sábado, 11 de março de 2023


 Jeferson Miola: BC autônomo é dogma do pensamento único neoliberal para alimentar voracidade do mercado

A autonomia do Banco Central é um dogma do pensamento único neoliberal; um totem sagrado do capital financeiro.

O debate mundial sobre a autonomia do Banco Central foi encorpado nos anos 1990, no auge da expansão da hegemonia neoliberal e do fim da União Soviética e regimes satélites do leste europeu.

Foi quando o economista estadunidense Francis Fukuyama “decretou” o fim da história e a chegada da humanidade ao nirvana neoliberal: privatizações, desregulamentação dos mercados, flexibilização do mercado de trabalho e abertura indiscriminada das economias nacionais para a livre penetração dos capitais.

A era da ultra-financeirização do capitalismo triunfara de “forma definitiva” sobre a utopia socialista e anticapitalista.

“There is no alternative” – não há alternativa fora do capitalismo neoliberal – proclamavam os profetas do financismo.

Este ideário era reverberado em uníssono pela mídia hegemônica mundial como receita a ser adotada por todos países. Muitos governos adotaram a autonomia do Banco Central, mas com uma diferença importante em relação à experiência brasileira, na opinião de economistas.

Diferentemente dos países com Banco Central independente, no Brasil o Banco Central não coordena as decisões sobre juros, dívida e inflação com o governo, pois aqui ele é teleguiado diretamente pelo deus-mercado das finanças.

Em meados dos anos 1990, quando o atual presidente do Banco Central do Brasil Roberto Campos Neto engatinhava na especulação financeira como operador de derivativos de juros e câmbio no Banco Bozano Simonsen, a economista Maria da Conceição Tavares já desnudava duramente este dogma do pensamento único neoliberal.

“Os congressos do mundo controlam a emissão de títulos da dívida pública. O nosso Banco Central emite dívida por conta do Tesouro sem pedir licença ao orçamento. Isso é um escândalo. O nosso Banco Central é independentíssimo, faz o que lhe dá na telha; na telha. Endivida o Tesouro, sem pedir licença ao Congresso”, disse a brilhante Maria da Conceição em uma edição do programa Roda Viva, da TV Cultura, provavelmente no ano de 1995.

A autonomia do Banco Central para agir por conta própria, sem considerar as diretrizes e o programa eleito pela maioria da população, afronta a democracia.

A autonomia do Banco Central frauda o sistema de representação popular, pois sequestra a prerrogativa do governo eleito gerir a taxa de juros e o sistema de dívida do país.

É um modelo concebido para alimentar a voracidade incontrolável do rentismo por meio do pagamento de juros estratosféricos. É uma política profundamente prejudicial à economia do Brasil, que paga a taxa de juros reais mais alta do mundo, 8% ao ano.

Governo que perde a prerrogativa de controlar juros e dívida não governa.

Perde a capacidade de governar e se transforma num gerente da escassez orçamentária legada pelo Banco Central, sendo obrigado a cortar despesas e investimentos sociais, ao invés de alavancar investimentos e produzir políticas públicas para desenvolver o país.

Nos dois últimos anos, esta relação binária do Banco Central – de independência do governo, mas de dependência do deus-mercado – significou um aumento de R$ 410 bilhões das despesas do Tesouro Nacional para o pagamento de juros da dívida.

A autonomia do Banco Central, aprovada em fevereiro de 2021, deu errado. É um modelo fracassado, que provocou um desfalque monumental nas contas do Tesouro Nacional.

Apesar disso, não conseguiu manter a inflação dentro da meta em dois anos consecutivos, devendo repetir o fracasso novamente em 2023.

Com este resultado, o presidente e os diretores do Banco Central preenchem as condições para serem demitidos, como estabelece a Lei Complementar nº 179/2021: “quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”.

 

       Banco Central independente é crime contra o povo. Por Jair de Souza

 

Em fevereiro de 2021, pouco antes de a Câmara dos Deputados aprovar a proposta do governo bolsonarista para efetivar legalmente a autonomia do Banco Central, eu publiquei aqui mesmo neste espaço um artigo que buscava alertar a todos acerca da gravidade do crime contra os interesses populares que estava prestes a ser consumado.

