terça-feira, 28 de março de 2023

"Colapso do regime de Putin seria pesadelo para a China", afirma cientista político

O cientista político Dirk Schmidt é professor de política e economia chinesa da Universidade de Trier. Em entrevista à DW, o especialista fala nos laços e dos pontos biográficos em comum unindo os líderes de China e Rússia em sua propalada "parceria sem fronteiras", a qual foi enfatizada mais uma vez em recente visita do governante chinês a Moscou.

Schmidt diz que Pequim considera a Rússia necessária e crucial numa ordem mundial multipolar voltada contra os EUA e que as relações entre os dois países é nutrida pelos próprios interesses de ambos os lados. "A China está claramente seguindo seus próprios interesses e usa agora a situação na Rússia para obter gás, petróleo, carvão e recursos em geral a preços baratos", explica o politólogo.

O especialista ressalta que Pequim tem "enorme interesse" de que a guerra na Ucrânia não termine em desvantagem para os russos. "Do ponto de vista chinês, seria um cenário de pesadelo absoluto se o governo de Putin caísse e, numa situação hipotética, a Rússia se juntasse ao Ocidente", avalia.

<<<< Leia a entrevista:

•        Professor Schmidt, pouco antes da invasão russa à Ucrânia, há mais de um ano, Pequim e Moscou já haviam concordado com uma "parceria sem fronteiras". Recentemente, tais laços de amizade foram enfatizados mais uma vez durante a visita oficial a Moscou do chefe de Estado e líder do partido comunista da China, Xi Jinping. Até que ponto essa tão propalada amizade entre dois Estados é uma amizade entre dois indivíduos?

Dirk Schmidt: Acredito que a importância da amizade pessoal entre Putin e Xi é subestimada. A relação entre os dois países é moldada pelas convicções pessoais de seus líderes. Ambos estão ligados por uma proximidade particular, diria até amizade. Este mesmo termo foi inclusive usado durante a visita oficial. Quando eles se sentaram um de frente ao outro, Xi Jinping, que é certamente alheio ao sentimentalismo, colocou da seguinte forma: "Presidente Putin, meu grande amigo." Foi exatamente isso que ele disse em chinês. Trata-se de uma qualidade especial e não apenas uma frase vazia.

•        Em sua primeira viagem ao exterior como chefe de Estado em 2013, Xi Jinping foi a Moscou. Já naquela época, Xi Jinping disse a Putin acreditar que eles tinham um "caráter semelhante". Ele chegou a falar inclusive de uma espécie de alma gêmea. De onde vem isso?

Existem alguns paralelos em suas biografias: ambos são da mesma geração, com apenas alguns meses de diferença de idade. Ambos cresceram num sistema marxista-leninista. Ou seja, Putin entende a mentalidade de Xi na estrutura do Partido Comunista.

Por outro lado, Xi Jinping tem uma compreensão da história russa, algo que Putin sempre promove. Xi é filho de um dos colaboradores mais próximos de Mao [Tsé-tung]. Seu pai, Xi Zhongxun, era um dos principais funcionários no âmbito das relações com a Rússia. Em entrevistas, Xi relatou repetidas vezes também ter sido influenciado pela literatura russa quando criança, e que seu pai lhe trazia presentes da Rússia. Além disso, o pai de Xi Jinping, considerado extremamente pró-Rússia, foi perseguido como espião russo sob o regime de Mao na década de 1960.

Ambos também compartilham a experiência do declínio do sistema autocrático na União Soviética (URSS). Xi Jinping sempre criticou o colapso da URSS, desde o início de seu mandato até os dias atuais. Putin e Xi têm uma visão idêntica sobre o fim da URSS. Do ponto de vista tanto de Putin como de Xi, essa queda se deve à incompetência do ex-líder soviético Mikhail Gorbachov.

Outro aspecto em que ambos compartilham uma perspectiva semelhante é a preocupação com as chamadas "revoluções coloridas" trazidas de fora para seus respectivos sistemas, seja dos EUA ou do Ocidente como um todo.

•        Desde 2013, Xi e Putin já se encontraram pelo menos 40 vezes. Como o senhor observa o desenvolvimento deste relacionamento ao longo de encontros tão frequentes?

Ele se aprofundou. Fala-se muito também em trocas de presentes nessas visitas oficiais. Sabemos que em várias delas, Xi Jinping e Putin se encontraram sozinhos. Numa dessas ocasiões, em 2019, no contexto de uma reunião da Organização para Cooperação de Xangai, Putin parabenizou Xi Jinping pelo seu aniversário e lhe presenteou com bolo e sorvete. E segundo seus círculos mais próximos, eles também prestaram visitas um ao outro em seus respectivos quartos de hotel e conversaram em particular. Isso é extremamente raro em tal contexto. Essas pessoas são muito desconfiadas. O fato de terem cultivado tanta proximidade e intimidade nos últimos dez anos é algo especial.

