um descalabro. Não dá nem para dizer que foi um descaso, porque tivemos uma
política pública conscientemente elaborada para entregar os seus territórios a
criminosos ambientais, inclusive com a perseguição de servidores que se opuseram
de forma mais veemente a esses ataques. Um cenário apocalíptico, que precisa
ser investigado. O assassinato de Bruno Pereira representa o ápice dessa
política pensada e executada contra os povos isolados. Bruno entregou a sua
vida pela causa e balançou o mundo com a sua partida”, destacou Ayres.
Com
muita emoção, Ayres, que há cinco anos vivencia a resistência desses povos,
destaca a importância de a sociedade entender que essa luta não é apenas dos
indígenas e dos indigenistas, e sim de toda a humanidade. “É comovente ver a
força e a resistência desses povos, que nos provam a cada dia que uma outra
forma de se organizar socialmente é possível”, diz. E levanta alguns exemplos:
“A forma como viveu e resistiu – mesmo após a sua morte – o Tanaru [conhecido como
‘índio do buraco’, o último sobrevivente do genocídio de seu povo], que ficou
na floresta sozinho por mais de 20 anos, recusando o contato com os não
indígenas. E tem os Piripkura, dos quais restaram apenas três sobreviventes de
massacres, que ainda assim conseguem sorrir e cantar”.
Para
Ayres, essa resiliência é ainda mais notável diante da condição de extrema
vulnerabilidade desses grupos que vivem sob pressão em lugares cobiçados por
atividades de exploração predatória da floresta. “Como os indígenas isolados
dependem exclusivamente da floresta para sobreviver e não têm imunidade contra
as doenças dos não indígenas, a crescente pressão sobre suas terras aumenta o
risco de genocídio. O cerco está se fechando, porque as frentes de expansão e
colonização estão cada vez mais perto, e as áreas de floresta estão diminuindo.
É uma situação extremamente preocupante, que merece a devida atenção por parte
do Estado e da sociedade”, diz o indigenista.
Há
um aviso de genocídio diante dos olhos da sociedade. Garimpeiros, empresários,
políticos e missões evangélicas ameaçam a vida desses povos. A ação imediata
para a proteção de pessoas e territórios é urgente e necessária.
Fonte:
Por Wérica Lima, em Amazônia Real/Sumaúma
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