As leis brasileiras não estavam preparadas para um criminoso serial na presidência
Bolsonaro
vai responder a mais de 30 processos, por crimes políticos, eleitorais e
comuns. É um recorde infame. Nenhum ex-presidente cometeu tantos. A lista
contempla um leque vastíssimo.
Ataques
ao STF e a seus ministros, discurso racista (o quilombola que pesa arrobas),
apologia do estupro (só não te estupro porque você é feia), disseminação de
notícias falsas durante a pandemia (cloroquina cura), incitação ao crime
(máscara é para os frouxos), divulgação de investigações sigilosas (sobre
ataque hacker ao TSE), injúria e calúnia (dos ministros do STF Luiz Roberto
Barroso e Alexandre de Moraes), improbidade administrativa (caso Wal do Açaí, do
tempo em que era deputado e que será retomado agora), estímulo a atos e
discursos anti-democráticos (gabinete do ódio), incitação à intentona de 8/1
(reunião no Planalto para grampear Alexandre de Moraes, minuta do golpe com seu
nome), genocídio yanomami (por incentivar invasão de garimpeiros), abuso de
poder político (reunião com embaixadores colocando em dúvida o processo
eleitoral), abuso de poder político e econômico durante a campanha de 2022
(empréstimo consignado, antecipação de parcelas do Auxílio Brasil, aumento do
número de beneficiados, usurpação da festa dos 200 anos da Independência) são
apenas alguns deles.
Mas
os danos que ele causou ao país vão muito além.
Tentou
ideologizar a educação. Atacou a imprensa e os jornalistas diariamente. Criou
inimigos gratuitos, como o presidente da França, ao caluniar sua mulher. Isolou
o Brasil e o transformou em pária internacional. Jogou a população contra as
Forças Armadas. Estimulou a compra e o uso de armas, mas não de livros. Rompeu
a laicidade do estado. Prevaricou ao fechar os olhos às transações clandestinas
envolvendo vacinas. Quebrou o decoro presidencial inúmeras vezes. Interferiu
ilegalmente em investigações de seu interesse. Gastou fortunas no cartão
corporativo em transações suspeitas.
Apesar
da impressionante capivara, a punição não será proporcional aos danos que
causou.
Os
processos eleitorais não dão cadeia, apenas impedem de concorrer nas eleições.
Por, no máximo, oito anos. Se condenado, Bolsonaro, que tem 63, quando tiver 71
poderá concorrer de novo. O correto seria, no seu caso, proibi-lo de se
candidatar para todo o sempre.
Nos
processos criminais há punições severas, até 15 anos no caso de genocídio e de
atentado ao estado democrático de direito.
Como
cada um dos processos será tocado por um magistrado diferente da Justiça
Federal, por sorteio, tanto poderá cair com algum bolsonarista - que tenderá a
arquivar - como a um magistrado técnico, que o levará adiante.
Nem
todos os processos que estão no STF vão descer à primeira instância. Sobretudo
os relatados por Alexandre de Moraes.
Os
que descerem, vão enfrentar um longo caminho até a condenação ou absolvição
final, no STF.
Ainda
que Bolsonaro seja condenado a, digamos, 20 anos de prisão, vai cumprir apenas ⅙,
no máximo, como acontece com todos os condenados que têm
bons advogados.
Como
ele é ex-presidente, terá a prerrogativa de cumprir a pena numa “sala
especial”, em alguma dependência policial ou militar. Não irá para a Papuda.
Por tudo o que fez, deveria ser afastado do convívio social para sempre.
As
leis brasileiras não estavam preparadas para um criminoso serial na
presidência. Nenhum legislador previu que um dia surgiria um tal de Bolsonaro.
Ø A marca de batom na cueca de Campos Neto. Por Florestan
Fernandes Jr
Em
29 de abril de 2021, toma posse o primeiro presidente do “tal” Banco Central
autônomo, justamente Roberto Campos Neto, que já comandava o BC por indicação
de Paulo Guedes e teve seu mandato prorrogado por Bolsonaro até dezembro de
2023.
Na
prática, ao entrar em vigor no meio do mandato de Bolsonaro, a lei Complementar
179/2021 permitiu ao ex-presidente da República, mesmo estando fora do poder,
continuar determinando a política monetária do país.
A
estratégia é perfeita, não fossem os deslizes de Campos Neto na sua ligação
umbilical com a extrema-direita bolsonarista. Deixou-se fotografar em
manifestações com a camisa amarela, participou ativamente da reeleição de seu
"chefe" e era ativista num grupo de WhatsApp dos ministros de
Bolsonaro.
