domingo, 26 de março de 2023

Governo Lula e a guerra de narrativas sobre a destruição da Amazônia

Alimentado por fake news e teorias da conspiração, dois meses e algumas semanas depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República continua viva e forte em Roraima e em bolsões nos estados vizinhos a ideia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem chance de voltar ao poder. Essa história é forte entre o enorme contingente de garimpeiros que invadiu as terras dos índios yanomami, uma área de 9,2 milhões de hectares na fronteira de Roraima com a Venezuela. A invasão provocou a fome entre os indígenas. As imagens de homens, mulheres e crianças reduzidos a pele e ossos transformaram-se em notícias que circularam o mundo. Essa narrativa de que a disputa pela Presidência continua é alimentada todos os dias pelos noticiários das rádios locais, o principal veículo de comunicação da região. Os donos dos garimpos e seus financiadores se encarregaram de consolidar essa narrativa. O governo do presidente Lula fez o que tinha fazer. Enviou para resolver o problema causado pela invasão dos garimpeiros cestas básicas, médicos, remédios, tropas federais, Polícia Federal (PF) e fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). E iniciou um plano para rastrear o dinheiro que financia o garimpo ilegal e a venda dos minerais: ouro, cassiterita e diamantes.

Mas são muito frágeis as iniciativas do governo federal em se contrapor a narrativas nutridas pelas fake news e teorias da conspiração, na opinião de lideranças de movimentos sociais da região. Conheço a região e tenho fontes confiáveis que lá vivem. O que acontece é que a maioria dessas emissoras de rádio depende economicamente de parlamentares estaduais, federais e municipais que defendem o garimpo ilegal e a derrubada da Floresta Amazônica por madeireiros clandestinos. São pequenas as chances de alguém se eleger na região sendo contra o saque dos bens e dos povos originais da Amazônia. Lideranças populares da região não estão defendendo a ideia de que o governo federal monte uma operação de mídia para lutar pelos corações e mentes da população. Defendem que seja montado um plano especial que mande autoridades do governo federal circularem pelas principais cidades, visitando os meios de comunicação para conversar sobre o que realmente está acontecendo. Colocando em pratos limpos coisas do tipo: as eleições acabaram e Lula foi legalmente eleito e empossado. A única maneira do ex-presidente voltar ao poder é ganhar as próximas eleições presidenciais, que acontecem em 2026. Os atos terroristas ocorridos em 8 de janeiro em Brasília (DF) não foram realizados por petistas infiltrados. Mas, como mostram investigações da PF e processos em andamento na Justiça Federal, por bolsonaristas radicalizados que foram presos na ocasião: 1.028 pessoas, sendo 637 homens encaminhados para o Complexo Penitenciário da Papuda e 391 mulheres enviadas para a Penitenciária Feminina.

Na opinião das lideranças dos movimentos sociais com quem conversei, não adianta o governo federal enviar relises, vídeos e áudios para as emissoras de rádio da região. É preciso mandar para lá gente do governo para bater na porta das rádios e contar o que realmente está acontecendo. Eu conheço a realidade da imprensa local. Já estive várias vezes trabalhando pela região e tenho boas fontes por lá. Não há exagero dessas lideranças em pedir que o governo federal faça um investimento para explicar a realidade do que está acontecendo no país. A maioria da população daquela região nasceu e cresceu dentro de uma cultura de saque dos recursos da Floresta Amazônica. A lista de mártires que foram mortos por defenderem o meio ambiente é longa. Lembro que, no final da década 80, o sindicalista, seringueiro e ambientalista Chico Mendes foi tocaiado e morto na porta da sua casa em Xapuri, cidadezinha no meio da floresta, no Acre. Em fevereiro de 2005, a irmã Dorothy Stang, defensora do meio ambiente e da reforma agrária, foi assassinada em Anapu, cidade no interior do Pará. E por aí vai a longa lista de mortos. Saqueador da floresta é uma profissão na Amazônia. O governo federal precisa explicar para a população local que a situação mudou. A preservação da floresta e dos seus povos originais é fundamental para a existência do mundo que conhecemos. Essa é a conclusão a que cientistas de várias países chegaram. Em consequência disso, o Brasil tem uma grande oportunidade de obter grandes financiamentos internacionais para solucionar vários problemas das populações daquela região.

Já falei, escrevi e conversei durante palestras para repórteres sobre o que vou dizer. Comecei a trabalhar em jornal na década de 70, no departamento de circulação, responsável por colocar o jornal nas mãos dos jornaleiros que gritavam as manchetes nas esquinas e nas bancas. Na época, todos os grandes jornais limitavam o grosso da sua circulação às capitais e regiões metropolitanas situadas no Leste do território nacional (litoral). O restante do país recebia pequenas quantidades de jornais enviadas por avião, ônibus e correio. Os noticiários das rádios e TVs davam alguma notícia sobre as cidades do Centro-Oeste e do Norte, quando algo de muito grave acontecia por lá. Era assim e continua sendo assim nos dias atuais. Essa é uma das razões do bolsonarismo ter crescido tanto na região. Até hoje, nunca um governo federal se preocupou em enviar alguém para a Amazônia com a tarefa de bater nas portas dos meios de comunicação para colocar a realidade dos fatos. Acrescento o seguinte. Muitos dos acampamentos de agricultores gaúchos e seus descendentes erguidos no final da década de 70 à beira da BR-153, rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), hoje são cidades de porte médio, como Sorriso (MT), que tem uma população de mais de 150 mil habitantes e uma economia muito forte baseada no plantio de grãos como a soja. Mas, apesar do progresso, cidades como Sorriso continuam sendo tratadas pelo governo federal como se fossem acampamentos à beira da estrada. Há centenas de jornalistas trabalhando no governo federal. Eles conhecem a situação que descrevi. E sabem da urgência de alguém levar as informações corretas para os moradores daquela região.