•        Olhemos novamente para esses dois países, cujos autocratas se dizem irmãos. Em chinês, há uma hierarquia no termo irmão: existe o irmão mais velho, "gege", e o mais novo, "didi". Quando Xi e Putin eram jovens, a URSS era claramente o "irmão mais velho". Como é essa relação de fraternidade entre Xi e Putin nos dias atuais?

Vemos uma inversão da relação anterior. Nesse meio tempo, a Rússia se tornou claramente um sócio minoritário, um apêndice. Isso mexe com o brio russo, mas é a verdade: a Rússia está isolada e a China é o único país importante que está a seu lado, que também a apoia. Isso só enquanto esse apoio não implicar sanções do Ocidente, é claro.

Li um comentário de um analista russo que dizia que a Rússia vai "acabar virando uma colônia de matérias-primas". Trata-se de uma afirmação muito dura, mas há um fundo de verdade nela. Hoje lemos, por exemplo, que o país está cada vez mais se valendo do uso da moeda chinesa, o renminbi, para conduzir o comércio, e até mesmo para processar pagamentos dentro da própria Rússia. Isso mostra claramente a discrepância entre os dois lados.

•        Agora olhemos para esta estreita relação pessoal entre Xi e Putin, a prometida "parceria sem fronteiras" entre os dois países, segundo a qual não pode haver "áreas proibidas de cooperação". O que isso significa no caso de umeventual apoio chinês à Rússia na guerra de agressão contra a Ucrânia?

Em primeiro lugar, é surpreendente que a terminologia "parceria sem fronteiras" tenha sido relativamente pouco utilizada. Não acho que esse termo tenha surgido nos últimos dois ou três dias. Do ponto de vista chinês, é claro que eles não estão acorrentados incondicionalmente à Rússia, mas querem, sim, manter a flexibilidade. Um princípio central da política externa chinesa é a necessidade de flexibilidade tática.

O rumo estratégico é muito claro: a Rússia é necessária e crucial numa ordem mundial multipolar voltada contra os EUA. Neste ponto, eles estão próximos um do outro. Fora isso, a China está claramente seguindo seus próprios interesses e usa agora a situação na Rússia para obter gás, petróleo, carvão e recursos em geral a preços baratos.

Nesse sentido, a China tem um enorme interesse não necessariamente na vitória da Rússia, mas que, de alguma forma, a guerra não termine em desvantagem para os russos. A China precisa da Rússia. A China compartilha uma fronteira de 4,2 mil quilômetros com a Rússia. Do ponto de vista chinês, seria um cenário de pesadelo absoluto se o governo de Putin caísse e, numa situação hipotética, a Rússia se juntasse ao Ocidente. Da perspectiva chinesa, surgiria assim um adversário diretamente ao longo desses 4,2 mil quilômetros da fronteira norte. Trata-se de um problema de política de segurança muito evidente.

•        Tem havido muita especulação sobre entregas de armas…

Eu não descartaria isso. Só a China seria capaz de fazê-la de forma escusa. Por exemplo, ao fazer entregas para a Rússia através de países terceiros, via Turquia, Azerbaijão ou Emirados. Já houve relatos nesse sentido.

A China é extremamente habilidosa para fugir das sanções. Um exemplo disso é o apoio de longa data à Coreia do Norte. Não devemos subestimar a China. No final, se a situação realmente apertar, acredito que a China certamente usaria todos os meios disponíveis para garantir a sobrevivência da Rússia sob Putin.

 

       Guerra deixa Rússia cada vez mais à mercê da China

 

O tom é novo: o chefe de Estado da China, Xi Jinping, denuncia os EUA, afirmando que Washington quer oprimir seu país, em discurso feito durante uma recente sessão do Congresso Nacional do Povo chinês. "Os países ocidentais, liderados pelos EUA, tentam conter, enquadrar e suprimir a China, o que gera desafios graves e sem precedentes ao desenvolvimento chinês", afirmou o presidente, segundo a imprensa estatal.

Seu novo ministro do Exterior, Qin Gang, lançou um alerta para os Estados Unidos, avisando sobre o perigo de um conflito de "consequências catastróficas".

Essas ameaças também poderiam ter sido ditas pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin. O chefe do Kremlin justifica a invasão da Ucrânia com a luta contra a Otan, os EUA e o "Ocidente coletivo". Uma distorção dos fatos para a qual a China mostra publicamente compreensão, mas não abraça totalmente.

Putin, aos 70, e Xi, aos 69 anos, têm aproximadamente a mesma idade. Segundo a imprensa, eles se encontraram quase 40 vezes nos últimos dez anos. Ambos têm um estilo de gestão ditatorial. Eles estão há muitos anos incontestados no poder. Eles repetem como um mantra a "amizade" entre as duas potências nucleares, a "parceria estratégica". Putin e Xi não fazem segredo do fato de rejeitarem a atual ordem mundial baseada em regras e de que querem quebrar a suposta hegemonia do Ocidente.

•        O olhar de Moscou para a China

E, no entanto, existem grandes diferenças entre os dois países. Com base no produto interno bruto (PIB), a China é a segunda maior economia do mundo depois dos EUA e uma nação exportadora de sucesso. A economia da Rússia é cerca de dez vezes mais fraca.

Moscou vive há décadas da exportação de matérias-primas. A modernização do país fracassou até agora. Putin aparentemente calculou mal seu ataque à Ucrânia: política, militar e economicamente. A unidade do Ocidente, sua capacidade de reduzir massivamente a dependência de gás, petróleo e carvão russos em um prazo muito curto, está forçando o Kremlin a alinhar sua economia com os países asiáticos, especialmente a China. Aqui Moscou não tem outras opções de ação.

•        Dependência crescente

Bem diferente é situação da China, que se beneficia da dependência de Moscou, por exemplo, obtendo petróleo e gás russos em condições especiais. Quanto mais tempo durar essa dependência russa da China, melhor para Pequim.

Já em 2014, a China driblou sanções ocidentais contra a Moscou que foram impostas pelos EUA e a Europa após a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia. Ao mesmo tempo, a China promovia com sucesso a continuação das relações econômicas com o Ocidente.

Xi não depende da Rússia. Embora o chefe de Estado chinês envie ameaças aos americanos, Pequim ainda tem a opção de chegar a um acordo com Washington.

A estratégia de "zero covid" na pandemia desacelerou o crescimento da China em 2022, mostram as estatísticas oficiais do país. Mas com o fim dessa política, no entanto, a economia chinesa se estabilizou. É improvável que Xi esteja interessado em uma guerra comercial com os EUA e também – como consequência – com os europeus. Pequim está tentando criar um racha na aliança transatlântica, assim como Moscou tentou fazer. Até agora sem sucesso. Afinal, a guerra na Ucrânia ensinou aos europeus o quanto eles dependem da liderança americana.

•        Risco Taiwan

Rússia e China não é uma parceria entre iguais. Xi é inteligente o suficiente para não humilhar publicamente os russos. Ele não dá nenhuma declaração que os deixe sentir sua fraqueza econômica, sua dependência.

Economistas avaliam que o padrão de vida na Rússia continuará caindo nos próximos anos – também porque centenas de milhares de especialistas em TI deixaram sua terra natal desde o ataque à Ucrânia. Pode ser que Putin aceite o declínio econômico de seu país. Já Xi continua perseguindo o objetivo de, talvez um dia, ultrapassar os Estados Unidos economicamente.

Um novo estudo do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) relembra a visita aos Estados Unidos do então novo presidente Xi em 2012. Na época, ele falou de "um novo tipo de relação das grandes potências no século 21". Os Estados Unidos e a China devem, segundo ele, ser potências iguais. A Rússia não aparece nessa parte.

Agora, conforme a liderança em Pequim, a Rússia é o "parceiro estratégico mais importante" da China que teria uma mesma visão em relação ao adversário EUA. O estudo do SWP cita a opinião do cientista político chinês Yan Xuetong sobre a posição chinesa no conflito da Ucrânia. Segundo o especialista, a China só poderia ser empurrada ofensivamente para o lado da Rússia se os EUA apoiassem militarmente uma declaração de independência de Taiwan.

 

       China insta Europa a ser mais proativa e apoiar proposta de paz na Ucrânia

 

Um diplomata chinês falou com o assessor diplomático do presidente francês, instando os países europeus a participarem da iniciativa de acabar com o conflito ucraniano.

O diplomata chinês Wang Yi exortou na quinta-feira (23) a Europa a desempenhar um papel no apoio às conversações de paz para a guerra da Rússia na Ucrânia.

"A China espera que a França e outros países europeus também desempenhem seu devido papel", apontou o chefe da Comissão de Relações Exteriores do Comitê Central do Partido Comunista da China a Emmanuel Bonne, assessor diplomático do presidente francês Emmanuel Macron, em uma chamada telefônica.

"Um cessar-fogo, o fim da guerra, a retomada das conversações de paz e uma solução política para a crise devem se tornar o consenso estratégico entre a China e a Europa", disse Wang, citado na sexta-feira (24) pela agência norte-americana Bloomberg.

A chamada veio logo após Xi Jinping, presidente da China, ter terminado uma visita de Estado à Rússia, onde o presidente Vladimir Putin prometeu laços ainda mais estreitos e saudou as propostas de Pequim para aproximar o fim do conflito. Os EUA, por sua vez, desvalorizaram a proposta de Xi como tendenciosa. Ao mesmo tempo, Washington está preocupado com a possibilidade de a rejeição da proposta da China poder dar a ideia de que o país norte-americano não está interessado na paz.

Pedro Sánchez, primeiro ministro da Espanha, anunciou que viajaria na próxima semana à China para falar com Xi sobre a proposta de negociar um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, e o presidente francês Emmanuel Macron revelou que visitaria no início de abril para pressionar Pequim a ajudar a acabar com o conflito na Ucrânia.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva também indicou que visitaria a China por cinco dias a partir de domingo (26), mas teve sua visita cancelada após ser diagnosticado com pneumonia leve.

 

Fonte: Deutsche Welle/Sputnik Brasil

 

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