Agora, passado pouco mais de um mês da posse do governo democrático-popular que pôs fim ao regime do nazismo bolsonarista, estamos constatando a triste comprovação da correção das preocupantes observações levantadas naquele momento.

Um Banco Central independente, sob o comando de um representante do capital financeiro indicado pelo anterior governo nazista bolsonarista, parece estar determinado a infernizar a vida das novas autoridades eleitas, que tiveram a ousadia de pôr fim ao plano de perpetuação da aliança militar-financeira agrupada em torno do bolsonarismo.

Mas, não apenas o nazismo bolsonarista se dedica à defesa da proposta de que o Banco Central funcione à revelia das autoridades eleitas pela população.

A maioria dos articulistas liberais da mídia corporativa também encampa essa ideia. O argumento mais comum a que recorrem é o de que, assim, se estaria impedindo sua utilização para fins políticos.

Em outras palavras, procura-se ressaltar a importância positiva de manter o BC funcionando dentro de estritos parâmetros técnicos.

Nesta etapa da história em que estamos, já não deveria ser necessário dizer o que vou expressar à continuação, mas não há como evitá-lo: Não há nada mais político e concernente aos interesses de toda a sociedade do que o funcionamento do Banco Central.

E quanto mais quiserem apresentá-lo como um instrumento meramente técnico e imparcial, mais se evidencia que ele estará sendo usado politicamente. E, neste caso, no pior sentido em que a política pode ser utilizada: para a manipulação e o engano dos incautos.

Com o objetivo de possibilitar que mesmo aqueles que não são versados em economia possam entender o cerne da questão envolvendo a determinação da taxa de juros numa sociedade e o papel de classe exercido por um Banco Central, vamos apresentar e analisar alguns exemplos teóricos hipotéticos que poderão permitir a avaliação de quem ganha e quem perde com a manipulação da taxa de juros.

Para facilitar nossa compreensão e raciocínio, vamos imaginar que temos um país com as seguintes características:

        100.000 agentes econômicos, dos quais 90.000 são trabalhadores assalariados e 10.000, empresários empregadores;

        O valor total do capital investido em atividades produtivas é de R$ 1.000.000.000,00;

        A taxa média de lucro é de 10% do capital investido;

        A repartição dos rendimentos entre trabalhadores e empresários se dá na base de 50% para cada classe.

Como resultado dos dados recém mencionados, obtemos o seguinte panorama:

        Renda total gerada: R$ 1.100.000.000,00 (1.000.000.000,00 x 1,10)

        Participação média por classe nos rendimentos:

Trabalhadores: R$ 6.111,11 (550.000.000,00/90.000)

Empresários: R$ 55.000,00 (550.000.000,00/10.000)

Como resultado dos dados recém mencionados, obtemos o seguinte panorama:

        Renda total gerada: R$ 1.100.000.000,00 (1.000.000.000,00 x 1,10)

        Participação média por classe nos rendimentos:

Trabalhadores: R$ 6.111,11 (550.000.000,00/90.000)

Empresários: R$ 55.000,00 (550.000.000,00/10.000)

Suponhamos agora que, mantendo-se a mesma participação percentual das classes na apropriação dos rendimentos da produção, o BC entra em cena e decide elevar a taxa de juros para 13,5%.

Logicamente, isto vai servir como forte estímulo para que alguns empresários decidam retirar recursos até então investidos na produção para aplicá-los na ciranda financeira.

Sendo modestos em nossas expectativas, vamos imaginar que tão somente 10% dos recursos totais se deslocam para o campo da especulação. Teremos, assim, o seguinte quadro:

        Valor investido em atividades produtivas com juros de 10%: R$ 900.000.000,00;

        Resultado total obtido na produção: R$ 990.000.000,00 (900.000.000,00 x 1,1)

        Montante aplicado no circuito financeiro na base de 13,5% de juros: R$ 100.000.000,00;

        Resultado total da aplicação financeira: R$ 113.500.000,00 (100.000.000,00 x 1,135)

        Renda média por classe na renda total gerada:

Trabalhadores: R$ 5.500,00 (495.000.000,00/90.000)

Empresários: R$ 60.850,00 [(495.000.000,00 + 113.500.000,00)/10.000]

Como os exemplos vistos deixam evidente, com a elevação da taxa de juros, os empresários obtêm uma elevação significativa de seus rendimentos, ao passo que os trabalhadores sofrem uma drástica perda.