 

       Comitiva de Lula à China inclui desmatadores e lobistas do agronegócio

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia, neste domingo, a primeira missão diplomática de seu governo, com destino à China. Com a proximidade do embarque, veículos como Folha, Estadão e O Globo vêm destacando a participação, entre os 102 empresários que integram a comitiva presidencial, de nomes como os dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do frigorífico JBS, e de doadores de campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas e a comitiva do agronegócio? A viagem a Pequim teve seu objetivo descrito pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Fávaro, como o de “abrir portas, criar oportunidades de crescimento e aumentar o mercado”. Qual é a história desses empresários?

Mais da metade do séquito é formada por pecuaristas. Só do setor de carne bovina são 42 empresários e representantes de organizações de classe. Entre os donos do boi que integram a comitiva está, por exemplo, Alisson Navarro, diretor comercial da Marfrig, segunda maior produtora de carne do mundo, atrás apenas da JBS dos irmãos Batista.

Ele embarca para a China com Lula menos de um mês após a empresa ser o pivô de uma denúncia contra o banco francês BNP Paribas, em um tribunal de Paris, por contribuir com crimes ambientais e violações de direitos humanos ao financiar a Marfrig. Um dos denunciantes foi a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em nota, o BNP Paribas disse que o grupo deixará de fornecer produtos ou serviços financeiros a empresas que não estejam alinhadas com sua política de “rastreabilidade total das cadeias de fornecimento (diretas e indiretas) de carne bovina e soja na Amazônia e no Cerrado brasileiro”.

Um ano antes, em fevereiro de 2022, a Marfrig perdeu um aporte de US$ 200 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), após as partes não chegarem a um acordo sobre as metas de prevenção ao desmatamento na cadeia de fornecimento do frigorífico brasileiro.

Outro nome ignorado pela imprensa brasileira é o de Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Em 2019, durante o auge da crise diplomática causada pelo Dia do Fogo e pelas queimadas na Amazônia, a Abiec publicou em seu site um artigo atacando o que chamou de “oportunistas do ambientalismo radical”, por associarem os incêndios criminosos à pecuária. Meses depois, um relatório do Greenpeace comprovou que entre os líderes do Dia do Fogo estavam fornecedores diretos da JBS e Marfrig. O artigo é assinado por Maurício Palma Nogueira, dono da consultoria Athenagro e “Embaixador do Agro” do Estadão.

Ex-diretor de estratégia empresarial da JBS, Camardelli também compõe a diretoria do Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), face institucional da bancada ruralista no Congresso. O papel da Abiec e dos frigoríficos no IPA foi um dos temas do relatório “Os operadores da boiada“, publicado por este observatório. Camardelli foi afastado da JBS após o escândalo de caixa 2 envolvendo o ex-deputado e ministro bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL-RS).

EMPRESÁRIOS DO ALGODÃO, CELULOSE E SOJA COMPLETAM COMITIVA

Embarcam com Lula para a China cinco membros da cúpula da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), uma das principais defensoras da aprovação do PL 1459/2022, o chamado “PL do Veneno“, ora em tramitação no Senado. Se aprovado, o projeto irá flexibilizar o processo de aprovação de agrotóxicos no Brasil, beneficiando diretamente os grandes produtores de algodão.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em parceria com a Operação Amazônia Nativa (Opan), dos 28 tipos de agrotóxicos utilizados na cadeia produtiva do algodão, 17 são proibidos na União Europeia. Além disso, a commodity é uma das principais consumidoras de venenos agrícolas do país, com um índice de 28 litros por hectare, o dobro do que é usado no cultivo da soja.

No setor de papel e celulose, a canadense Paper Excellence emplacou na comitiva de Lula três executivos. Fundada em 2006, a companhia decidiu apostar no Brasil a partir de 2017, quando comprou a Eldorado Celulose da J&F Investimentos, holding responsável por gerir os negócios dos irmãos Batista. A disputa pelo controle da empresa, no entanto, arrasta-se até hoje na Justiça, após uma divergência entre a antiga controladora e o grupo dos Estados Unidos.

A Paper Excellence lançou em janeiro sua nova campanha de mídia no Brasil, sob o mote “excelência é nosso nome, confiança faz parte da nossa essência”. O investimento foi uma reação a um relatório publicado dois meses antes, em novembro, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), mostrando a participação de subsidiárias do grupo em incêndios florestais e conflitos com comunidades tradicionais na Indonésia. Segundo o ICIJ, a Paper Excellence usou empresas de fachada para ocultar sua relação com o caso.

Fazem parte ainda da comitiva de Lula e Carlos Fávaro organizações de classe de arrozeiros e de reciclagem animal. E Kleverson Scheffer, filho do “rei da soja” Eraí Maggi Scheffer, dono do Grupo Bom Futuro e primo bilionário do ex-ministro Blairo Maggi, padrinho político de Fávaro no Mato Grosso e fiador de sua indicação ao Ministério da Agricultura. O conglomerado da família Scheffer — líder da produção de soja no Brasil — coleciona embargos ambientais, infrações trabalhistas, multas do Ibama e uso de trabalho análogo à escravidão.

 

Fonte: Por Carlos Wagner, no Observatório da Imprensa/De Olho nos Ruralistas

 

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