Hoje
(13/02), a coluna de Guilherme Amado no Metrópoles publica a prova
incontestável dessa relação despudorada de Roberto Campos Neto com Bolsonaro, a
marca indelével de sua adesão apaixonada ao projeto político bolsonarista.
Durante
a campanha eleitoral do ano passado, o presidente do “BC Independente” fazia
previsões estatísticas em grupo de WhatsApp que garantiam a vitória de seu
dileto candidato, cuja reeleição era dada como certa por Campos Neto. Mais do
que eleitor, entusiasta da campanha, o atual presidente do BC alimentava animadamente
a Confraria dos vilões da democracia.
Toda
essa situação é extremamente preocupante. Seja porque ficou evidente que Campos
Neto não é capaz de demonstrar ou mesmo inspirar a necessária postura de
independência política e econômica que o cargo exige; seja porque já dá para
cravar que o presidente do BC anda longe da expertise em projeções e
estatísticas... lembrando que a função do BC é a de prever os riscos de
inflação e determinar a taxa de juros adequadas para o controle da nossa
economia.
Pelo
seu próprio histórico de parcialidade política e econômica, não existe mais a
imparcialidade fundamental para manter Campos Neto na presidência do BC. Não
resta outra saída ao presidente Lula senão encaminhar imediatamente denúncia ao
Senado Federal pedindo a substituição imediata de Campos Neto, antes que seja
tarde demais e o quadro de recessão que se avizinha se torne irreversível.
Ø A escolha de Campos
Neto é sabotar Lula (e o país). Por Paulo Moreira Leite
A
crítica de Lula a Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, não
envolve qualquer debate sobre idéias econômicas no século XXI.
Os
números da campanha eleitoral mostram que brasileiros e brasileiras foram
capazes de elaborar uma visão clara das diferenças entre o espírito
desenvolvimentista que animou a campanha de Lula e o monetarismo tosco de Paulo
Guedes-Bolsonaro, responsável pela tragédia economica que o país atravessa.
Nessa
situação, é difícil negar que, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e
da defesa dos interesses do país, Lula tenha 100% de razão ao denunciar a
natureza predatória da gestão de Campos Neto.
Para
quem ainda não foi convencido, basta acompanhar artigos e entrevistas de outro
economista, André Lara Rezende, um dos principais formuladores do Real,
projeto econômico de Fernando Hernando Cardoso.
Exibindo
uma rara coragem intelectual para encarar os fatos e reconhecer os resultados
mesmo quando se mostram decepcionantes, o balanço da obra levou Lara Rezende
refazer o caminho numa autocrítica lúcida e corajosa.
Integrado
a uma diretoria do BNDES, hoje Lara Rezende contribui com idéias e sugestões
para a equipe econômica de Lula.
Verdade
que, no plano teórico, o debate econômico envolve um grau de erudição profundo
demais para a maioria dos brasileiros, inclusive este jornalista.
No
plano político, no entanto, a verdade é fácil de compreender. Graças à regras
impostas ao país após o golpe de 2016, que importou as leis e costumes que o
neo-liberalismo impôs às principais economias capitalistas do planeta, ocorreu
uma mudança de fundo em nossas instituições financeiras.
Numa
estratégia ardilosa, aprovou-se uma regra que retira do presidente da República
o direito de escolher o presidente do Banco Central de sua preferência, de
acordo com suas ideias e convicções, para assegurar a hegemonia da célebre mão
invisível do mercado. A lei, aprovada após a queda de Dilma, definiu que
os mandatos -- de presidente da república e presidente do BC -- não sejam
coincidentes, permitindo, assim, que a força sagrada da soberania popular fosse
neutralizada na definição de centro nevrálgico da economia de qualquer país, a
taxa de juros.
Bolsonarista
assumido, Campos Neto é afilhado direto de Paulo Guedes, neo-liberal da escola
Pinochet. Sua função num posto estratégico da área economica do Estado
brasileiro é sabotar o projeto Lula, referendado pelas urnas da campanha
presidencial, em nome da cartilha neoliberal que lhe abriu as portas para o
cargo que ocupa hoje.
Se
Bolsonaro tivesse sido vencido em outubro, Campos Neto seria o executivo
coerente com ideias do candidato vitorioso. Mas em 2022 o eleitorado mostrou
que sua vontade política era outra -- e, neste caso, Campos Neto não tem lugar
na equipe que Lula tenta montar para reconstruir o país.
Passado
pouco mais de um mês da posse, deixou claro que tem apenas um serviço de
destruição e sabotagem a executar, bloqueando todo e qualquer esforço do
novo governo para construir uma política econômica que o povo considera mais
adequada para o país.
