Jeferson Miola: BC autônomo é dogma do pensamento único neoliberal para alimentar voracidade do mercado
A
autonomia do Banco Central é um dogma do pensamento único neoliberal; um totem
sagrado do capital financeiro.
O
debate mundial sobre a autonomia do Banco Central foi encorpado nos anos 1990,
no auge da expansão da hegemonia neoliberal e do fim da União Soviética e
regimes satélites do leste europeu.
Foi
quando o economista estadunidense Francis Fukuyama “decretou” o fim da história
e a chegada da humanidade ao nirvana neoliberal: privatizações,
desregulamentação dos mercados, flexibilização do mercado de trabalho e abertura
indiscriminada das economias nacionais para a livre penetração dos capitais.
A
era da ultra-financeirização do capitalismo triunfara de “forma definitiva”
sobre a utopia socialista e anticapitalista.
“There
is no alternative” – não há alternativa fora do capitalismo neoliberal –
proclamavam os profetas do financismo.
Este
ideário era reverberado em uníssono pela mídia hegemônica mundial como receita
a ser adotada por todos países. Muitos governos adotaram a autonomia do Banco
Central, mas com uma diferença importante em relação à experiência brasileira,
na opinião de economistas.
Diferentemente
dos países com Banco Central independente, no Brasil o Banco Central não
coordena as decisões sobre juros, dívida e inflação com o governo, pois aqui
ele é teleguiado diretamente pelo deus-mercado das finanças.
Em
meados dos anos 1990, quando o atual presidente do Banco Central do Brasil
Roberto Campos Neto engatinhava na especulação financeira como operador de
derivativos de juros e câmbio no Banco Bozano Simonsen, a economista Maria da
Conceição Tavares já desnudava duramente este dogma do pensamento único
neoliberal.
“Os
congressos do mundo controlam a emissão de títulos da dívida pública. O nosso
Banco Central emite dívida por conta do Tesouro sem pedir licença ao orçamento.
Isso é um escândalo. O nosso Banco Central é independentíssimo, faz o que lhe
dá na telha; na telha. Endivida o Tesouro, sem pedir licença ao Congresso”,
disse a brilhante Maria da Conceição em uma edição do programa Roda Viva, da TV
Cultura, provavelmente no ano de 1995.
A
autonomia do Banco Central para agir por conta própria, sem considerar as
diretrizes e o programa eleito pela maioria da população, afronta a democracia.
A
autonomia do Banco Central frauda o sistema de representação popular, pois
sequestra a prerrogativa do governo eleito gerir a taxa de juros e o sistema de
dívida do país.
É
um modelo concebido para alimentar a voracidade incontrolável do rentismo por
meio do pagamento de juros estratosféricos. É uma política profundamente prejudicial
à economia do Brasil, que paga a taxa de juros reais mais alta do mundo, 8% ao
ano.
Governo
que perde a prerrogativa de controlar juros e dívida não governa.
Perde
a capacidade de governar e se transforma num gerente da escassez orçamentária
legada pelo Banco Central, sendo obrigado a cortar despesas e investimentos
sociais, ao invés de alavancar investimentos e produzir políticas públicas para
desenvolver o país.
Nos
dois últimos anos, esta relação binária do Banco Central – de independência do governo,
mas de dependência do deus-mercado – significou um aumento de R$ 410 bilhões
das despesas do Tesouro Nacional para o pagamento de juros da dívida.
A
autonomia do Banco Central, aprovada em fevereiro de 2021, deu errado. É um
modelo fracassado, que provocou um desfalque monumental nas contas do Tesouro
Nacional.
Apesar
disso, não conseguiu manter a inflação dentro da meta em dois anos
consecutivos, devendo repetir o fracasso novamente em 2023.
Com
este resultado, o presidente e os diretores do Banco Central preenchem as
condições para serem demitidos, como estabelece a Lei Complementar nº 179/2021:
“quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o
alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”.
Banco Central independente é crime contra
o povo. Por Jair de Souza
Em
fevereiro de 2021, pouco antes de a Câmara dos Deputados aprovar a proposta do
governo bolsonarista para efetivar legalmente a autonomia do Banco Central, eu
publiquei aqui mesmo neste espaço um artigo que buscava alertar a todos acerca
da gravidade do crime contra os interesses populares que estava prestes a ser
consumado.