Em outras palavras, em lugar de crescer usando seus recursos para criar novas riquezas (com todas as implicações daí advindas), o empresariado aumenta sua participação nos rendimentos com a mera especulação no mercado financeiro.

Mas, alerto aos mais sensíveis, não se preocupem, a intenção desses exemplos não era assustar ninguém.

Na verdade, a realidade é muitíssimo pior do que as hipóteses apresentadas podem dar a entender. Vamos tentar explicar o porque disso nas próximas linhas.

Primeiramente, nunca deveríamos nos esquecer que a circulação do dinheiro por si só é incapaz de gerar qualquer riqueza. Um capital só pode gerar um acréscimo real de riquezas se for empregado em alguma atividade realmente produtiva.

Quando um empresário toma um empréstimo e usa o dinheiro conseguido para criar uma nova fábrica ou expandir a já existente, ele vai poder aumentar o volume de riquezas da sociedade e, em consequência, todos tendem a ganhar com sua atuação.

Porém, se alguém coloca seu dinheiro a juros em um banco, que o reempresta a outro cliente cobrando taxas mais elevadas e este, por sua vez, procede de igual maneira, nenhum acréscimo de riqueza terá havido ali. Os ganhos neste caso só serão aparentes e numéricos, nunca reais.

Na verdade, quando a fração do capital destinada às atividades produtivas é diminuída em benefício da especulação financeira, há efetivamente uma deterioração das condições de vida do conjunto da sociedade.

Além do mais, fomos muito pouco realistas nas hipóteses apresentadas ao supor que a participação relativa entre trabalhadores e empresários nos rendimentos gerados se manteriam inalterados quando da diminuição do volume de recursos dedicado às atividades produtivas.

Por lógica, nessas condições, costuma ocorrer uma acentuada queda no percentual do bolo que cabe aos trabalhadores. E não é difícil entender as razões para que assim seja.

Quando o dinheiro sai da produção para dirigir-se à especulação financeira, muito menos mão de obra vai ser necessária para tocar a diminuída máquina produtiva.

Em consequência, muitos trabalhadores ficarão desempregados. Com o aumento do desemprego, o nível dos salários tende a baixar significativamente.

A diminuição na oferta de postos de trabalho redunda em maior concorrência entre os trabalhadores e, com isso, salários menores para os que conseguem arrumar emprego.

Por outro lado, para aqueles que vivem do rentismo, a possibilidade de controlar a taxa de juros é sempre uma ferramenta de inestimável valor. Os que detêm esse poder podem aumentar sua participação na renda total através do aumento da espoliação dos demais.

Embora o montante de riquezas existentes venha a se reduzir, a violenta elevação da expropriação das maiorias possibilita que os grupos que controlam o rentismo melhorem sua participação em relação ao restante da sociedade.

É por isso que as classes dominantes demonstram ter tanto interesse em que o Banco Central seja um órgão independente.

É claro que o que eles entendem por independente, na realidade, quer dizer “alheio ao controle das maiorias populares da nação e inteiramente submisso aos desígnios do grande capital”.

Dar as diretrizes para o funcionamento do Banco Central não é algo que possa ser indiferente para as maiorias populares. A produção e o emprego dependem de decisões tomadas pelas autoridades que dirigem o Banco Central.

Que mais ou menos recursos sejam destinados para a construção de moradias para o povo necessitado, ou usados para garantir que os banqueiros possam se tornar ainda muito mais poderosos, são alternativas que dependem de quem controla o funcionamento dessa instituição.

Apoiar a permanência do Banco Central como instituição independente e estritamente técnica é como acreditar que possa haver plenas condições para o exercício da democracia entre as raposas e as galinhas. As raposas vão todas estar sempre favoráveis. E as galinhas?

 

Fonte: Viomundo

Nenhum comentário: