Brasil tem 13 novos
processos por importunação sexual por dia
O
Brasil tem uma média de 13,6 novos casos de importunação sexual por dia levados
à Justiça, segundo dados compilados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
No
total, foram 2.886 novos processos pelo crime entre janeiro e julho de 2022
(dados mais recentes) no Brasil todo.
O
crime de importunação sexual é quando alguém realiza um "ato
libidinoso" na presença de outra pessoa de forma não consensual.
Ele
foi criado em 2018 para penalizar atos que não se encaixavam em outros crimes
sexuais, explica a criminalista Maíra Zapater, professora de direito penal e
direito processual penal na Unifesp.
São
atos como passar a mão em partes íntimas de outra pessoa, assediar alguém no
transporte público, exibir pornografia ou se masturbar em frente a outras
pessoas sem o seu consentimento.
Se
considerados todos os casos registrados pela polícia, não somente os que chegam
à Justiça, o número é maior: uma média de 52 por dia, de acordo com o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública de 2022 (com dados de 2021).
Foram
registrados 19.209 casos de importunação sexual nas delegacias em 2021, um
aumento de 17,8% em relação a 2020, quando houve 16.190 casos registrados.
O
crime voltou a se discutido nesta sexta (17) após a expulsão de dois
participantes do programa BBB (Big Brother Brasil), da TV Globo, por terem se
comportado de forma imprópria com outra participante.
Filmagens
do programa mostram que MC Guimê passou a mão em Dania Mendez e Antonio Carlos
Júnior tentou beijá-la à força. Ambos estão sendo investigados pela Polícia
Civil do Rio de Janeiro por importunação sexual.
Mc
Guimê disse que ainda vai se pronunciar oficialmente, mas que sabe que errou.
"Tenho noção do erro, das falhas que cometi", escreveu no Instagram.
Antonio ainda não se pronunciou sobre o caso.
• 'Tolerância social'
A
pena prevista para o crime de importunação sexual é de um a cinco anos de
prisão. Caso alguém seja condenado a até quatro anos, a pena pode ser
convertida em medidas alternativas - como prestação de serviço à comunidade.
Para
a criminalista Maíra Zapater, a criação da lei foi super importante por criar
uma categoriapara crimes sexuais que não chegam a ser estupro - com punição
proporcional. Ou seja, segundo ela, agora a Justiça consegue dar uma pena
adequada para atos que antes ou não eram punidos ou poderiam ser punidos da
mesma forma que crimes muito mais graves
"Lembro
de um caso de um jovem que foi punido por estupro após um beijo forçado no
Carnaval. Sem nenhuma condescência ao ato, que é violentíssimo, mas era
desproporcional puni-lo da mesma forma que no caso da jovem que foi mantida
refém e estuprada por vários homens, por exemplo", afirma Zapater.
No
entanto, embora extremamente importante, a lei sozinha não é capaz de
desestimular esse tipo de conduta, afirma a criminalista, sendo necessária uma
mudança cultural e estrutural.
"A
gente tem dados muito robustos que mostram que a criminalização não tem
qualquer efeito sobre a prática da conduta", afirma.
"Vivemos
um mundo em que existe ainda uma tolerância social muito grande para a
violência contra as mulheres e que faz com que os homens sintam a liberdade de
praticar esse tipo de conduta", diz Zapater.
A
criminalista afirma que outras medidas não penais, como a expulsão de MC Guimê
e Antonio do BBB pela Globo, ensinam muito mais à sociedade que esse tipo de
conduta não é aceita.
"O
efeito pedagógico é muito maior", diz ela.
Os crimes que podem ter sido cometidos em
festa de 'curso de pegação'
"Coaches"
americanos que vendem cursos para "conquistar mulheres" por até US$
50 mil e deram festa no Brasil estão sendo investigados pela polícia de São
Paulo pela suspeita de terem cometido crimes previstos na lei brasileira.
Diversas
mulheres que participaram em fevereiro de uma festa em uma mansão no Morumbi,
bairro nobre da capital paulista, prestaram queixa à polícia e disseram terem
sido enganadas.
Após
a repercussão, os dois americanos disseram que o evento tinha "pessoas
adultas que estavam lá por livre e espontânea vontade".
No
entanto, algumas das mulheres relataram à polícia que o evento tinha menores de
idade e que não faziam ideia de que a festa se tratava de uma "aula prática"
em um curso de "pegação".