Agora,
passado pouco mais de um mês da posse do governo democrático-popular que pôs
fim ao regime do nazismo bolsonarista, estamos constatando a triste comprovação
da correção das preocupantes observações levantadas naquele momento.
Um
Banco Central independente, sob o comando de um representante do capital
financeiro indicado pelo anterior governo nazista bolsonarista, parece estar
determinado a infernizar a vida das novas autoridades eleitas, que tiveram a
ousadia de pôr fim ao plano de perpetuação da aliança militar-financeira
agrupada em torno do bolsonarismo.
Mas,
não apenas o nazismo bolsonarista se dedica à defesa da proposta de que o Banco
Central funcione à revelia das autoridades eleitas pela população.
A
maioria dos articulistas liberais da mídia corporativa também encampa essa
ideia. O argumento mais comum a que recorrem é o de que, assim, se estaria
impedindo sua utilização para fins políticos.
Em
outras palavras, procura-se ressaltar a importância positiva de manter o BC
funcionando dentro de estritos parâmetros técnicos.
Nesta
etapa da história em que estamos, já não deveria ser necessário dizer o que vou
expressar à continuação, mas não há como evitá-lo: Não há nada mais político e
concernente aos interesses de toda a sociedade do que o funcionamento do Banco
Central.
E
quanto mais quiserem apresentá-lo como um instrumento meramente técnico e
imparcial, mais se evidencia que ele estará sendo usado politicamente. E, neste
caso, no pior sentido em que a política pode ser utilizada: para a manipulação
e o engano dos incautos.
Com
o objetivo de possibilitar que mesmo aqueles que não são versados em economia
possam entender o cerne da questão envolvendo a determinação da taxa de juros
numa sociedade e o papel de classe exercido por um Banco Central, vamos
apresentar e analisar alguns exemplos teóricos hipotéticos que poderão permitir
a avaliação de quem ganha e quem perde com a manipulação da taxa de juros.
Para
facilitar nossa compreensão e raciocínio, vamos imaginar que temos um país com
as seguintes características:
• 100.000 agentes econômicos, dos quais
90.000 são trabalhadores assalariados e 10.000, empresários empregadores;
• O valor total do capital investido em
atividades produtivas é de R$ 1.000.000.000,00;
• A taxa média de lucro é de 10% do
capital investido;
• A repartição dos rendimentos entre
trabalhadores e empresários se dá na base de 50% para cada classe.
Como
resultado dos dados recém mencionados, obtemos o seguinte panorama:
• Renda total gerada: R$ 1.100.000.000,00
(1.000.000.000,00 x 1,10)
• Participação média por classe nos
rendimentos:
Trabalhadores:
R$ 6.111,11 (550.000.000,00/90.000)
Empresários:
R$ 55.000,00 (550.000.000,00/10.000)
Como
resultado dos dados recém mencionados, obtemos o seguinte panorama:
• Renda total gerada: R$ 1.100.000.000,00
(1.000.000.000,00 x 1,10)
• Participação média por classe nos
rendimentos:
Trabalhadores:
R$ 6.111,11 (550.000.000,00/90.000)
Empresários:
R$ 55.000,00 (550.000.000,00/10.000)
Suponhamos
agora que, mantendo-se a mesma participação percentual das classes na
apropriação dos rendimentos da produção, o BC entra em cena e decide elevar a
taxa de juros para 13,5%.
Logicamente,
isto vai servir como forte estímulo para que alguns empresários decidam retirar
recursos até então investidos na produção para aplicá-los na ciranda
financeira.
Sendo
modestos em nossas expectativas, vamos imaginar que tão somente 10% dos
recursos totais se deslocam para o campo da especulação. Teremos, assim, o
seguinte quadro:
• Valor investido em atividades produtivas
com juros de 10%: R$ 900.000.000,00;
• Resultado total obtido na produção: R$
990.000.000,00 (900.000.000,00 x 1,1)
• Montante aplicado no circuito
financeiro na base de 13,5% de juros: R$ 100.000.000,00;
• Resultado total da aplicação financeira:
R$ 113.500.000,00 (100.000.000,00 x 1,135)
• Renda média por classe na renda total
gerada:
Trabalhadores:
R$ 5.500,00 (495.000.000,00/90.000)
Empresários:
R$ 60.850,00 [(495.000.000,00 + 113.500.000,00)/10.000]
Como
os exemplos vistos deixam evidente, com a elevação da taxa de juros, os
empresários obtêm uma elevação significativa de seus rendimentos, ao passo que
os trabalhadores sofrem uma drástica perda.
Em
outras palavras, em lugar de crescer usando seus recursos para criar novas
riquezas (com todas as implicações daí advindas), o empresariado aumenta sua
participação nos rendimentos com a mera especulação no mercado financeiro.
Mas,
alerto aos mais sensíveis, não se preocupem, a intenção desses exemplos não era
assustar ninguém.
Na
verdade, a realidade é muitíssimo pior do que as hipóteses apresentadas podem
dar a entender. Vamos tentar explicar o porque disso nas próximas linhas.
Primeiramente,
nunca deveríamos nos esquecer que a circulação do dinheiro por si só é incapaz
de gerar qualquer riqueza. Um capital só pode gerar um acréscimo real de
riquezas se for empregado em alguma atividade realmente produtiva.
Quando
um empresário toma um empréstimo e usa o dinheiro conseguido para criar uma
nova fábrica ou expandir a já existente, ele vai poder aumentar o volume de
riquezas da sociedade e, em consequência, todos tendem a ganhar com sua
atuação.
Porém,
se alguém coloca seu dinheiro a juros em um banco, que o reempresta a outro
cliente cobrando taxas mais elevadas e este, por sua vez, procede de igual
maneira, nenhum acréscimo de riqueza terá havido ali. Os ganhos neste caso só
serão aparentes e numéricos, nunca reais.
Na
verdade, quando a fração do capital destinada às atividades produtivas é
diminuída em benefício da especulação financeira, há efetivamente uma
deterioração das condições de vida do conjunto da sociedade.
Além
do mais, fomos muito pouco realistas nas hipóteses apresentadas ao supor que a
participação relativa entre trabalhadores e empresários nos rendimentos gerados
se manteriam inalterados quando da diminuição do volume de recursos dedicado às
atividades produtivas.
Por
lógica, nessas condições, costuma ocorrer uma acentuada queda no percentual do
bolo que cabe aos trabalhadores. E não é difícil entender as razões para que
assim seja.
Quando
o dinheiro sai da produção para dirigir-se à especulação financeira, muito
menos mão de obra vai ser necessária para tocar a diminuída máquina produtiva.
Em
consequência, muitos trabalhadores ficarão desempregados. Com o aumento do
desemprego, o nível dos salários tende a baixar significativamente.
A
diminuição na oferta de postos de trabalho redunda em maior concorrência entre
os trabalhadores e, com isso, salários menores para os que conseguem arrumar
emprego.
Por
outro lado, para aqueles que vivem do rentismo, a possibilidade de controlar a
taxa de juros é sempre uma ferramenta de inestimável valor. Os que detêm esse
poder podem aumentar sua participação na renda total através do aumento da
espoliação dos demais.
Embora
o montante de riquezas existentes venha a se reduzir, a violenta elevação da
expropriação das maiorias possibilita que os grupos que controlam o rentismo
melhorem sua participação em relação ao restante da sociedade.
É
por isso que as classes dominantes demonstram ter tanto interesse em que o
Banco Central seja um órgão independente.
É
claro que o que eles entendem por independente, na realidade, quer dizer
“alheio ao controle das maiorias populares da nação e inteiramente submisso aos
desígnios do grande capital”.
Dar
as diretrizes para o funcionamento do Banco Central não é algo que possa ser
indiferente para as maiorias populares. A produção e o emprego dependem de
decisões tomadas pelas autoridades que dirigem o Banco Central.
Que
mais ou menos recursos sejam destinados para a construção de moradias para o
povo necessitado, ou usados para garantir que os banqueiros possam se tornar
ainda muito mais poderosos, são alternativas que dependem de quem controla o
funcionamento dessa instituição.
Apoiar
a permanência do Banco Central como instituição independente e estritamente
técnica é como acreditar que possa haver plenas condições para o exercício da
democracia entre as raposas e as galinhas. As raposas vão todas estar sempre
favoráveis. E as galinhas?
Fonte:
Viomundo
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