Essa
era a vontade do revanchismo reacionário que animou os golpistas que derrubaram
Dilma há pouco mais de seis anos. Campos Neto mostra-se fiel a ela.
Alguma
dúvida?
Ø O governo ainda
está infestado de bolsonaristas. Por Moisés Mendes
Não
são apenas os militares de Bolsonaro que continuam sentados em seus gabinetes e
nas mais variadas repartições dos escalões intermediários no governo Lula. São
também os civis em cargos comissionados. São milhares.
A
direita nunca se afastou com facilidade de coisas antigas, como departamentos,
seções e repartições públicas. Com a extrema direita, é mais complicado. A
extrema direita adora uma repartição.
O
esperado seria que ocupantes de cargos de confiança, que não fazem parte de
quadros do Estado, pedissem para sair logo depois da fuga de Bolsonaro.
Mas
se sabe que eles não pedem. É parte do dilema de um quebra-cabeças sempre
presente em troca de governo.
Não
mexam com todo mundo, aleatoriamente, e muito menos com aquele cara ali, porque
pode ser um extremista, mas é afilhado do Kassab. É preciso contemplar demandas
dos aliados.
Não
há como substituir com afobação. Não há como saber, em pouco mais de 40 dias de
governo, quais dos 6 mil militares empregados por Bolsonaro são de fato
bolsonaristas ou simpatizantes de ideias golpistas e quais podem ter a chance
de permanecer, se é que devem.
Mas
há militares que não são golpistas? Claro que há. Mas há dentro do governo, em
cargos de confiança cedidos por Bolsonaro e pelos seus militares tutores que
ocupavam posição superior?
É
possível que existam militares democratas nas mais variadas funções. Assim como
existiram mais de 6 mil militares democratas perseguidos pela ditadura depois
de 1968.
A
maior infestação nem é a de militares que passam a ser avaliados pelo novo
governo, para que setores estratégicos não sejam ocupados por infiltrados. É a
infestação de civis mesmo.
Os
expurgos são do jogo da alternância no poder. E ainda mais presentes numa
democracia que procura reabilitar suas forças depois de quatro anos de
fascismo.
Os
civis são em maior número entre mais de 30 mil comissionados. Mas são os
militares o maior desafio para Lula. Como tirar da cadeira os que continuam
sentados?
É
uma turma grande. Um retrato da militarização do governo, com o levantamento de
fardados em cargos e funções comissionadas, foi feito por Flávia de Holanda
Schmidt, técnica do Ipea. O estudo dá a dimensão do desafio.
O
levantamento abrange o período de 2013 a 2021, a partir de dados do Tribunal de
Contas da União, e mostra que o governo tinha 6.157 militares em cargos de
confiança em 2020.
O
número de militares aumentou 59% no período. Mas o número de militares em
funções que deveriam ser de civis aumentou 193%.
Há
estimativas de que o número total de militares tenha passado de 10 mil. Não
houve atualização do estudo, até porque Flávia ocupava uma diretoria do Ipea e
foi demitida com toda a direção em março de 2022.
Gente
do governo Lula ainda divide salas, cadeiras, mesas e cafezinho com gente do
tempo de Bolsonaro. Não há como trocar todo mundo, até porque nem todo mundo
será trocado.
A
infestação que permanece cria desconforto, inquietação e desconfiança num
cenário nunca experimentado antes. Lula recebeu o governo de Fernando Henrique
Cardoso em 2003.
Foi
uma transição com queixas, mas hoje se sabe que foi uma barbada. E Lula passou
o governo a Dilma em 2011. Passaram-se duas décadas desde 2003. São 20 anos de
saudade da direita tucana.
Bolsonaro
destruiu o Estado loteado de militares que o tutelavam em troca de poder e
emprego. Muitos em funções para as quais não estavam habilitados, inclusive no
primeiro escalão.
Lula
não está se livrando de um projeto de poder militar para o país, porque esse
projeto, por mais que se procure, nunca existiu. Existia um projeto de poder
para empregar militares.
Livrar-se
dos generais de Bolsonaro foi a etapa politicamente mais complexa, ainda
inconclusa. Agora é preciso livrar-se dos coronéis, majores e capitães, e essa
é a missão de operação mais complicada.
Porque
envolve embates diretos das novas chefias com gente convencida de que nunca
mais deixaria o governo.
Uma
transição normal, em todas as instâncias, acontece naturalmente a cada mudança
de governo, mesmo que com alguma demora e alguns traumas. Uma transição em meio
a uma infestação pede urgência.
Fonte:
Por Alex Solnik, em Brasil 247
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