Uma
delas afirmou que acreditava ser apenas uma festa entre amigos. "Me senti
enganada, traída", disse ela à rede Globo.
O
caso veio à tona após os americanos conhecidos como Mike
"Pickupalpha" e David "Bond" postarem imagens da festa nas
redes sociais divulgando seus cursos. Foi então que diversas mulheres
descobriram que o evento na verdade era uma "aula prática".
Os
americanos oferecem cursos de até a US$ 50 mil (cerca de R$ 262,7 mil) que
incluem viagens para países como Brasil, Costa Rica, Filipinas e Colômbia e a
"consultoria".
• Violação sexual mediante fraude
Tanto
a conduta da dupla de "coaches" quanto a dos homens que pagaram pelo
evento podem ser enquadradas como crimes a depender do resultado da
investigação da polícia, explica o criminalista Raul Abramo.
Caso
fique provado que as mulheres foram enganadas, os alunos do curso que tiveram
relações com as mulheres podem ter que responder criminalmente por violação
sexual mediante fraude, afirma Abramo, sócio do escritório Vilela, Miranda e
Aguiar Fernandes.
Trata-se
do crime de usar fraude ou outro meio que dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima para "ter conjunção carnal" ou praticar outro
"ato libidinoso" com alguém. Ou seja, as mulheres podem até ter consentido
na hora, mas se trata de um consentimento viciado, pois elas não sabiam a real
natureza do evento.
"Existe
uma discussão sobre o que é uma fraude sexual para fins penais. Você
simplesmente mentir sobre sua profissão, por exemplo, na minha visão, não seria
uma fraude. Mas a enganação na dimensão posta, ou seja, quando há uma clara
existência de fim de exploração sexual, se encaixa mais claramente nesse
crime", afirma Abramo.
Além
disso, se algum dos homens tiver se aproveitado de mulheres dopadas ou muito
bêbadas - "dica" que às vezes figura em cursos de "pegação"
- ele pode responder até mesmo por estupro de vulnerável.
• Indução à prostituição
Caso
a polícia descubra que algumas das mulheres receberam propostas sexuais de
cunho econômico, ou seja, que houve propostas de prostituição durante a festa,
os responsáveis pelo evento podem responder por crime de indução à
prostituição.
"Para
configurar esse crime basta que exista a indução, algum tipo de orientação que
leve a ofertas sexuais em troca de pagamento", explica Abramo,
Uma
das possibilidades de crime que a polícia investiga é a de tráfico de pessoas,
mas o criminalista não acredita que seja o caso. "Para ser tráfico de
pessoas é preciso que haja cruzamento de barreiras nacionais
(fronteiras)", diz Abramo.
Além
disso, outros envolvidos podem responder pelo crime de registro não autorizado
de intimidade sexual, que tem pena de prisão de 6 meses a um ano - que pode ser
transformada em penas alternativas.
"Caso
tenham fotografado ou filmado as mulheres nuas, ou durante uma intimidade.
Mesmo se houver atos sexuais no entorno, no fundo etc.", explica o
criminalista.
Para
averiguar este crime, a polícia pode obter uma ordem judicial para apreender
celulares dos envolvidos ou chamar as vítimas para que apresentem imagens.
As
vítimas também podem processar na esfera civil tanto os organizadores do evento
quanto os participantes, com pedidos de indenização por danos morais.
• Estrangeiros podem responder por crime
no Brasil?
Não
está claro se havia homens brasileiros na festa, mas os responsáveis são
americanos e vendem seu curso nos EUA.
A
Justiça Brasileira pode processar e condenar cidadãos americanos por crimes
cometidos no Brasil, mas o cumprimento da sentença fica dificultado caso as
pessoas já tenham saído do país - o que parece ser o caso, já que a festa foi
em fevereiro.
"O
Brasil tem um tratado de extradição com os EUA (para entrega de criminosos
condenados), mas ele não inclui esses crimes", afirma Abramo.
O
que poderia ser considerado é um pedido os EUA para que os homens cumpram a
pena no país de origem, algo que precisaria ser aprovado pela Justiça
americana.
A
Justiça brasileira, inclusive, tem um caso parecido, mas no sentido inverso: o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda vai decidir se o jogador de futebol
Robinho, que foi condenado na Itália por estupro, vai cumprir a pena no Brasil.
Fonte:
BBC News Brasil
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